Mesmo no último dia de exibição, a Mostra Quelly reservou algumas surpresas aos espectadores. É impressionante, após tantas obras ousadas e radicais, ainda se deparar com uma linguagem que soe inovadora. Na plateia, as pessoas riam, parte em decorrência do humor assumido pelo curta-metragem, parte por desconforto face ao inesperado. Como reagir à coreografia humorística de pessoas que fazem sexo, sincronizando a penetração com o ritmo da música?
Progressive Touch não possui uma narrativa no sentido clássico do termo. Em outras palavras, ele não “conta uma história”. Trata-se de um tríptico, formado por três casais: o primeiro, composto por um homem e uma mulher, depois, por dois homens, e por fim, por duas mulheres. Cada segmento autônomo se baseia num estilo musical: rock progressivo, trap e math metal. As esquetes possuem paletas de cores distintas, além de um ritmo particular.
Interessa no curta-metragem a capacidade de subverter o erotismo aguardado de uma sequência de sexo explícito. Estas imagens não foram concebidas para seduzir, excitar, nem impressionar o espectador graças ao desempenho excepcional dos atores, ou à beleza de seus corpos. Ao contrário da idealização inerente à pornografia, onde os corpos espetaculares gozam em interações longas e assépticas, a transa se converte, neste caso, numa coreografia.
O desconforto tradicional diante da intimidade alheia se converte numa celebração autoparódica do sexo, onde se permite ser feio, ridículo, patético, exagerado.
Trata-se, evidentemente, de dançarinos dotados de uma consciência ímpar de seus corpos. Eles executam uma performance ensaiada, pré-concebida para o jogo intenso de cortes, luzes e enquadramentos. A movimentação foge à linguagem da dança clássica, ou mesmo da dança contemporânea. Aqui, eles agem como máquinas, bichos, monstros. Fazem caretas e arregalam os olhos até se estrebucharem em orgasmos caricaturais — equivalentes à punchline de cada piada.
Por isso mesmo, o projeto possui um efeito hilário. O desconforto tradicional diante da intimidade alheia se converte numa celebração autoparódica do sexo, onde se permite ser feio, ridículo, patético, exagerado. Retira-se o sexo do âmbito do afeto para levá-lo a uma construção cênica próxima do circense. Em consequência, pênis, vaginas e bundas se convertam em meros pedaços de carne, em ferramentas de expressão corporal análogas a braços, pernas, mãos e pés.
Assim, o pressuposto do fetiche é revirado pelo avesso. O voyeurismo consiste no prazer de observar, num jogo entre olhar proibido e imaginação perversa, completando as lacunas ocultas. Ora, não existe nenhuma parcela escondida ou deixada à imaginação nesta abordagem. A sequência tragicômica de línguas passando pela vagina, ou o plano extremamente próximo do orifício da glande, atinge o ponto onde não resta espaço à projeção ou identificação. Tudo está dito, mostrado, escancarado.
Ao se aproximar demais da penetração, o cineasta Michael Portnoy mata voluntariamente o erotismo. Estamos mais perto do domínio médico e da videoarte conceitual do que de qualquer vídeo de vocação masturbatória. Uma das forças políticas deste filme reside na sugestão de que a nudez não seria pornográfica em si, de que o corpo não despertaria necessariamente a excitação, tal qual sugerem os conservadores. Isso depende dos olhos de quem vê, e da carga moral atribuída a estes invólucros, estes pedaços de carne. Uma genitália pode ser, quem diria, muito divertida, lúdica, engraçada.
Outro mérito notável da abordagem do autor consiste na ausência de diálogos. O curta-metragem extrai sua força unicamente das imagens e dos sons potentes (tanto da trilha sonora constante quanto do belo e expressivo trabalho de ruídos). Em oposição à esmagadora maioria de filmes apresentados na Mostra Quelly, comandados pela narração em off dos autores, este confia na capacidade das cenas em transmitirem um conteúdo por si próprias.
Se há dois poréns numa obra tão expressiva, eles se encontram, em primeiro lugar, na abordagem mais tímida com os casais homossexuais em relação à dupla heterossexual. O sexo entre homem e mulher ganha um enquadramento próximo do pênis ereto na vagina. Já os dois homens se contentam com o sexo oral num pênis flácido, e as mulheres têm a cunilíngua reduzida a planos de detalhe cortados das atrizes-dançarinas pela montagem. A penetração hétero é considerada mais “séria” e aceitável do que aquela entre casais do mesmo sexo.
Em segundo lugar, nota-se uma pequena diminuição de qualidade do começo ao final. A esquete inicial se mostra superior, em termos de expressividade, controle de luz e imagens, em relação à seguinte, que supera, por sua vez, os méritos da sequência final. Isto não anula o nível altíssimo do resultado, porém chama atenção à perda do fator choque, ou do efeito novidade, atenuado entre a abertura e a conclusão. O efeito de luzes vermelhas-alaranjadas da primeira parte não encontra equivalentes à altura na interação azulada (para os rapazes) e cor-de-rosa (para as moças).
Por fim, Progressive Touch atesta a rara capacidade de elaborar um discurso político através do humor, distante de qualquer efeito didático. Os demais filmes presentes na Mostra Quelly nos lembram que o corpo pode ser poético (As Inesquecíveis), aterrorizante (Panteras), resistente (Godasses, Parte III: Jamal Phoenix), catártico (Blinded by Centuries), imaginativo (Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo). A obra austríaca-holandesa-norte-americana nos lembra que ele também pode ser burlesco e jocoso.