Panteras (2022)

Amor de perdição

título original (ano)
Panteras (2022)
país
Brasil
gênero
Drama, Terror
duração
38 minutos
direção
Breno Baptista
elenco
Renan, Noá Bonoba, Laura Fraiz, Fab Nardy
visto em
Mostra Quelly 2023

O primeiro aspecto que salta aos olhos neste filme diz respeito à ambientação. Panteras está repleto de névoas multicoloridas, banhando personagens que dançam (ou correm, ou lutam, ou beijam) em câmera lenta, numa espécie de transe coletivo permanente. O diretor Breno Baptista investe numa aparência letárgica, desconectada do real pelo simples uso de cores e luzes. A aparência está mais próxima do imaginário dos contos de fada e das florestas amaldiçoadas do que ao cenário urbano onde vivem os protagonistas.

A trinca possui poderes muito especiais: uma garota é capaz de escutar frases proferidas pelo próprio sangue, que escorre do ouvido e dos olhos — tal qual uma santa com seus estigmas. Outro tem o poder de entrar nos sonhos alheios. Um rapaz sofre com a maldição de provocar a morte daqueles que beija. As figuras em cena são especiais, no sentido de incomuns, estranhas, e assumidas como tais. Mesmo assim, encaram as manifestações alheias enquanto fenômenos banais, incapazes de alterar a ordem social. 

O autor demonstra uma bela compreensão do terror enquanto retrato da diferença e medo do outro. O cinema queer e o cinema de gênero se conectam sobretudo pela capacidade de representarem a aversão à diferença, àqueles que se comportam de maneira diferente de mim. Os monstros, fantasmas, vampiros e assassinos das obras de terror sempre constituíram ótimas metáforas para indivíduos LGBTQIA+, graças à possibilidade de despertarem o medo pelo desconhecido (uma fobia, de onde se extrai a homofobia, transfobia, etc.).

Assim, enquanto o status quo sugere que “gays destruirão a família tradicional”, o audiovisual pode extrapolar esta lógica absurda ao, literalmente, matar um núcleo familiar pelas mãos de um monstro, revelando o potencial catártico e exagerado deste raciocínio. Panteras vai além, ao subverter a lógica das produções de super-herói: desta vez, duas mulheres fortes e movidas por senso de justiça precisam salvar um garoto frágil, preso a um relacionamento abusivo. É ele quem espera pelo resgate das duas mulheres. 

Um casal feminino, e outro formado por dois homens, compõem o centro da trama. As falas monocórdicas, a partir de um texto excessivamente escrito (que se encaixam com dificuldade na boca do elenco), seriam reprováveis em filmes naturalistas. Aqui, devido à proximidade com a linguagem do pesadelo e do devaneio, justificam-se. Noá Bonoba, em especial, se delicia com o torpor das palavras, reforçando seu caráter asqueroso (vide a bela cena na joalheria). 

Os jovens estão, ao mesmo tempo, vivos e mortos, desejantes e anestesiados. A lua cresce no céu, indicando a proximidade do clímax. Verônica treina luta, em óbvia preparação ao embate entre mocinhas e vilão. Baptista desenha uma delicada ciranda onde todos se amam e se cuidam. O limite entre namorados, amigos e parceiros se borra ao apresentar personagens para além de rótulos definidos. “Vocês estão juntas?”, pergunta Renan à dupla que chega em seu socorro. “Acho que não”, respondem. Pouco importa. Quando se encontram em risco, eles se protegem.

Neste percurso, o média-metragem explora iconografias típicas dos filmes de vampiro, de lobisomem, de zumbis. Navega-se com facilidade entre sugestões que evitam referências específicas, apesar de habitarem o mesmo universo gótico-sombrio. Baptista faz prova de um belo exercício de cinefilia, no sentido de incorporar regras e códigos sem meramente replicá-los para o prazer da identificação do espectador. Há mais em jogo do que o amor por filmes particulares: homenageia-se uma percepção ampla do cinema de gênero.

Junto ao público no Teatro da Cidade de São Luís, Panteras representou um sucesso absoluto, capaz de despertar risadas e aplausos calorosos ao final. O encerramento com uma performance fotográfica do trio de protagonista une o luxo ao lixo, ou ainda, a imersão típica do terror com o distanciamento comum às obras metalinguísticas, que revelam a presença do dispositivo. Já frases como “Gay chata do caralho!” proporcionaram um expurgo ao humor latente até então.

O projeto comprova controle excepcional da comunicação com o público, navegando entre ferramentas do cinema popular-exploitation e as demandas mais específicas do cinema de arte, autoral e independente. O resultado chama atenção ao talento de um cineasta capaz de utilizar o gênero e a sexualidade enquanto componentes orgânicos de um universo amplo — estes elementos se tornam meios, ao invés de finalidade da narrativa.

Panteras (2022)
9
Nota 9/10

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