Os Paraísos de Diane (2024)

Eu não sou mãe

título original (ano)
Les Paradis de Diane (2024)
país
Suíça
gênero
Drama
duração
97 minutos
direção
Carmen Jaquier, Jan Gassmann
elenco
Dorothée de Koon, Aurore Clément, Roland Bonjour, Omar Ayuso, Duncan Airlie James, Stéphanie Lagarde
visto em
13º Olhar de Cinema — Festival Internacional de Curitiba

Diane (Dorothée de Koon) acaba de dar à luz. Entretanto, num momento posterior, afirma: “Eu não sou mãe”, para o choque o marido. Como assim, não seria mãe? Estava ali na sua frente, deitado no berço e aos prantos, a prova desta maternidade. Mas a personagem não se sente assim. Não possui nenhum carinho em relação ao bebê, nem decide cuidar dele. Ainda no hospital, abandona a criança e foge. Pega o primeiro ônibus, para qualquer lugar, rumo a um destino irrefletido. Ela precisa sair dali, escapar à função que acabam de lhe impor.

Os Paraísos de Diane lida de maneira muito madura e complexa com a maternidade indesejada. Os diretores Carmen Jaquier e Jan Gassmann evitam patologizar a questão, ou se apiedar sobre o estado mental desta mulher. Ela não está louca, psicótica, precisando ser acalmada pelo marido racional e ponderado (como em tantos retratos de mulheres hormonais e histéricas ao longo da história do cinema). Sua decisão é abrupta, mas não desesperada. A heroína possui um semblante firme, decidido em todas as cenas. Se algo lhe toma os sentidos, é uma súbita lucidez, ao invés da insanidade: eu não sou mãe. 

Neste sentido, a atuação da protagonista se mostra determinante para a crença do espectador e para atestar o respeito dos cineastas por uma personagem de decisões tão amorais. Dorothée de Koon ainda não é conhecida pelo circuito de festivais pelo fato de ser música de formação, entregando-se com uma naturalidade ímpar às artes dramáticas. Ela conserva certo mistério no rosto de Diane, como se, ao invés de tentar esclarecê-la, quisesse respeitar suas ambiguidades. Importa à atriz e aos diretores unicamente o fato visível, exterior: a recusa da maternidade. As motivações podem permanecer íntimas.

A decisão de Diane em abandonar seu bebê é abrupta, mas não desesperada. A heroína possui um semblante firme, decidido. Se algo lhe toma os sentidos, é uma súbita lucidez, ao invés da insanidade: eu não sou mãe. 

É igualmente fundamental revelar que a heroína provém de uma classe social confortável, e contaria com uma rede de apoio considerável na criação do bebê. O marido está felicíssimo pela chegada da filha, e os pais de Diane oferecem suporte. Foge-se ao miserabilismo da entrega de uma criança por falta de opções. Trata-se, claramente, de uma escolha, mais ou menos consciente e refletida. O longa-metragem acompanha, então, esta mulher por onde for, fazendo o que bem desejar.

Em seu silêncio, a figura conserva um misto de segredo e paranoia. Ela corre pelas ruas, temendo estar sendo procurada pela polícia — mas existe de fato alguém no seu encalço? Diane jamais demonstra culpa pelos atos, apesar de se mover como alguém que, nas palavras de Rose (Aurore Clément), parece ter acabado de matar alguém. Curiosamente, a expressão de quem tira a vida e dá a vida pode ser idêntica. 

O roteiro começa a inserir, aqui e ali, pequenos símbolos de uma ludicidade absurda, surrealista, capaz de materializar na paisagem um psiquismo tão complexo. Um balão vermelho, tipicamente infantil, invade a janela do 30º andar. Como chegou ali? Uma máscara sorridente de si mesma se encontra jogada pelas ruas da cidade, durante uma festa popular. Assim, ela pode vestir, literalmente, a máscara que o resto da sociedade insiste em lhe colocar. A stripper de um bar efetua uma performance libertadora, onde os movimentos do corpo nu dizem respeito unicamente à artista.

Jaquier e Gassman encontram uma estética igualmente impressionista para a viagem de Diane ao interior de si mesma. Por um lado, adotam a linguagem do “filme de personagens”, seguindo-a por todas as ruas e corredores, câmera na mão, rosto ocupando o centro do enquadramento, com a profundidade de campo frequentemente reduzida. Por outro lado, imaginam luzes que invadem as janelas onde a mulher se encontra, provenientes de lojas e outros pontos externos, iluminando e escurecendo a heroína ao mesmo tempo, devido ao contraluz. 

Este encontro de tons produz seu ápice na excelente cena da masturbação de um anônimo. O homem embriagado deseja controlar os gestos de Diane, que se recusa a seguir ordens. Diante do prazer entregue do sujeito, ela confessa pela primeira vez seu abandono. “Eu sou um monstro?”, pergunta, de maneira desafiante, ao homem confuso, próximo do orgasmo. Uma luz dourada esclarece uma parcela específica do rosto. O segmento se torna tão erótico quanto grotesco, tão objetificante quanto libertador. Muitas cenas abraçam igual confluência de tons.

Uma simbologia ajuda a compreender esta exposição de medos íntimos em lugares públicos. A amiga Rose, que se identifica com Diane numa chave feminina e cúmplice (ambas possuem questões ligadas à maternidade), declara que, se a protagonista fosse uma paisagem, seria uma ilha selvagem. Em outras palavras, uma geografia inabitável, distante, incompreendida, porém à vista de todos. Esta ilha de pedra, em forma de baleia, retorna inúmeras vezes à trama, talvez, de modo excessivo. No entanto, ilustra a incompreensão diante do vazio que nos encara.

É uma pena que Os Paraísos de Diane se comprometa tanto nos vinte minutos finais. De repente, a narrativa efetua diversos saltos no tempo, tentando resolver dilemas de cada personagem — aqueles de Diane, é claro, mas também de Rose, da filha desta, Mona, e do marido Martin. Os criadores se veem na obrigação de explicar e justificar tudo aquilo que era, de maneira bastante satisfatória, mantido às sombras. Até então, confiava-se na capacidade do espectador em projetar seus medos e ansiedades na anti-heroína enigmática. 

No final, em contrapartida, efetua-se uma concessão ao cinema popular, à necessidade do final feliz, ou, pelo menos, devidamente mastigado ao público. Os cineastas parecem estimar que suas metáforas eram vagas demais, chegando o momento de, enfim, revelarem as suas intenções. O resultado perde muito de sua força devido à montagem acelerada, às conclusões improváveis (sobretudo envolvendo Mona) e à necessidade de condicionar os rumos da protagonista à relação com o marido. O movimento soa contraproducente, contraditório com o discurso elaborado nos 85 minutos anteriores. Sorte que havia méritos de folga, acumulados até então, para garantir uma experiência ainda satisfatória no geral. 

Os Paraísos de Diane (2024)
7
Nota 7/10

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