Leonard Fife (Richard Gere) está morrendo em decorrência de um câncer. Apesar da confusão mental causada pelos remédios, e da profunda debilidade física, ele decide recontar sua vida para o documentário de dois cineastas premiados (Michel Imperioli e Victoria Hill). Insiste em ter a presença da esposa Emma (Uma Thurman), a quem pretende revelar segredos nunca contados. Ligam-se às câmeras, e o herói começa a recordar cada passo da juventude, o exílio no Canadá durante a guerra do Vietnã, os diversos amores e abandonos de esposas e filhos.
A premissa de Oh Canadá interessa por assumir o tom confessional e, sobretudo, por refletir acerca das diferenças políticas entre Estados Unidos e Canadá, à luz do desentendimento contemporâneo provocado por Donald Trump. O elenco chama atenção, assim como o dispositivo metalinguístico — Fife se tornou um documentarista famoso, e deseja controlar o próprio documentário no qual constitui o protagonista. O cinema refletiria, portanto, acerca da ética em retratar a vulnerabilidade em frente às câmeras: seria moralmente defensável expor os delírios de um sujeito confuso, à beira da morte, em nome da arte e da “verdade”? Onde se estabeleceria um limite para a exploração, ainda que com consentimento do entrevistado?
Oh, Canadá sofre com inúmeros problemas de tom, objetivo e coesão estética. Assemelha-se à primeira versão de uma ideia que precisaria ser extensamente discutida e amadurecida antes de passar às filmagens.
Infelizmente, nenhum dos vários conflitos se desenvolve a contento — alguns não se desenvolvem de modo nenhum. Os personagens secundários afirmam que Fife foi um excelente documentarista, porém, jamais descobrirmos suas obras, ou testemunhamos o indício de tamanha genialidade. O herói é descrito enquanto figura política combativa, assertiva, de impacto fundamental na recusa de integrar a guerra. Entretanto, nunca descobrimos as bases de sua ideologia, a manifestação da mesma no dia a dia, e muito menos as reflexões levando à deserção. Não fossem as falas de terceiros, nem mesmo perceberíamos que a política desempenhou um papel fundamental em sua trajetória.
As relações seguem sem peso, sem contextualização, sem causa nem consequência. A “conversão” de Fife, de pequeno empresário a fotógrafo e cineasta ocorre por milagre. Os encontros e separações com as namoradas, também. O próprio Canadá apresenta significado nulo para o homem enquanto nação estrangeira, ou refúgio de uma sociedade belicista — isso porque a sociedade ao redor inexiste. Ele repete a necessidade de oferecer revelações sigilosas e surpreendentes à esposa, em contrapartida, nenhuma das suas falas apresenta conteúdo digno de espanto. Por isso, quando Emma reage, às lágrimas, implorando que os cineastas interrompam a gravação, pode-se questionar o motivo para a explosão de sentimentos.
O longa-metragem sofre com inúmeros problemas de tom, objetivo e coesão estética. Soa como um projeto conflituoso, reescrito diversas vezes, alterado por sucessivos chefes de equipe, pouco esclarecido aos atores, não-filmado em sua integralidade, e salvo como possível pela montagem, que se esforça em ocultar as inconsistências pela proliferação de flashbacks. Estas são apenas impressões, é claro. No entanto, ressente-se a presença de um produtor centralizador, capaz de apontar os excessos e as lacunas, assim como indicar inúmeras sequências fracas, ou esvaziadas de propósito.
Falta uma condução responsável por indicar o fato que cada profissional aparenta trabalhar num filme diferente. A trilha sonora do Phosphorecent propõe um drama indie, saudoso e nostálgico; os atores acreditam se encontrar num melodrama gravíssimo com pretensões ao Oscar; a fotografia se dedica a uma obra prepotente, alternando diversas vezes entre preto e branco e colorido, entre diferentes janelas; e a montagem fragmenta as incontáveis idas e vindas no tempo de modo a converter a confissão de Leonard num diário folheado em ordem aleatória. A confusão mental do protagonista tenta justificar a inconsistência de recursos e escolhas: se o personagem está perdido, o filme também está. No entanto, a autoconsciência do caos não torna o resultado menos caótico.
Os diálogos, provavelmente extraídos do livro original de Russell Banks, trazem uma pseudo seriedade próxima da paródia involuntária. “Esta é minha oração final. E não se mente quando se reza”, afirma o entrevistado. Adiante, ele menciona “a data do primeiro desabrochar da flor venenosa”. A assistente das filmagens, figura exclusivamente sexualizada e objetificada (tanto por Leonard quanto pelo diretor Paul Schrader) é descrita como alguém que “cheira a desejo”. Depois, o homem relembra suas conquistas: “Amy, Amanda, Alicia… tantos As!”. Surpreende que estas frases pobres sejam entoadas na condição de reflexões profundas.
A narração alterna entre o filho de Leonard, discursando a partir de algum instante no futuro, e o próprio Leonard. No passado, o protagonista é interpretado por Jacob Elordi, exceto por momentos em que Richard Gere invade os próprios flashbacks para interagir com a jovem atriz que interpreta sua esposa. Aparentemente, não há critérios claros para a alternância entre os atores. A alternância entre o preto e branco e o colorido soa tão fortuita quanto a escolha de Uma Thurman e Michael Imperioli (ela, com 55 anos, e ele, com 59 anos) para as versões jovens de si mesmos, na casa dos 20 anos, com perucas caricatas. Se o personagem central ganha dois atores, por que os demais se prestariam a esta caracterização desleixada? Elordi, no papel de um garoto de 18 anos, tampouco convence.
Ao final, o roteiro ainda introduz um conflito gravíssimo que não terá tempo, nem vontade de desenvolver. A câmera de segurança, colocada sem consentimento no quarto do moribundo, fornece captações de um ângulo que obviamente não correspondia ao local onde foi posicionada. Oh, Canadá soa como um projeto de pouca elaboração intelectual, política e estética. Assemelha-se à primeira versão de uma ideia que precisaria ser extensamente discutida e amadurecida antes de passar às filmagens. Schrader consolida sua fase irregular, alternando-se entre obras excelentes (Fé Corrompida) e outras dignas de um diretor de primeira viagem. Termina por apresentar uma obra fraquíssima enquanto retrato histórico e sentimental.