Parque de Diversões (2024)

Parceiros da noite

título original (ano)
Parque de Diversões (2024)
país
Brasil
linguagem
Experimental
duração
73 minutos
direção
Ricardo Alves Jr.
elenco
Aisha Brunno, Artur Rogério, Bramma Bremmer, David Maurity, Dudu Melo, Eli Nunes, Guilherme Marques, Heleno Rohn, Igui Leal, Pedro Trad, Pedro Lanna, Rafael Batista, Rafael Santos, Vina Jaguatirica, Victor Junio, Will Soares, Yuri Péricles
visto em
48ª Mostra de São Paulo (2024)

A saída desta sessão proporcionou momentos curiosos de interação entre espectadores. Ouviam-se muitas reclamações aqui e acolá: alguns acusavam o filme de se limitar a incontáveis cenas de sexo, e outros, de não possuir sexo o bastante, representando-o de maneira acanhada e pudica. Alguns alegaram que a abordagem constituía mero fetiche da direção, enquanto os demais retorquiam que, pelo contrário, o projeto jamais assumia seu caráter fetichista. 

Disseram que era estilizado demais, multicolorido e extravagante, ou então, que a direção fazia algo cru, realista em excesso, sem fantasia ou sugestão. Reclamaram que o público heterossexual não teria nada para ver ali — algo curioso, posto que a maioria esmagadora de produções na história do cinema, de temática hétero, jamais se preocupou em contemplar o espectador LGBTQIA+ dessa maneira. Uns disseram que o sexo oral se encontrava perto demais da câmera, ou então longe demais, camuflando-se na escuridão das cenas noturnas. Contestaram o aspecto falocêntrico da conclusão, mas também a decisão de esconder as genitálias na maioria dos enquadramentos.

“Eu até gosto, mas…”. O consenso foi majoritariamente negativo. Por motivos absolutamente distintos, notava-se o descontentamento diante da obra. Ora, Parque de Diversões parece colocar o espectador numa posição desconfortável graças à ostentação do desejo de maneira frontal e, ao mesmo tempo, despojada, leve, inconsequente. O sexo constitui aquele tema para o qual não parece haver medida certa no cinema: ele será sempre demais ou de menos, explícito ou envergonhado, “desnecessário” ou pouco corajoso. A representação do sexo seria fundamentalmente errada.

Parque de Diversões representa um pequeno grande projeto enquanto linguagem queer e modo de pensar os fetiches, ou a presença de desejos e identidades LGBTQIA+ em espaços públicos brasileiros (sejam eles os parques ou salas de cinema).

Outra possibilidade de leitura a estas reações reside no apelo tão direto aos sentidos e sensações. Para uma plateia formada amplamente — imagina-se — por homens gays, durante a Mostra de São Paulo, a excitação que tais cenas podiam causar, potencializadas pelo tamanho da tela e parcialmente toleradas pelo escurinho da sala de cinema, se converteu num incômodo em si própria. Ora, como ousas me deixar excitado, em público, ao lado de pessoas que desconheço, precisando manter a compostura e fingir naturalidade? Presume-se que alguns espectadores, ali, também atuavam. Esta forma de estética e narrativa, projetada em um cinema não-pornográfico, se tornou tão rara que mal sabemos como nos portar face ao desejo explícito (nosso e dos personagens). 

O projeto vai na contramão deste cinema de arte palatável, concebido para os grandes festivais, ao passo que recusa o choque fácil de penetrações explícitas e próximas da câmera, por exemplo. O diretor Ricardo Alves Jr. oferece imagens muito diferentes do pornô de Internet, em sua natureza: nota-se um pensamento sofisticado em termos de enquadramento, luz e sons, além de duração dos planos e associação entre eles (logo, as escolhas de fotografia, som e montagem — a base de qualquer construção audiovisual). O cineasta sabe exatamente quando deseja mostrar, e quando pretende apenas aludir — o que levou às acusações de ser tão casto quanto libidinoso.

Enquanto isso, cria uma narrativa sucinta, claríssima: a obra se inicia com os diversos homens chegando ao parque do título, e se encerra quando eles terminam o ato sexual e gozam, literalmente. O filme acompanha a estrutura de um ato sexual, partindo das preliminares ao êxtase. Inclui personagens trans, pessoas brancas e negras, além de um homem cego, refletindo a busca dos criadores por diversidade e representatividade. Posto que estas figuras nunca possuem nome, e trocam raríssimas palavras uma com a outra, resumem-se a uma galeria de corpos indistintos, um ideal de coletividade. O protagonismo coral também representa um posicionamento político do autor.

Alves Jr. destaca este parque do mundo ao redor. Os corpos jamais são interrompidos em suas vontades. A polícia não os persegue, os vizinhos não os denunciam, os homofóbicos não os perturbam. Ninguém precisa fazer sexo com pressa, às escondidas, nem temer por qualquer forma de retaliação ou filmagem involuntária de seus corpos. Todos os fetiches e práticas são permitidos. Por isso, justifica-se o conceito de um parque de diversões, para além da configuração deste lugar, com seus carrinhos de bate-bate e demais atrações típicas. 

Curiosamente, em se tratando de uma produção tão erótica, nota-se a manifestação quase infantil dos desejos e da libido — facilitada pela decoração lúdica dos brinquedos. Faz-se o que quer, quando dá vontade, na duração desejada. Isso reproduz uma percepção de mundo apropriada aos pequenos, em busca de brincar quando querem, dormir apenas quando preferem, comer o doce que mais lhe apetece. Vive-se o momento, pelo simples princípio do prazer — a rotina destes homens inexiste fora das grades do parque, abertas à força. O filme, tão cúmplice quanto voyeur, acompanha os frequentadores na condição de colaborador atento. 

A câmera os observa em posição próxima o suficiente para ser percebida (evitando o fetiche da hidden cam), mas longe o bastante para não se intrometer na privacidade alheia, e deixar que as atitudes permaneçam livres. Ao invés de observar as interações com o caráter sombrio e moralmente carregado dos filmes queer de antigamente (o fatalista Parceiros da Noite vem à mente), insere música de festa e luzes neon dos palcos, transformando o sexo numa performance, uma diversão permitida entre amigos. Eles transam, mas também se provocam, dançam e gargalham freneticamente durante o sexo anal.

Parque de Diversões injeta em sua narrativa o humor do absurdo, graças à proximidade do filme com os sonhos, ou os devaneios eróticos. Atitudes possíveis se confrontam a outras, inverossímeis, num contexto que poderia ser interpretado enquanto um parêntese do real — uma fantasia, portanto. Espertamente, a montagem de Henrique Zanoni alterna entre cenas de imersão no sexo, ornamentadas com rica paisagem sonora de chupadas, penetrações, secreções e fluidos, e outras, permitindo o distanciamento graças ao aspecto fabular. 

A identificação e o estranhamento, a seriedade e o humor sucedem-se em ritmo análogo ao vai e vem da atividade sexual, ou ao movimento das montanhas russas e carrinhos de atração. O imperativo do movimento também se assemelha às danças — durante a apresentação ao público, Ricardo Alves Jr. sugeriu que os espectadores interpretassem o projeto enquanto coreografia, ou espetáculo de dança. Assim, aproxima sua obra das artes consagradas, ao invés do conteúdo pornográfico ao qual alguns espectadores preferiram associá-lo. 

Ora, Parque de Diversões representa um pequeno grande projeto enquanto linguagem queer e modo de pensar os fetiches, ou a presença de desejos e identidades LGBTQIA+ em espaços públicos brasileiros (sejam eles os parques ou salas de cinema). Através desta metáfora tão adulta quanto juvenil, tão naturalista quanto afetada, assume-se certo orgulho por uma libido que as vozes conservadoras insistem em calar. Ajuda o fato de se tratar de uma produção polida, competente, profissional, incluindo os nomes consagrados de Julia Alves e Thiago Macêdo Correia entre os produtores, além do próprio cineasta. 

A equipe trata a sexualidade como algo sério, merecedor de cuidado estético e dedicação profissional — o que não impede o resultado de apresentar leveza e fluidez. O queer pode afrontar o espectador pelas formas sem recorrer ao descaso pela linguagem, nem ao tudo-vale de certo cinema caseiro. Além disso, a obra não traz nada além disso, ou seja, encontros amorosos da primeira à última cena. Evita-se, portanto, disfarçar a libido no interior de uma narrativa “aceitável”, apta a abraçá-la e diluir seu potencial sulfuroso.

O resultado se mostra tão carinhoso — sim, o sexo casual pode ser pleno de ternura — quanto frontal, descomplexado, orgulhoso. Esta conjunção atípica de qualidades despertou as reações de estranheza e recusa diante do novo, do diferente. Por trás do desprezo inicial pela obra, existe uma relação frutífera de espectatorialidade. É positivo nos confrontar a agenciamentos de estética, discurso e tom tão improváveis quanto estes.

Parque de Diversões (2024)
8
Nota 8/10

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