É possível dizer que O Chef gira em torno de um sujeito talentoso, porém decadente, cujos talentos na cozinha são desperdiçados em meio à crise amorosa, financeira e ao envolvimento com drogas. Outra leitura plausível diria que o longa-metragem propõe um olhar à rotina estressante, e às vezes desumana, das grandes cozinhas de restaurantes renomados, onde a pressão por desempenho leva os trabalhadores ao colapso.
No entanto, a leitura mais imediata diria que se trata de um filme em plano-sequência. Em outras palavras, 92 minutos em que a câmera se liga e não se desliga mais, até a conclusão. Portanto, a narrativa acompanha uma experiência em tempo real, traduzindo literalmente 92 minutos na vida de uma dúzia de personagens — o chefe, a sub-chefe, os assistentes, os lavadores de pratos, a gerente, os clientes, os críticos gastronômicos. A câmera nunca abandona o vai e vem de pessoas e pratos, da cozinha ao salão, das pias ao beco onde se joga fora o lixo.
Os poucos dramas que se aventuram pelo formato acabam elevando o plano-sequência à condição de protagonista. Difícil se concentrar em qualquer outro aspecto para além da intricada coreografia da câmera, perfeitamente ensaiada para alterar pontos de vista, capturar inúmeros dramas pessoais e percorrer corredores estreitos. Percebe-se o preparo afinadíssimo para desempenhar tamanho mergulho neste universo, sem uma interrupção sequer. Obviamente, qualquer erro de falas ou gestos exige improviso por parte dos atores, pois não existe a possibilidade de parar e começar de novo. O cinema se aproxima, neste sentido, da disposição teatral.
Um dos motivos mais comuns para a apreciação cinéfila do plano-sequência reside na impressão de dificuldade. A composição de planos fixos, ou da multiplicação de cenários pode ser igualmente complexa. No entanto, aos olhos de muitos apreciadores, o maior desafio consiste em não parar, como se o cinema buscasse superar sua condição de fotografias animadas para sugerir um fluxo contínuo de fato, incapaz de ser quebrado em partes. (Obviamente, este longa-metragem também poderia ser analisado frame a frame, mas passemos). Esta seria uma arte de riscos, de improvisos, na qual o operador de câmera se converte num personagem, de função semelhante àquela dos atores.
O plano-sequência apela a uma exterioridade acentuada das ações: é preciso que tudo seja convertido em gestos, gritos, catarse, para imprimir no balé de câmeras deslizantes.
Algumas vantagens e desvantagens decorrem desta escolha. Do lado das virtudes, encontra-se o profundo sentimento de imersão: posto que todos os personagens se encontram em cena, numa narrativa que jamais se interrompe, inexistem momentos de reflexão ou contemplação. O plano-sequência transforma O Chef em algo próximo do cinema de ação, ou pelo menos do suspense claustrofóbico, como havia ocorrido em Victoria (2015) e Ainda Orangotangos (2007), dois outros exemplos de linguagens semelhantes na direção.
A imagem ininterrupta apela a uma exterioridade acentuada das ações: é preciso que tudo seja convertido em gestos, gritos, catarse, para imprimir no balé de câmeras deslizantes. Consegue imaginar 90 minutos de um homem sentado na cadeira, lendo um livro? Ora, este estilo carece de urgência, dinamismo, movimentações extremas — algo que a organização da cozinha oferece com fartura. O diretor Philip Barantini compreende este ímpeto, nomeando seu projeto em relação ao ponto de fervura, algo semelhante à gradação de uma panela de pressão.
De fato, os problemas crescem rápida e exponencialmente. Desde a primeira cena, Andy (Stephen Graham) se confronta à inspeção da vigilância sanitária, retirando 1,5 estrelas do restaurante; então enfrenta problemas para falar com o filho pequeno; esconde a garrafa de álcool no escritório; briga com a gerente, e assim por diante. Clientes arrogantes e racistas, funcionários desatentos, críticos impiedosos, intoxicação alimentar e demais dilemas ocorrem em tempo recorde. Os criadores imaginam tudo o que poderia dar errado numa única noite, e encontram uma maneira de embutir todas as ideias deste brainstorming no enxuto roteiro.
Isso leva às desvantagens da iniciativa. No terço inicial, o drama soa como um esperto e complexo retrato social, envolvendo luta de classes e gêneros. Conforme a temperatura aumenta, a histeria começa a tomar conta da jornada, e alguns acontecimentos desafiam a noção de verossimilhança (a conduta dos influenciadores, a atitude do crítico, a permissividade com o funcionário negligente, o discurso da sub-chefe à gerente). No terço final, O Chef abraça o prazer da catástrofe generalizada, precisando se encerrar no ápice de uma tragédia de grandes proporções.
Barantini deseja ver o circo pegar fogo, importando-se pouco com aqueles feridos e prejudicados neste processo. Como não existe vida externa, nem a possibilidade de antes ou depois, o dispositivo aposta todas as cartas na impressão de um eterno presente: o drama vale pelo que consegue mostrar ali, na hora, ainda que despreze o aspecto humano, e deixe de se solidarizar com as peças do tabuleiro. Em última instância, pode-se falar num autor mais apaixonado pelas crises de seus personagens do que pelos personagens em si.
Isso não isenta o resultado de méritos, especialmente técnicos e de atuação. Stephen Graham é um ator habilidoso, navegando no limite entre o homem vitimizado e o possível agressor das pessoas ao redor. O roteiro encontra tempo para construir os dilemas íntimos de pelo menos dez figuras de maneira satisfatória. Vinette Robinson, Alice Feetham, Ray Panthaki e Gary Lamont, por exemplo, ganham seus momentos solo para brilhar, e não o desperdiçam. O elenco está equilibrado de maneira homogênea, apresentando uma aparência de descontração, apesar da rigidez da câmera sempre colada aos seus corpos.
Em contrapartida, certas limitações decorrem da escolha pelo plano-sequência. Com a câmera sempre ligada, é impossível modificar a iluminação: é preciso que todos os ambientes possuam uma luz definitiva, ainda que a imagem se foque na cozinha clara ou num canto escuro. Por isso, partes do escritório e do beco se tornam escuras ao limite do incompreensível — algo problemático nas cenas com o ator negro Daniel Larkai, que se perde na escuridão. Pelo mesmo motivo, a fotografia se mantém a certa distância dos atores, evitando os close-ups para ganhar em agilidade na hora de efetuar guinadas de um personagem ao outro. O primeiro close-up genuíno em Andy ocorre somente no terço final da trama. Antes disso, os planos de conjunto dominam a experiência.
Resta uma obra competente, cuidadosamente pensada e executada por uma equipe e um elenco em boa forma. Em contrapartida, O Chef sofre da síndrome dos planos-sequência, no sentido de encontrar dificuldade em justificar esta escolha para além do desafio pessoal de fazê-lo. Nestes casos, o prazer da linguagem supera o tema retratado, convertendo-se em real tema e objetivo do projeto. Há um tanto de vaidade nestes dispositivos destinados a chamar atenção às qualidades do diretor, acima de tudo.