O Convento (2023)

O manicômio

título original (ano)
Consecration (2023)
país
Reino Unido, EUA
gênero
Terror
duração
91 minutos
direção
Christopher Smith
elenco
Jena Malone, Danny Huston, Janet Suzman, Ian Pirie, Steffan Cennydd, Victoria Donovan, Thoren Ferguson, Eilidh Fisher, Alexandra Lewis, Victoria Donovan, Angela White
visto em
Cinemas

Imagine, a efeito de brincadeira, que alguns recursos fossem banidos do cinema de terror. Estariam proibidos: lâmpadas se apagando por motivo nenhum, deixando o protagonista na escuridão; vultos assustadores no fundo do corredor, ou passando rapidamente por algum reflexo; efeitos sonoros altíssimos para provocar susto em meio ao silêncio; a descoberta de um caderno ou diário com mensagens demoníacas codificadas; névoa espessa fora da casa/igreja/castelo central. 

Os bons diretores e produtores não teriam dificuldade de encontrar outras maneiras de representar o medo e construir ambientação. Os maus diretores provavelmente parariam de filmar. E um filme como O Convento jamais existiria. Isso porque Christopher Smith utiliza sete cenas de vultos atrás da protagonista; luz elétrica e velas se apagando subitamente; telefones tocando num volume capaz de acordar o edifício inteiro. Talvez você ainda não tenha assistido a este filme, mas certamente já conhece todas as suas imagens internas, que habitam um imaginário coletivo amplo de filmes de possessão, com padres e freiras malignos.

No caso, uma protagonista cética e ligada às ciências (sempre uma mulher descrente, para ser provada errada ao longo da trama) recebe a notícia da morte do irmão, um padre que teria cometido suicídio ao se jogar de um precipício. A polícia não se interessa sinceramente ao caso, e jamais demonstra real esforço em investigá-lo. Em consequência, Grace (Jena Malone) precisa compreender que aconteceu por conta própria, convivendo com freiras e madres superioras de evidente ar demoníaco (olhando com expressão de ameaça, sussurrando pelos cantos, sequestrando-a e mantendo-a dentro do convento). 

Sem saber como trazer as inúmeras revelações prometidas, Smith simplesmente as entrega ao espectador a certa altura da experiência, seja em visões de Grace, seja através de flashbacks explicativos.

O cineasta cria um “ambiente de terror”, muito antes de qualquer concretização do horror em si. Cômodos inexplicavelmente escuros, pessoas com feições malignas, uma onda de suicídios que não causa espanto e outros elementos nos avisam que as coisas terminarão mal, embora os efeitos reais de tantas promessas ocorram apenas no terço final. O corpo do irmão tem seus vestígios limpos; o diário em linguagem secreta não soa importante aos investigadores. Subitamente, fala-se numa relíquia. Sabe-se lá de onde viria, ou que efeito teria.

O projeto demonstra uma dificuldade ímpar de lidar com a apresentação de informações, e com a disposição das mesmas no tempo e no espaço. Grace mergulha no caso, contando com a ajuda das próprias freiras nas quais desconfia. Abruptamente, acorda no hospital, sem saber como chegou ali. Depois, acorda numa cela do convento, igualmente perdida. Há uma gigantesca capela em frente à construção, que uma das freiras considera como seu “espaço secreto”. Mesmo mantida contra a sua vontade pela religiosa, a heroína tem a capacidade de perambular livremente pelo espaço e mexer nos documentos que lhe convêm.

Poucos conflitos, reviravoltas ou personagens possuem o mínimo nexo neste filme. Sem saber como trazer as inúmeras revelações prometidas, Smith simplesmente as entrega ao espectador a certa altura da experiência, seja em visões de Grace, seja através de flashbacks explicativos. Neste momento, descobrimos uma infância repleta de fanatismo religioso, abuso físico e psicológico. O pai passa a representar o mal encarnado. Surgem torturas, culpa pelo destino da mãe… Durante parte considerável da trama, esquece-se a morte do padre Miguel para se focar na história paralela de um passado reprimido. A montagem não tem uma tarefa fácil na tentativa de concatenar o roteiro tão desconexo.

Para complicar a situação, O Convento se estima inteligente o bastante para aplicar uma virada shyamalaniana, revelando no final uma verdade capaz de alterar tudo o que tínhamos visto até então. Somos convidados a reler determinadas cenas em outro contexto, o que certamente ata um sem-número de pontas soltas, mas apenas aprofunda a cota de absurdos e improbabilidades. O cineasta demonstra maior prazer em criar personagens possivelmente assassinos do que minimamente dignos de crença. Por isso, não existe mundo ao redor do convento — Grace passa o resto da experiência junto às possíveis assassinas do irmão, esperando que algo lhe aconteça. 

Este dispositivo da espera pelo mal poderia portar bons frutos caso os criadores investissem em imagens cuidadosas, ambíguas, sugestivas. Ora, o projeto se desenvolve no piloto automático, alternando falas protocolares (“Enquanto estamos conversando, uma batalha está sendo travada ente Deus e Satanás; a luz e as trevas”) e recursos padronizados de enquadramento, luz, profundidade de campo. As freiras são descritas como o grupo religioso mais radical da região, mas, na prática, apenas vemos um grupo de mulheres comendo e andando de um lado para o outro. Nem mesmo em um suspense contando com investigador, morto e assassinos em cena, Smith consegue ocupar meia dúzia de figuras no tempo e no espaço. Os corpos se deslocam sem objetivo nem intenções, sem ações nem conflitos.

Os efeitos visuais tampouco ajudam. O filme aposta alto na cena de pessoas se jogando do abismo, enquanto chave para o choque do espectador e para a crença na periculosidade desta pretensa seita. Ora, quando de fato acontecem, estes momentos possuem tamanha artificialidade na queda que se aproximam do humor involuntário. O diretor e sua equipe teriam ficado satisfeitos com os corpos caindo com o naturalismo de um jogo antigo de videogame? Adiante, parte da surpresa final depende do uso ostensivo de efeitos, mais uma vez, péssimos pela falta de fluidez e pelo aspecto robótico dos gestos. A maquiagem para o sangue e para os ferimentos de faca e outros punhais atravessando corpos também transparece o nível geral de um Filme B.

Ao final, os elementos necessários para um horror de respeito estão presentes. Conspirações secretas, presenças demoníacas, seitas perigosas, segredos no passado. No entanto, estes elementos são jogados sem causa nem consequência, sem preparação nem justificativa. Os personagens agem de modo aleatório, incompreensível, porque sim. Jena Malone se esforça em transmitir uma descrença inicial, e então a crença progressiva; enquanto Janet Suzman representa uma autoridade segura e nociva. Todos se levam muito a sério, como se não percebessem as falhas conceituais e descaso com a lógica que condenavam o resultado desde o princípio. 

O Convento se encerra como um grande devaneio, espécie de pesadelo de 90 minutos de duração, do qual Grace poderia subitamente acordar na cena final. O roteiro possui esta liberdade arbitrária dos sonhos, fruto de uma estrutura interna onde parecem faltar partes, ou justificativas, quando se recorda deles no dia seguinte. Smith se esquece que o temor do espectador será mais forte quanto mais se identificar com uma personagem coerente, com perigos concretos, com acontecimentos justificáveis. Sem estes elementos, resta uma embalagem sinistra e ameaçadora, porém destituída de um sistema de produção de sentido onde estas pulsões possam se instalar e desenvolver.

O Convento (2023)
3
Nota 3/10

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