Paradise: Uma Nova Vida (2019)

O impossível afeto entre homens

Título Original (ano)
Paradise – Una Nuova Vita (2019)
país
Itália, Eslovênia
gênero
Comédia
duração
85 minutos
direção
Davide Del Degan
Elenco
Vincenzo Nemolato, Giovanni Calcagno Katarina Čas, Andrea Pennacchi, Branko Zavrsan, Selene Caramazza
Visto em
Cinemas

Paradise: Uma Nova Vida (2019) revela muito cedo as suas cartas no que diz respeito ao humor. A cena inicial combina o som de um tiro com a trilha sonora alegre, de fanfarra, convidando o espectador a enxergar o ocorrido de maneira divertida, leve e despreocupada. Na cena seguinte, um vendedor de raspadinhas se encontra sob a nevasca, numa estação de esqui, amargando a falta de clientes. 

Há um aspecto clown e tragicômico em Calogero (Vincenzo Nemolato), sujeito que pretende “fazer a coisa certa”. Após testemunhar um crime envolvendo a máfia siciliana, decide denunciar os criminosos e enfrentar a exclusão social graças a um programa de proteção à testemunha. A esposa, nas últimas semanas de gravidez, implora para que ele esqueça a situação e apenas permaneça em família. O jovem, no entanto, segue sua moral rígida, sendo enviado a um vilarejo distante, numa pousada grande e abandonada sob o gelo, nos moldes de O Iluminado.

O diretor e roteirista Davide Del Degan aprecia no protagonista, e no matador (Giovanni Calcagno) radicado no mesmo endereço, o símbolo de fracasso. Trata-se de dois homens sensíveis, antissociais, punidos pela ausência de malícia ou traquejo social. Para o roteiro, nada é mais ridículo do que um assassino vegetariano, gay, que faz as cutículas e leva flores ao colega de hotel durante um encontro. As piadas não visam as normas de conduta impostas aos machos, mas sim os indivíduos que ousam fugir a estas regras.

Isso leva à questão fundamental acerca do discurso. Paradise: Uma Nova Vida ridiculariza os personagens ou o sistema em que se inserem? Ele nos convida a rir da máfia e da falência da proteção às testemunhas, ou da inabilidade dos dois homens em lidarem com a reclusão forçada? Infelizmente, a resposta se encontra na segunda alternativa. O cineasta se delicia em imaginar o quão patéticos podem ser os dois adultos, apesar de bem-intencionados.

A exemplo de seus dois heróis, o filme busca no escapismo cômico uma maneira de fugir à complexidade dos temas subjacentes: a paternidade, a máfia, a homossexualidade, a exclusão social.

Esse deboche em relação às minorias se traduz num teor próximo da homofobia. O roteiro ri do instante em que o sujeito gay tenta beijar o colega; e se delicia em incontáveis cenas de dança folclórica, quando os participantes homens empinam o corpo e batem nas bundas uns dos outros. Debocha-se da tentativa de Calogero de pintar o cabelo de loiro para se disfarçar, e da incapacidade em tirar proveito de uma situação romântica envolvendo uma mulher sedutora. O desprezo se direciona aos homens incapazes de “agir como homens”.

Enquanto isso, a trama falha na tentativa de despertar tensão ou comicidade inerentes à situação. Seria evidente que um sujeito disfarçado, e potencialmente ameaçado, pudesse ficar paranoico, desconfiado. Ora, o herói age como um cão carente, de olhos arregalados e comportamento emasculado. Em paralelo, a farsa das identidades trocadas proporcionaria incontáveis possibilidades de humor. Entretanto, a jornada prefere inserir um mapa em quebra-cabeça cujas peças caem diariamente, ou a placa de “paraíso” atribuída ao local inóspito. São recursos simples, e modestos, diante do potencial anunciado.

No elenco, os dois intérpretes se equilibram através de registros opostos. Nemolato sublinha a voz dócil, abre bem os olhos, torna o corpo mais franzino em busca da ridicularização da delicadeza. Já Calcagno sustenta a aparência de homem grande e soturno, ainda que de olhar bondoso. Os instantes de carinho decorrentes deste último soam mais verossímeis e complexos do que aqueles partindo do protagonista. Caso a direção de fotografia não escurecesse tanto as noites, nem tivesse medo de aproximar o enquadramento do beijo entre dois homens, traria dois instantes comoventes de afeto.

Ora, o texto prioriza a criação de conflitos jamais desenvolvidos. Calogero nunca aparenta estar sendo perseguido de fato; as saudades em relação à filha pequena aparecem em instantes convenientes à trama; a delação do matador que trocou de lado desaparece do percurso. O próprio programa de proteção soa inverossímil, mesmo pela perspectiva da comédia leve e fabular. O cineasta prefere ver os homens entediados numa colônia decadente a ocupá-los com os problemas que possuem de fato. Por isso, giram em falso na trama dedicada a ambos. Ironicamente, todos soam como coadjuvantes no filme.

O resultado funciona enquanto cinema agradável e despretensioso. A exemplo de seus dois heróis, busca no escapismo cômico uma maneira de fugir à complexidade dos temas subjacentes: a paternidade, a máfia, a homossexualidade, a exclusão social. Por que se divertir com os absurdos e derivas destas questões, quando se pode extrair piadas de um jantar composto inteiramente de maçãs, ou de um padre que dança enquanto prepara a missa? Os criadores certamente possuem um estranho senso de prioridades.

A situação se complica no desfecho. Calogero, este homem fraco e tolerante, que aceita ir para onde mandam, limitando-se aos desejos de terceiros, decide enfim se empoderar e assumir o papel de pai de família. Ora, para o filme, o “final feliz” consiste num ato violento e irresponsável, apresentado enquanto mero motor de comicidade. A conclusão do herói, e do filme inteiro, sela a impressão de um projeto deslocado em termos de foco, discurso e meios.

Paradise: Uma Nova Vida (2019)
4
Nota 4/10

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