Pacto da Viola (2024)

O sertanejo e o diabo

título original (ano)
Pacto da Viola (2024)
país
Brasil
gênero
Drama
duração
99 minutos
direção
Guilherme Bacalhao
elenco
Wellington Abreu, Sérgio Vianna, Gabriela Correa, Márcia Costa, Marcio Rodrigues, Sérgio Sartório, Abaetê Queiroz, Léo Gomes e Lucy Aguiar
visto em
57º Festival de Brasília (2024)

A morte ronda este drama brasiliense. Alex (Wellington Abreu) volta às terras de sua origem quando descobre que o pai está doente. O próprio herói trabalha num abatedouro, além de se confrontar a rituais envolvendo o sacrifício em nome da comunicação com o além. Enquanto isso, cascavéis rondam a região, e os capangas da fazenda atiram em intrusos que pegam água do rio. Na fábrica, alguns homens trabalham com máquinas pesadas, capazes de decepar um dedo, e outros caem dentro de silos, sufocando com os grãos. Nos plantios, uma garota espalha agrotóxicos em abundância.

O diretor Guilherme Bacalhao prenuncia alguma(s) morte(s), consolidando um destino inevitável. O espectador mergulha na aventura do cantor fracassado, tentando a todo custo emplacar as suas canções, com a ciência de que o eventual sucesso lhe cobrará um preço caro — impressão favorecida pelo título. Este homem recorre a crendices e superstições: o guizo de cascavel no interior da viola; a mão enfiada num buraco à noite, perto da igreja; os dizeres específicos para suplicar a forças transcendentais que o ajudem. Álcool e outras oferendas integram o processo.

O aspecto mais interessante de Pacto da Viola reside na conjunção entre inúmeras crenças de um Brasil multicultural e sincrético. Estratégias cristãs e pagãs; suplícios verbais ou ações concretas são utilizadas por personagens que lidam diariamente com a finitude, o invisível, o imponderável. Ao invés de se voltar aos praticantes de uma crença específica, o autor prefere certo amálgama orgânico de tradições — da Folia em Urucuia às tradicionais histórias de pactos entre sertanejos com o diabo. Vai de Fausto à literatura de cordel; do erudito ao popular.

O aspecto mais interessante de Pacto da Viola reside na conjunção entre inúmeras crenças de um Brasil multicultural e sincrético. Além disso, contextualiza a narrativa num debate sobre tradição e modernidade.

Além disso, insiste em contextualizar a narrativa num debate sobre tradição e modernidade. Enquanto o pai e os tios de Alex representam o predomínio da fé, a prima Joice (Gabriela Correa) ilustra a tendência individualista e cética das novas gerações. Ela descarta as práticas da geração anterior enquanto bobagens; prefere a música eletrônica às modas de viola; e dispersa alegremente os produtos químicos nas plantas. Despreza o passado, enquanto não demonstra interesse particular pelo futuro. Parece viver num eterno agora, aparecendo convenientemente para Alex em três ou quatro cenas, quando o roteiro precisa de algum conflito.

Felizmente, a atriz transparece o conforto com os diálogos, além de um corpo despojado, sem vaidades, que beneficiam a interação com o protagonista. Abreu, no lugar do herói sisudo e calado, minimiza expressões a ponto de tornar o espectador um tanto misterioso para o espectador. É difícil saber exatamente o que ele sente pelo pai doente e pela mãe falecida, ou de que maneira expressa seus sentimentos através da música — escutamos apenas uma canção, e o roteiro elimina cenas de composição, ensaio, ou ainda de apreciação musical por parte do protagonista. Para um homem tão obstinado em ascender na carreira, ele soa curiosamente indiferente à música e às sonoridades em geral.

Esta percepção poderia se estender ao longa-metragem em sua totalidade. Pacto da Viola ocupa o terreno do quase, do prestes a, da insinuação, da iminência. Ele flerta com o terror e o cinema de gênero (alguns planos subjetivos de dentro dos arbustos simulam o olhar do diabo), embora nunca mergulhe de fato nas possibilidades fantástica da fuga ao real. Ameaça enveredar pelo grotesco ou pela concretização do mal, embora se atenha à sobriedade e placidez, preocupada em agradar o espectador e manter o tom linear.

Ao mesmo tempo, o pressuposto do acordo com o Tinhoso implicaria em consequências morais e éticas importantes a Alex. Afinal, o rapaz ambicioso receberia o dom da música ao se alinhar às forças malignas. Mesmo assim, nenhum ganho decorre destes laços escusos. A própria comunicação com esta força soa módica, minimalista — com o salto temporal ao dia seguinte, o espectador pode se questionar se algum pacto foi estabelecido de fato. O humor jocoso (a sequência de piada com diversos nomes para o diabo) atenua a força de uma entidade na qual os personagens supostamente acreditam.

O roteiro prepara o espectador desde as primeiras cenas para a Folia, que deveria ocupar um papel fundamental no laço entre pai e filho. Entretanto, a festa não se concretiza aos nossos olhos. Nota-se a escolha pela atenuação de forças e de catarses — vide o pacto demoníaco desprovido de erotismo, de fervor, angústia, medo, grotesco ou sublime. Voluntariamente ou não, Bacalhao preserva sua fábula num registro melancólico. Obtém um resultado coeso, sem dúvida, e ciente do escopo de suas ambições. O diretor não dá passos maiores do que a perna — talvez os dê até menores do que as pernas comportariam.

Resta uma obra singela, e consciente de sê-lo, acerca da maneira cotidiana como as crenças se introduzem nas nossas vidas, sobretudo no dito “Brasil profundo”, longe do cinismo das metrópoles. O autor se interessa pela religião, pela música e pelo sobrenatural enquanto ideias, em detrimento de uma possibilidade audiovisual de fato. Pode frustrar quem esperaria destes temas uma abordagem de maior ousadia e verve; ou contentar muitos outros para quem o horror funciona melhor enquanto menção e conceito. O espectador que imagine, por conta própria, tantas lacunas propositadamente ocultadas na jornada de Alex.

Pacto da Viola (2024)
6
Nota 6/10

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