My Favourite Cake é o tipo de filme que pode ser considerado simples demais, ou excessivamente complexo, dependendo do ponto de vista. Por um lado, concentra-se na trajetória de uma única protagonista, durante um período limitado (a maioria da trama se desenvolve ao longo de um único dia). Mahin (Lily Farhadpour) tem 70 anos e vive sozinha. Espera ansiosamente pela ligação da filha e dos netos, embora os contatos sejam esporádicos. Raramente encontra as amigas, com quem conversa a respeito das delícias de não precisar cuidar de um marido.
Neste sentido, os diretores Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha oferecem um típico filme de personagens, no sentido de acompanhar rigidamente os passos desta mulher. Não existe uma única cena sem Mahin, de modo que o mundo ao redor existe para ela. A câmera se locomove em função de seu corpo, e se acomoda às suas expressões faciais. Felizmente, a ótima atriz condensa as angústias e a solidão desta figura de maneira respeitosa, sem torná-la uma caricatura, nem enxergá-la como vítima. A tarefa de acompanhá-la se torna prazerosa graças à sua naturalidade.
Além disso, o longa-metragem segue a busca da viúva por um companheiro, quando assume para si mesma a vontade de ter uma companhia casa. Em se tratando do Irã contemporâneo, onde o uso errado do hijab pode levar à prisão (algo descrito numa cena tão didática quanto eficaz), trata-se de uma afronta ao sistema. Como a mulher poderia receber um homem em casa, sem estar casada com ele? Ora, Mahin escuta um sujeito confessar sua solidão, e o segue até estabelecer contato. A mulher flerta tanto quanto propõe um acordo de conveniências: estou sozinha, você também. Por que não vem à minha casa?
Os cineastas trabalham o prazer específico de se testemunhar o amor nascer ao vivo, em tempo real. […] Já os conflitos são cuidadosamente mantidos do lado de fora.
O ápice da simplicidade se resume na noite da dupla de personagens se conhecendo ao longo de algumas horas. Eles bebem, comentam sobre antigos maridos e esposas, lembram o trabalho executado pré-aposentadoria. Calculam quantos anos se passaram desde que viram uma pessoa pelada. Falam do amor, e da vontade de passarem a noite com alguém. Há um teor universal nessa carência singela, e tratada com frontalidade pelos personagens apressados em amar, porque sentem que o tempo lhes escorre pelas mãos. “Não demore muito!” é a frase mais repetida pela mulher, cada vez que o novo parceiro se afasta para ir ao banheiro ou estacionar o carro.
Os cineastas trabalham o prazer específico de se testemunhar o amor nascer ao vivo, em tempo real. O flerte desajeitado de quem não faz nada parecido há décadas garante uma dose generosa de humor, embora se tome a precaução de jamais ridicularizar o casal por suas ações. Eles se tornam jovens novamente quando, por exemplo, dançam após algumas taças de vinho. Em plano-sequência, a câmera gira em torno deles, captando o esforço físico e a intensidade dos atores.
Esta aparência de turbilhão (o “turbilhão da vida” de Jeanne Moreau vem à mente) garante o interesse enquanto os conflitos são cuidadosamente mantidos do lado de fora — a vizinha fofoqueira que escuta voz de homem na casa; a polícia moral que pode prendê-los caso escute música alta. Em oposição aos filmes sem conflitos, Moghaddam e Sanaeeha criam uma narrativa onde os conflitos dominam as preocupações, ainda que se encontrem em segundo plano, do outro lado dos muros, condicionando a deliciosa sensação de liberdade de Mahin. A noite da dupla só torna ainda mais proveitosa porque um sistema os condicionou a pensar que não deveriam fazê-lo. Cria-se uma sensação de alívio ou expurgo a partir do encontro.
Aí reside, em contrapartida, a difícil tarefa dos diretores. Não é nada fácil atingir este nível de simplicidade, no sentido estrito do termo. Projetos desprovidos de um grande dilema podem soar monótonos caso não desenvolvam satisfatoriamente a psicologia e as motivações dos personagens. A arte da progressão sutil (ela deseja um parceiro; o encontra; chama para sua casa; convida a passar a noite) também exige um domínio de ritmo e trabalho de atores bastante raro. Qualquer guinada menos sutil retiraria o espectador da imersão neste contexto próximo do realismo fantástico.
Os criadores se impõem um desafio ainda maior ao implementarem, entre o segundo terço e o trecho final, uma mudança súbita em direção a rumos sombrios. My Favourite Cake apostava numa experiência leve e descompromissada, até incorporar uma transformação que o aproxima do suspense. Tal mudança poderia perder a empatia do público pela protagonista, ou interromper a verossimilhança e a identificação — afinal, se os elementos pareciam naturalistas até então, deixam de sê-los na conclusão.
O filme se sai bem, ainda que escolha uma conclusão vasta até demais, num plano cuidadosamente misterioso quanto aos sentimentos expressos. Esta saída pode soar abrupta, além de despertar a possível ideia de estar punindo seus personagens septuagenários por buscarem o amor “livre” nesta idade. Embora nunca soa moralista ou conservador, o término pode despertar a amarga sensação de fatalismo. A narrativa aparenta nos dizer: “É isso que vai acontecer a você caso fuja das normas”, aplicando em seguida uma punição exemplar.
Em contrapartida, é possível que o retorno à gravidade corresponda a uma parcela de realismo que necessariamente invade o romance idílico entre dois senhores. Para não transformar a paixão repentina em um conto de fadas, sugerindo a solução para todos os problemas através do amor romântico, os diretores elaboram uma maneira simbólica de invadir esta casa feliz com um pouco de austeridade. Diante do bolo preparado pela mulher, opta pela impossibilidade de aproveitá-lo. O Irã contemporâneo, conservador e punitivista, toma conta da narrativa durante este segmento.
Neste sentido, convém lembrar que o governo iraniano censurou os diretores, confiscando seus passaportes, proibindo-os de viajar a Berlim para apresentar o drama, e intimando os dois em justiça para prestarem conta de seu trabalho artístico. O amor de uma senhora independente, que se recusa a cobrir o cabelo e decide passar a noite com outro homem idoso, bebendo e conversando, incomoda os costumes tanto quanto as narrativas sobre pena de morte, exibidas no evento em anos anteriores. Em países conservadores como o deles (e, em medida diferente, no nosso também), a livre disposição de corpos enfrenta resistência. Quanto mais íntimas, mais públicas estas histórias se tornam.