A cena de abertura remete diretamente aos slashers dos anos 1970 e 1980: uma garota caminha sozinha na rua, à noite, até perceber que alguém a segue. Ela anda mais rápido, e o possível agressor, também. Um grito ecoa na noite. No dia seguinte, panfletos são distribuídos pela escola em busca da aluna desaparecida. Está instituído o motor do filme, aquele que a protagonista precisará enfrentar pessoalmente — e resolver — até a conclusão. Algo na previsibilidade destas fórmulas apela tanto ao conforto do espectador quanto ao humor: quantas tramas seria possível elaborar a partir da mesma estrutura?
Ora, esta familiaridade cômica, ao limite do absurdo, constitui o tom preferido da cineasta Jennifer Reeder. Em todos os seus filmes, ela brinca com o imaginário americano em seus códigos mais cristalizados: a terra dos corajosos e livres, as escolas com seu sistema rígido de castas, os homens perversos que sequestram menininhas, os policiais de caráter dúbio. As pessoas vestem uniformes que lembram fantasias de festa, em casas ornadas ao limite da caricatura. Estes filmes de terror constituem, antes de tudo, belas crônicas que procuram enxergar a artificialidade num modo de vida considerado inato para tantos norte-americanos.
No centro desta trama se encontra Jonny (Kiah McKinan), garota órfã de mãe, criada pelo pai ausente. Sem limites nem vigilância, ela se faz notar pela sociedade através de pequenos roubos, e de uma postura rebelde. No entanto, às vésperas de completar 18 anos, percebe algo diferente em seu corpo. O pai e a tia se preocupam. “Você já contou para ela?”, pergunta a voz sinistra mergulhada nas sombras. É claro que a menina possui um dom excepcional, misto de bênção e maldição, que precisará controlar para ficar face a face com o tal sequestrador de meninas.
O roteiro evoca a ideia ancestral de que meninas seriam “perigosas” por sangrarem e seduzirem os homens. […] A bestialidade que brota em Jonny seria uma bela metáfora da sexualidade nascente.
A aposta na sátira permite a Perpetrator funcionar como um comentário sobre esta forma de cinema, ao invés de reproduzi-lo sem perceber suas falhas e desgastes. Pai e filha assistem a programas de televisão juntos, quando o homem simula, com os dedos, uma arma apontada à cabeça da garota absorta. (Cuidado, a imersão total nas imagens pode te deixar vulnerável). Adiante, uma câmera de segurança terá papel fundamental na história. O longa-metragem depende da metalinguagem, das referências e da cinefilia da criadora e de seus interlocutores. Este é um filme para quem ama cinema, mas não o canoniza — em outras palavras, para quem preserva o senso crítico.
Neste sentido, a escolha de Alicia Silverstone para a tia-bruxa se relaciona diretamente com a cultura dos anos 1990, em especial graças às Patricinhas de Beverly Hills. Ignorada pelos grandes estúdios na fase adulta, a atriz se encontrou no cinema independente, sobretudo aquele disposto a evocar, de maneira saudosa ou irônica, o nascimento da cultura pop. Aqui, ela se delicia ao falar palavrões, cavar buracos vaginais em bolos de aniversário e introduzir os dedos sedutoramente em poças de sangue. A rainha dos “filmes de colégio” de 30 anos atrás passa o bastão às novas ocupantes do subgênero.
A propósito de sangue, há muitos litros de secreções e gosmas ao longo desta história. Neste caso, gotas de sangue se multiplicam sozinhas, formando poças e piscinas vermelhas num plano alternativo e transcendental. Há sangues claros e líquidos, em oposição a outros viscosos e escuros. Quase todos os personagens manifestam intensos sangramentos nasais, enquanto as meninas menstruam, vomitam, secretam fluidos de suas feridas. Qualquer objeto ou cômodo da casa será tingido de vermelho neste filme sem medo do exagero e do ridículo — algo justificado, pois assumido e questionado como tal.
No que diz respeito aos cânones do terror, Perpetrator efetua uma combinação ousada de estilos: as meninas poderosas desenvolvem poderes mistos de lobisomens e vampiras, enquanto o perigo lá fora sugere a figura de um psicopata, ou talvez uma assombração invisível. Planos noturnos na casa da tia apelam ao giallo, enquanto o roteiro se distingue do slasher tradicional pela alusão ao whodunnit, ou seja, pelo filme onde é preciso adivinhar a identidade de um assassino em série (mais em modo Pânico do que Halloween). Reeder cozinha um caldeirão cômico do cinema de gênero.
Neste processo, sugere que existe algo monstruoso na essência das mulheres. O roteiro evoca a ideia ancestral de que meninas seriam “perigosas” por sangrarem e seduzirem os homens. Em consequência, precisariam ser vigiadas, preservadas pelos familiares, tendo sua virgindade garantida. A bestialidade que brota em Jonny — garota com nome masculino — seria uma bela metáfora da sexualidade nascente, desencadeando seus poderes de sedução e controle do próprio corpo. Ela se tornará lobisomem, bruxa, mas também sereia, oferecendo-se de isca ao agressor.
Face às mulheres magnificamente asquerosas (“Sou repulsiva e maravilhosa!”, afirma um diálogo), os homens serão infantilizados, ridicularizados a todo instante. Eles se tornam policiais fracassados, pais solitários, inspetores de escola sem real autoridade. Todos buscam se impor sobre o corpo e as vontades das mulheres, recebendo a devida vingança por isso. Em última instância, Perpetrator dialoga igualmente com o rape and revenge film, no qual uma personagem importante, após ser molestada pelo marido, tomas medidas drásticas para se ver livre. A mudança de aparência se converte em darwinismo social e instinto de sobrevivência.
Para alguns espectadores, o excesso de símbolos poderia resumir a iniciativa a uma brincadeira infinita de sangue, buracos vaginais e anais multiplicando-se cena após cena. Apesar de exagerado, nada soa gratuito ou irrefletido no filme, que trabalha ícones repetidos numa espécie de obsessão ou transe, como se as poças de sangue vivas e os mares avermelhados adquirissem novos significados a cada aparição. Existe uma confiança no gesto, um desejo de aprofundar cada um dos símbolos-tiques propostos desde o início.
Resta um belo exemplar de cinema queer, onde o aspecto libertário da sexualidade se identifica não apenas com afirmação LGBTQIA+ (o lesbianismo se prova discreto e secundário), mas a uma estética afrontosa em sentido mais amplo. Reeder manda às favas o comedimento, as regras dos manuais de roteiro, a elegância e o recato exigido às meninas. Ela se comporta como suas personagens rock-punk-rebeldes, confrontando o espectador com aquilo que a sociedade prefere esconder (a menstruação, a libido feminina) de maneira gritante, espetacular, na forma de um show de sangue jorrando, quase literalmente, por todos os orifícios.