Não Existe Almoço Grátis é um filme simplíssimo. Três mulheres decidem cozinhar refeições gratuitas para aproximadamente mil pessoas durante a posse do presidente Lula, na virada de 2022 para 2023, e o fazem. Não existe conflito real neste documentário plácido. Membros do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), Bizza dos Santos, Jurailde Ferreira e Socorro da Silva estão acostumadas a preparar almoços em tais proporções. Elas possuem os conhecimentos necessários, a cozinha equipada, os ingredientes em quantidade adequada. Apenas fazem as quentinhas necessárias e as entregam. Fim.
Diante de uma empreitada de tais proporções, teria sido comum transformar a narrativa numa observação de procedimentos. Como uma instituição como o MTST consegue o financiamento para oferecer refeições sem custo aos moradores da comunidade Sol Nascente? Quem são os homens que entram e saem da cozinha enquanto as protagonistas cozinham? A proposta de cozinhar numa escola é bem recebida pelas instituições por onde passam? As responsáveis sofreram algum tipo de represália de bolsonaristas após o resultado do pleito em prol do PT? Não sabemos.
Durante alguns minutos, o gás da nova cozinha não funciona. Mesmo assim, as mulheres não se inquietam. Em poucos cortes da montagem, tudo se resolveu. As refeições aparecem prontas, e as marmitas, embaladas. Não se sente esforço, dificuldade, muito menos a passagem do tempo — o cronômetro na tela soa inútil, posto que os dias se desenvolvem idênticos aos anteriores. Para um projeto tão focado no ato de preparar refeições, o processo em si ganha tempo limitado de tela. As personagens tampouco discorrem em profundidade acerca de suas opiniões políticas. Uma delas votou em Bolsonaro em 2018, mas depois de arrependeu. O debate ideológico se encerra por aí.
Os diretores propõem um filme de ação, no sentido estrito do termo. Limitam-se a observar aquilo que ocorre à sua frente, efetuando poucas investigações (tanto narrativas quanto estéticas) a partir deste tema.
Os diretores Marcos Nepomuceno e Pedro Charbel propõem um filme de ação, no sentido estrito do termo. Limitam-se a observar aquilo que ocorre à sua frente, efetuando poucas investigações (tanto narrativas quanto estéticas) a partir deste tema. Não conversam com nenhum viajante sequer da posse do Lula, privam-se de conhecer as dezenas de pessoas ao redor de Bizza, Jurailde e Socorro, que certamente também importam para o funcionamento de uma organização deste porte. Evitam psicologismos, sugestões, deduções. Possuem a transparência e a eficácia de um livro de receitas.
Este aspecto resulta nas principais virtudes e limitações da obra. Não Existe Almoço Grátis (o próprio título, de uma ironia evidente e direta) está muito ciente de suas ambições modestas, e jamais busca ser algo além de um momento de celebração. Cita Lula e Bolsonaro desde os primeiros minutos, porém desvia da armadilha de comparar ambos os governos, opondo a destruição da extrema-direita ao sinal de esperança do retorno da centro-esquerda. Os autores parecem felizes, assim como as cozinheiras e os viajantes. Portanto, restringem-se à comemoração, onde nenhum fator problemático ou questionável virá para manchar a festa. Neste filme, o final feliz está garantido. O começo e o meio, também.
Tamanha leveza arrasta para o tom de sorrisos e afagos até mesmo os problemas sérios por trás da narrativa. Bizza, Jurailde e Socorro lutam para conquistar sua casa própria. Enquanto isso, habitam moradias pequenas e improvisadas. Uma delas espera cinco anos para conseguir a habitação, mas outros ultrapassam os dez anos. A luta, representada metonimicamente pela celebração do arroz, feijão e frango em comunidade, se torna ato de mera persistência e paciência. Aguarde um pouco mais, e sua hora chegará. Ora, que revezes elas sofreram? De que maneira conseguiram os papéis necessários? Quais são as divergências internas no MTST, apenas citadas por alto pela mulher gentil? Como a organização enfrentou a gestão da extrema-direita?
O audiovisual se faz tão despojado que oferece inúmeras capturas com a objetiva manchada de pontos pretos, além do enquadramento indeciso, escolhendo naquele instante onde filmar, e de que maneira. Aparentemente, a direção de fotografia utiliza um pequeno estabilizador de imagem que lhe permite fazer planos longos e razoavelmente estáveis. De resto, explora-se a luz natural e as lâmpadas da cozinha. O refinamento do olhar e da composição nunca se transformam em prioridade aos criadores, para quem o conteúdo justifica (ou minimiza) as sujeiras que se encontram, literalmente, na lente.
Por fim, a proposta interessa mais enquanto forma de humanismo do que de discussão histórica e ideológica. Os autores desenvolvem uma intimidade valiosa com a trinca de protagonistas, que se abrem sem reservas ao dispositivo cinematográfico. Conversam como se fossem amigas num almoço de domingo, ostentando uma informalidade rara. Esta aproximação do real, sem tentar embelezá-lo ou dispô-lo da maneira mais apropriada ao cinema, resume o pensamento cinematográfico dos autores. Para eles, a câmera deve se adequar ao mundo, não o contrário.
Em contraposição, conhecemos pouco das circunstâncias da posse de Lula, do sentimento daqueles que se deslocaram durante centenas de quilômetros para vê-lo. Tornam-se meros corpos em movimento, figurantes de uma multidão indistinta. O que significa, depois de quatro anos de governo Bolsonaro e uma pandemia, o retorno de um governo trabalhista? Os cineastas deixam de analisar a importância sociológica, histórica ou mesmo simbólica deste evento. Fazem um filme sem tensão nem conflitos, porém repleto de afagos e “refeições quentinhas”, como avisa um personagem. Para os autores, isso basta.
