Antes de nos apresentar aos personagens humanos, Alexander Payne prioriza outro personagem fundamental à trama — no caso, a escola de elite onde se passa a maior parte da trama. A belíssima sequência inicial transmite forte senso de ambientação, apresentando um riacho sob a forte neve de fevereiro, em tom azulado, e também melancólico, graças à granulação (digital) e à delicada trilha sonora indie folk.
Talvez esta seja a melhor maneira de nos introduzir ao universo de Os Rejeitados: pelo prisma de um naturalismo discretamente deslocado do real, próximo do fabular. O cineasta leva a sério este contexto excepcional — as férias de fim de ano, quando quase todos deixam o internato, com exceção de um aluno, um professor e uma cozinheira.
No entanto, ele percebe que o caráter único da situação justifica algumas liberdades da ordem do realismo fantástico, ou mesmo do teatro do absurdo. Quantos educadores passam o Natal isolados com um aluno-problema, e quantos estudantes se veem presos numa ceia junto ao professor mais antipático? Estamos no terreno agridoce da ordem do “isso raramente acontece, porém, seria plausível dentro de algumas circunstâncias muito especiais”.
O diretor faz prova de um domínio bastante orgânico na transição entre gêneros e tons (sobretudo a comédia e o drama). Ao contrário de tantas produções que se esforçam excessivamente para agradar, fazer rir ou introduzir alguma reviravolta nos instantes certos, esta obra soa despreocupada com a reação do público — o que talvez constitua um dos melhores elogios possíveis a um filme da indústria, visando a temporada de premiações.
Os Rejeitados demonstra uma maturidade de roteiro, construção de personagens e diálogos que diversos diretores e roteiristas nunca alcançam.
A narrativa que supera duas horas de duração oferece pouquíssimos pontos de virada ou transformações de personagem dignas deste nome. Payne dedica-se a plantar pequenas sementes de aproximação entre Paul Hunham (Paul Giamatti), um professor detestável; Angus (Dominic Sessa), o aluno brilhante, porém arrogante; e a tímida cozinheira Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph).
Sim, os três aprendem a se respeitar e descobrem qualidades um no outro que jamais suspeitariam a princípio — existe um forte componente de previsibilidade neste percurso. Em contrapartida, esta conciliação não se apressa, nem se força como um passe de mágica, como fariam tantas produções, apenas para sustentar o otimismo no final. As cenas são cuidadosamente pensadas para acrescentarem um tijolo a mais rumo à construção conjunta, somando-se às coincidências e imprevistos, de modo que as máscaras da compostura social caiam e revelem os indivíduos por trás das funções escolares (o professor, a cozinheira, o aluno).
Logo, o sujeito psicorrígido que dedica a vida inteira à escola Barton (embora demonstre profundo desprezo pelos alunos) revela um respeito inesperado aos sofredores. Ele carrega em si as feridas da guerra do Vietnã, que nunca viu de perto, e se compadece com o luto de um garoto que não conheceu de fato. Há empatia por trás de uma profunda camada de ressentimento e amargura.
Angus ofende e agride enquanto técnica de defesa, para esconder a todo custo uma fragilidade que será discretamente revelada em momento oportuno. Mary sustenta um cansaço no olhar digno da mãe que já chorou muito, e não aguenta chorar mais, nem conversar a respeito da perda do filho na guerra. Rumo ao desfecho, entretanto, todo o conteúdo reprimido se extravasa, com o devido respeito da direção (ela será filmada de costas, à distância).
Os Rejeitados constitui um clássico filme de personagens, no melhor e pior sentidos do termo. Ele se limita a acompanhar o dia a dia de sua trinca central, favorecendo os dois homens à mulher (ela será descartada quanto a narrativa preferir o laço de pai e filho simbólicos). No entanto, demonstra uma maturidade de roteiro, construção de personagens e diálogos que diversos diretores e roteiristas nunca alcançam. Valoriza uma atmosfera marcante enquanto se recusa a chamar atenção excessiva às habilidades do diretor.
Além disso, conta com três atores em estado de encantamento, graças a registros tão distintos quanto precisos de suas composições. Dominic Sessa transmite força e vitalidade impressionantes para um novato; enquanto a excelente Da’Vine Joy Randolph sustenta no olhar estoico uma infinidade de estímulos (ela une raiva e senso de maternidade; desprezo pelos alunos ricos e capacidade de se solidarizar com eles).
Paul Giamatti constitui um caso à parte: o ator recebe o papel mais desafiador, pois abertamente cômico, com traços físicos marcantes (o estrabismo, a hemorroida) e traços de personalidade fortes (o esnobismo, o olhar de superioridade, a fadiga de se sentir incompreendido). Ora, é evidente o respeito e o carinho do ator em relação a este anti-herói tão difícil de defender. O ator e o cineasta se recusam a ridicularizar Hunham. O sujeito anda na linha tênue que o transformaria num palhaço triste, porém os criadores o seguram na linha aceitável do realismo de exceção (o “raro, porém plausível” uma vez mais).
Talvez este universo soasse excessivamente egocentrado caso o roteirista David Hemingson não dedicasse tanto tempo a contextualizar politicamente o sentimento de fracasso capaz de aproximar os três protagonistas. A história se situa na virada dos anos de 1970 e 1971, quando os Estados Unidos se ressentem da derrota no Vietnã e da crise financeira assolando o país. A elite representada pelos pais dos alunos e, por extensão, pelos próprios garotos, se torna ainda mais detestável aos modestos funcionários de Barton.
Payne explora de maneira clara, porém nada caricatural, a crença dos alunos endinheirados no direito adquirido ao luxo (“Nada define melhor a alta burguesia do que a certeza de que ocupa este lugar por merecimento”, afirmavam Michel Pinçon e Monique Pinçon-Charlot). Por um lado, Paul e Mary se apiedam deles por serem crianças, ainda incapazes de compreenderem por completo o mundo adulto. Por outro lado, despreza-nos por representarem um privilégio de que nunca usufruíram.
Os professores, por sua vez, traduzem aos jovens a estranha impressão de que o conhecimento não compensa — quem sonharia em adquirir toda a cultura de Hunham sobre a História, apenas para se tornar um adulto solitário, desprezível, preso à escola durante o Natal? O fato de devorar livros de Ovídio e Homero não parece ter lhe feito bem. Já as tensões raciais são discretamente trabalhadas pela presença da cozinheira negra e do faxineiro negro, em oposição à integralidade de alunos brancos.
Assim, a comédia dramática transporta ao interior de uma carcaça vazia e fria (a escola real em Fairhaven, Massachusetts) alguns dos dilemas que atravessavam os Estados Unidos da época. Gênero, raça, classe social e gerações distintas se confrontam delicadamente, por meio de uma única trinca de personagens exaustos, abandonados — bela ideia de que os “holdovers” sejam tanto os adultos quanto os adolescentes. Trata-se de uma visão pouco condescendente com o país belicoso, embora tampouco seja incisiva em sua crítica social.
Faltaria à produção somente um senso de risco ou ousadia. Apesar de seguras e muito bem dirigidas, as cenas ainda resultam acadêmicas, apostando em planos de conjunto durante deslocamentos, planos e contraplanos durante as falas, e um único plano extremamente próximo para cada um dos três protagonistas, em momentos-chave da trama. É difícil destacar alguma passagem marcante, uma invenção no uso de câmera, dos espaços, do tempo, da trilha sonora.
Digamos que Payne contenta-se com um arroz com feijão de excelente qualidade, digno de um grande cozinheiro. Surpreende que David Hemingson ofereça um roteiro deste nível, apesar da limitada experiência profissional. Juntos, somando-se à fotografia segura de Eigil Bryld e à edição precisa de Kevin Tent, constroem um projeto coeso, profissional, num meio-termo raro entre a obra comercial e o projeto concebido para o universo dos festivais.
Justamente por não se lançar fervorosamente em nenhum dos dois polos, abre a possibilidade de se comunicar com ambos, ou talvez com nenhum deles. A ponte estreita unindo cinema popular e cinema “de arte” ainda se mostra um espaço dificílimo de transitar.