O Amor Mandou Mensagem (2023)

Toda paixão é ridícula

título original (ano)
Love Again (2023)
país
EUA
gênero
Romance, Drama
duração
104 minutos
direção
Jim Strouse
elenco
Priyanka Chopra Jonas, Sam Heughan, Celine Dion, Sofia Barclay, Russell Tovey, Lydia West, Steve Oram, Omid Djalili, Nick Jonas, Celia Imrie, Arinzé Kene, Harry Attwell, Daniel Barry, Amanda Blake
visto em
Cinemas

Céticos do mundo inteiro, este filme não é para vocês. O Amor Mandou Mensagem consiste numa produção profundamente crente no poder de se apaixonar, nos golpes do destino, na capacidade de se tornar uma pessoa melhor graças ao romance. O longa-metragem resgata a noção de que existe uma pessoa perfeita para cada um de nós, e com ela, não veremos o tempo passar. Escutaremos músicas românticas, diremos frases de efeito, produziremos o melhor trabalho da nossa vida. O amor é tudo, e tudo se conserta com o amor.

Trata-se de uma concepção exagerada e açucarada da vida, porém bastante ciente disso. O principal trunfo desta produção se encontra na escolha de sua Fada Madrinha, capaz de unir duas pessoas avessas a relacionamentos, e precisando se reconectar com o lado patético e afetivo de suas vidas. Céline Dion entra em cena encarnando a si mesma, uma diva de músicas doces e kitsch, sobre sentimentos eternos e relacionamentos profundos. Ela imediatamente oferece conselhos de namoro a um jornalista inseguro, e entrega lições valiosas a uma desenhista deprimida. 

O discreto caráter de autoparódia impede que esta obra modestíssima, em termos de visão de mundo e ambições estéticas, se leve a sério demais. A narrativa pode ser lida como uma variação de Cinderela, onde a garota maltratada pela vida recebe de um objeto-símbolo (um telefone celular, no caso) a possibilidade de ser a única pessoa capaz de oferecer afeto, e receber afeto de um homem bonito e disponível. Ao invés de procurar a dona do sapatinho de cristal, o príncipe parte em busca da dona de um número de telefone misterioso. A encontrada será, sem dúvida, a mulher de sua vida. Aqui, pelo menos, eles salvam-se mutuamente, ao invés de apenas a mulher ser resgatada pela atitude masculina. Ambos revelam-se igualmente frágeis.

Celine Dion é erguida ao papel de oráculo, sabendo brincar com a própria imagem de pessoa emotiva demais, romântica em excesso. Exageros são assumidos aqui.

No caso de Mira Ray (Priyanka Chopra Jonas), a dor reside na morte do namorado. A cena do atropelamento é encenada em teor tão novelesco, com os fundos desfocados, num bar sem ruídos ao redor, que se assemelha a um devaneio da artista. No entanto, dois anos depois, ela ainda se encontra destruída pelo término precoce do relacionamento. Já Rob Burns (Sam Heughan) se ressente de um casamento terminado de última hora, em circunstâncias jamais esclarecidas. É evidente que as atenções priorizam o caso da mulher em relação àquele do homem. Busca-se apelar ao público feminino, em detrimento do masculino, razão pela qual os traumas dele serão minimizados.

O diretor Jim Strouse adota uma estética do reconforto. Ele oferece imagens simples, sem qualquer ambiguidade ou provocação, repletas de cobertores felpudos, casacos aconchegantes, sofás acolhedores e bebidas quentes. O filme pretende funcionar como um cafuné de proteção e calor numa cidade fria. Aqui, as lanchonetes são gerenciadas por amigos (que batizam um hambúrguer em seu nome); a peça favorita está sempre passando no teatro ao lado; os chefes são compreensíveis e te deixam chegar e sair do trabalho quando bem entender. Os amigos interrompem seus afazeres para oferecer conselhos amorosos, embora ninguém se importe com a vida amorosa e os problemas deles.

Por isso, a comédia romântica transmite certa vaidade e egocentrismo, no sentido de se focar tanto no amor enquanto problema que se esquece, por completo, dos demais dilemas ao redor. Ninguém aqui possui contas para pagar, crianças para cuidar, familiares para ajudar. Mira é uma desenhista que jamais vemos desenhando; Rob é um jornalista que nunca vemos escrevendo. As criações de ambos surgem abruptamente, da noite para o dia, porque eles estão muito preocupados em resolver suas próprias histórias afetivas. Ela me ama? Ainda vai me amar se souber que tenho o telefone do namorado morto? Deveria contar? Ambos fazem apenas o que desejam, quando desejam. Parques, quadras de esporte e saguões de teatros estarão vazios para eles. O mundo se converte em sonho acessório de uma burguesia privilegiada.

A estrutura se desenvolve dentro da previsibilidade absoluta, condizente com a linguagem familiar. Posto que os protagonistas estão tristes, os coadjuvantes surgem como alívios cômicos, responsáveis por criar um teor agridoce. Sofia Barclay, Russell Tovey e Lydia West servem somente para dar uma réplica divertida, e propor estratégias para conquistar a mulher ou o homem amado. Nick Jonas, marido de Priyanka Chopra, faz uma ponta divertida no papel de um sujeito burro e vaidoso com quem a pobre heroína tem um encontro desastroso. O mundo ao redor serve para fazê-los rir, e impulsioná-los a se apaixonarem novamente.

Por isso, Céline Dion torna-se uma das personagens centrais, apesar de ocupar pouco tempo de tela. Ela representa no horizonte em torno do qual todas as ações convergem. A cantora, falando se seu próprio amor pelo falecido René, diverte-se no papel da diva um pouco grosseira, ainda que de grande coração e postura materna. Ela ensina que “o amor tem um plano para cada um de nós”, que vale a pena perdoar os erros alheios, pois a paixão sempre merece nosso investimento. A cantora-personagem é erguida ao papel de oráculo, sabendo brincar com a própria imagem de pessoa emotiva demais, romântica em excesso. Exageros são assumidos aqui.

O final será óbvio, pois Strouse encaminha as ações à inevitável reunião dos céticos-convertidos-em-apaixonados. Rob abandona a crença inicial de que “o amor não existe, é só um monte de feromônios que desaparecem”, enquanto Mira descobre a possibilidade de amar novamente, mesmo sem deixar de ter sentimentos profundos pelo falecido. Vence o amor, é claro, mas não um amor qualquer: aquele incondicional, escrito nas estrelas, com beijos no meio da rua, ao som de trilha romântica, sublinhado por câmera giratória e juras de companheirismo eterno. Um amor perfeito, utópico, no qual o filme gostaria muito de acreditar.

Logo, O Amor Mandou Mensagem coincide a suspensão da descrença (narrativa) com a suspensão do ceticismo (ideológico). Deixe de fazer perguntas, pare de querer entender, justificar, se proteger. Relacionamentos se traduzem numa questão de fé e abandono de si em prol do outro, numa forma de entrega quase religiosa a uma causa superior. Por isso, o caráter espiritual da narrativa (a conversa terapêutica com os mortos, que se materializam na reta final) serve para defender a aposta nos sentimentos, nas emoções, enquanto elementos determinantes. A sociedade, a lógica e a razão podem esperar. Pelo menos, a produção se revela bastante honesta quanto ao ponto de vista.

O Amor Mandou Mensagem (2023)
5
Nota 5/10

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