O primeiro aspecto que salta aos olhos neste filme diz respeito à ambientação. Panteras está repleto de névoas multicoloridas, banhando personagens que dançam (ou correm, ou lutam, ou beijam) em câmera lenta, numa espécie de transe coletivo permanente. O diretor Breno Baptista investe numa aparência letárgica, desconectada do real pelo simples uso de cores e luzes. A aparência está mais próxima do imaginário dos contos de fada e das florestas amaldiçoadas do que ao cenário urbano onde vivem os protagonistas.
A trinca possui poderes muito especiais: uma garota é capaz de escutar frases proferidas pelo próprio sangue, que escorre do ouvido e dos olhos — tal qual uma santa com seus estigmas. Outro tem o poder de entrar nos sonhos alheios. Um rapaz sofre com a maldição de provocar a morte daqueles que beija. As figuras em cena são especiais, no sentido de incomuns, estranhas, e assumidas como tais. Mesmo assim, encaram as manifestações alheias enquanto fenômenos banais, incapazes de alterar a ordem social.
O autor demonstra uma bela compreensão do terror enquanto retrato da diferença e medo do outro. O cinema queer e o cinema de gênero se conectam sobretudo pela capacidade de representarem a aversão à diferença, àqueles que se comportam de maneira diferente de mim. Os monstros, fantasmas, vampiros e assassinos das obras de terror sempre constituíram ótimas metáforas para indivíduos LGBTQIA+, graças à possibilidade de despertarem o medo pelo desconhecido (uma fobia, de onde se extrai a homofobia, transfobia, etc.).
Assim, enquanto o status quo sugere que “gays destruirão a família tradicional”, o audiovisual pode extrapolar esta lógica absurda ao, literalmente, matar um núcleo familiar pelas mãos de um monstro, revelando o potencial catártico e exagerado deste raciocínio. Panteras vai além, ao subverter a lógica das produções de super-herói: desta vez, duas mulheres fortes e movidas por senso de justiça precisam salvar um garoto frágil, preso a um relacionamento abusivo. É ele quem espera pelo resgate das duas mulheres.
Um casal feminino, e outro formado por dois homens, compõem o centro da trama. As falas monocórdicas, a partir de um texto excessivamente escrito (que se encaixam com dificuldade na boca do elenco), seriam reprováveis em filmes naturalistas. Aqui, devido à proximidade com a linguagem do pesadelo e do devaneio, justificam-se. Noá Bonoba, em especial, se delicia com o torpor das palavras, reforçando seu caráter asqueroso (vide a bela cena na joalheria).
Os jovens estão, ao mesmo tempo, vivos e mortos, desejantes e anestesiados. A lua cresce no céu, indicando a proximidade do clímax. Verônica treina luta, em óbvia preparação ao embate entre mocinhas e vilão. Baptista desenha uma delicada ciranda onde todos se amam e se cuidam. O limite entre namorados, amigos e parceiros se borra ao apresentar personagens para além de rótulos definidos. “Vocês estão juntas?”, pergunta Renan à dupla que chega em seu socorro. “Acho que não”, respondem. Pouco importa. Quando se encontram em risco, eles se protegem.
Neste percurso, o média-metragem explora iconografias típicas dos filmes de vampiro, de lobisomem, de zumbis. Navega-se com facilidade entre sugestões que evitam referências específicas, apesar de habitarem o mesmo universo gótico-sombrio. Baptista faz prova de um belo exercício de cinefilia, no sentido de incorporar regras e códigos sem meramente replicá-los para o prazer da identificação do espectador. Há mais em jogo do que o amor por filmes particulares: homenageia-se uma percepção ampla do cinema de gênero.
Junto ao público no Teatro da Cidade de São Luís, Panteras representou um sucesso absoluto, capaz de despertar risadas e aplausos calorosos ao final. O encerramento com uma performance fotográfica do trio de protagonista une o luxo ao lixo, ou ainda, a imersão típica do terror com o distanciamento comum às obras metalinguísticas, que revelam a presença do dispositivo. Já frases como “Gay chata do caralho!” proporcionaram um expurgo ao humor latente até então.
O projeto comprova controle excepcional da comunicação com o público, navegando entre ferramentas do cinema popular-exploitation e as demandas mais específicas do cinema de arte, autoral e independente. O resultado chama atenção ao talento de um cineasta capaz de utilizar o gênero e a sexualidade enquanto componentes orgânicos de um universo amplo — estes elementos se tornam meios, ao invés de finalidade da narrativa.