Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante (2022)

A fatalidade gay

título original (ano)
Aristotle and Dante Discover the Secrets of the Universe (2022)
país
EUA
gênero
Comédia, Drama, Romance
duração
98 minutos
direção
Aitch Alberto
elenco
Max Pelayo, Reese Gonzales, Eugenio Derbez, Eva Longoria, Veronica Falcón, Kevin Alejandro
visto em
Cinemas

Em primeiro lugar, convém questionar a estratégia de lançamento deste filme no Brasil. Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante é um romance LGBTQIA+, a respeito de dois garotos que se descobrem gays conforme experimentam o amor um pelo outro. No entanto, a distribuidora brasileira faz o possível para ocultar a homossexualidade. Dispondo de um cartaz em que os garotos estão juntos, prefere uma arte alternativa na qual ambos se sentam lado a lado, sem demonstrar qualquer afeto um pelo outro.

Entre as imagens disponibilizadas à imprensa, ocultam uma das fotografias principais, quando os dois garotos se encostam discretamente (em destaque acima). Na sinopse oficial, declaram que ambos travam uma “amizade especial, daquelas que duram uma vida inteira”. De que adianta oferecer ao público brasileiro um romance entre dois homens, se os detentores dos direitos possuem evidente vergonha de salientar este fator fundamental? A importância de filmes do gênero se justifica face esta constatação: vivemos em um país onde os próprios distribuidores tratam a homoafetividade como algo a esconder.

Dito isto, convém salientar que a representatividade deste projeto é limitadíssima. O diretor Aitch Alberto vende uma fábula de redenção através do amor romântico, como se fazia quarenta ou cinquenta anos atrás no cinema hollywoodiano. Ao invés de pregar a autodescoberta, o empoderamento e o orgulho gay em si, acredita que o motivo de felicidade dos dois garotos de origem hispânica dependa do carinho alheio. Unem suas solidões, ou ainda somam suas inadequações, ao invés de se configurarem autônomos.

Resta em Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante um olhar paternalista, tristonho, e um tanto conformista em relação às violências sistêmicas contra indivíduos LGBTQIA+. Há pessoas truculentas no mundo, fazer o quê?

O amor é tratado enquanto inevitabilidade e previsibilidade. Aristóteles Mendoza (Max Pelayo) conhece Dante Quintana (Reese Gonzales) desde as cenas iniciais, quando se ajudam na piscina pública: “Eu posso te ensinar a nadar”. Alguns minutos depois, já caminham juntos e admiram o céu, lado a lado. “Tão livres!”, dispara Dante, a respeito dos passarinhos. As demais sequências sustentam promessas de união eterna, e instantes em que o protagonista, Aristóteles, ganha a oportunidade de salvar o menino mais frágil e se converter em herói viril ao bater em homofóbicos.

“O que eu sou? Talvez manter as coisas dentro de mim seja a melhor coisa a fazer”, cogita o herói. “Às vezes tenho estes sentimentos dentro de mim, e não sei o que fazer com eles”. Como se percebe, os diálogos revelam-se acessórios, além de bastante explícitos. O texto possui uma mão pesada na expressão de emoções, sempre externalizadas e explicadas para a melhor compreensão do espectador. Os Segredos do Universo representa um drama voltado sobretudo ao público heterossexual e cisgênero, a quem se introduz a temática de amores gays como abordaria um tema estranho pela primeira vez. Substitua “homossexualidade” por “física quântica”, por exemplo.

A estética acompanha tais facilidades. A aproximação entre os meninos está cercada por flores, reflexos, cenas ao pôr do sol, chuvas redentoras e providenciais. Um acidente de carro ocorre quando o garoto mais sensível insiste em salvar um passarinho ferido, e não percebe o veículo barulhento vindo em sua direção, por estar absorto demais com a beleza do animal. Adota-se um tom novelesco, no qual o preconceito provém do mau-caráter (pessoas boas são tolerantes; pessoas malvadas maltratam gays) ao invés de um problema estrutural e social. Em outras palavras, o discurso denuncia os homofóbicos, não a homofobia.

Logo, as soluções decorreriam unicamente do esforço individual: seja uma pessoa mais amável, e o mundo se tornará um lugar melhor. Simples assim. Caso as angústias de ambos ainda não estejam claras, Aristóteles explica o funcionamento de sua família e suas próprias dúvidas em voz off, como se tornou uma quase obrigatoriedade em narrativas teen desde o surgimento da Netflix. Não espere ambiguidades, metáforas, personagens marcados por contradições. Os meninos gays se tornam vítimas de sua sexualidade, sofrendo esta identidade como quem enfrenta uma doença incurável.

Até por isso, o roteiro multiplica menções a familiares gays e lésbicas rejeitados pela comunidade. O destino deles, é claro, se torna a solidão e a morte. Está vendo como já melhoramos, em 2023, enquanto sociedade? Dante “apenas” apanha graças à sua orientação sexual, entretanto, possui pais compreensivos. Alberto calibra os pais de ambos para sustentarem o pesar em cada fala, como se dissessem “Eu te tolero, porque afinal, o que mais poderia fazer?”. O comediante Eugenio Derbez apaga qualquer vitalidade em sua atuação, enquanto Eva Longoria se atém a uma gravidade pesarosa. 

“Silêncio: gays à vista”, sugere o diretor em sua abordagem soturna, sugerindo que o tema da homossexualidade mereça nossa compaixão e piedade. No papel principal, Max Pelayo constrói um sujeito apático, cuja única forma de autoimposição decorre da força (extraída sabe-se lá de onde) para bater em sujeitos mais fortes do que ele. O adolescente possui pouco desenvolvimento, além de expressividade limitada. Cabe ao menino delicado a expressão de uma doçura associada ao universo feminino. 

Ao final, resta em Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante um olhar paternalista, tristonho, e um tanto conformista em relação às violências sistêmicas. Há pessoas truculentas no mundo, fazer o quê? Podemos apenas unir nossas fragilidades e torcer por uma transformação futura, baseada no amor e na solidariedade. Os autores e os distribuidores brasileiros acreditam oferecer um novo passo na representatividade LGBTQIA+ no cinema. No entanto, revelam somente a limitação de sua abordagem acanhada, que ainda enxerga indivíduos gays enquanto o outro, o diferente, o pobre coitado, ao invés de permitir que o mundo seja visto por sua perspectiva.

Os Segredos do Universo por Aristóteles e Dante (2022)
4
Nota 4/10

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