Mercedes (Paulina García) e Ana María (Jenny Navarrete) parecem ser mulheres opostas. A primeira é rica, de meia-idade, acostumada a controlar os negócios familiares. Vive num casarão, cercada por funcionários, e recebe visita frequente dos filhos adultos. Já a segunda sempre trabalhou como cuidadora de idosos. É pobre, solitária, sem nenhuma família com quem contar. Esta imigrante colombiana vive no Panamá, onde sonha em regularizar seus documentos. Em termos de origem e classe social, elas pertencem a mundos incompatíveis.
No entanto, a diretora Ana Endara acredita que os caminhos delas se cruzam por motivos práticos, em primeiro lugar — a empregada é contratada para cuidar da madame —, e em seguida, pela fuga de ambas à realidade. A patroa atravessa uma fase acelerada de demência. Ela se esquece dos familiares, perde-se dentro de casa, efetua ações irresponsáveis e irrefletidas (como mastigar um besouro). Conforme os dias se passam, ela se sente cada vez mais estrangeira ao mundo. Refugia-se em delírios íntimos.
Já Ana María, que ostenta uma barriga da mulher grávida pelos hospitais e no trabalho, não está grávida de fato. É curioso que a divulgação do filme oculte este fato, como se fosse uma grande revelação capaz de estragar a experiência do espectador. Ora, a narrativa revela desde cedo que o volume no corpo da mulher constitui um enchimento, colocado de propósito pela empregada, que sonha em ser mãe. As verdadeiras surpresas chegam adiante, quando descobrimos os motivos para tal licença da realidade.
Querido Trópico se mostra um filme tão sensível quanto convencional em suas raízes. Trata-se de mais um olhar conciliador às diferenças de classes através da coabitação.
Logo, o drama questiona os motivos físicos e psicológicos que levam mulheres a se abrigarem das circunstâncias rumo a uma fantasia. Neste caso, elas chegam a compartilhar suas dores e segredos, quando compreendem as ficcionalizações da outra. A cuidadora será a única a testemunhar em detalhes os lapsos da senhora idosa, enquanto esta tem acesso exclusivo à psicologia da imigrante ilegal. Elas falam pouco, embora atinjam uma forma de entendimento nos silêncios e olhares. A cumplicidade sob a chuva, e no jardim (filmado como uma floresta) se tornam os melhores momentos do filme.
Ana Endara possui uma maneira bastante respeitosa, mesmo pudica, de adentrar a intimidade de suas protagonistas. Prefere filmá-las à distância, aproximando-se aos poucos. Mesmo assim, os close-ups e planos de detalhe são raros. Documentarista de formação, a cineasta prefere enxergar as duas figuras em relação perpétua com o ambiente ao redor. Isso significa observar Ana María pelo fundo do corredor, quando esta se encontra no interior do quarto; ou revelar Mercedes de costas, a princípio, e mesmo por fragmentos (os pés no sofá).
Ela evita, desta maneira, o sensacionalismo da decadência mental. Seria tentador oferecer às duas grandes atrizes uma sucessão de momentos de catarse, como Hollywood provavelmente faria. Mas ao invés dos choros, gritos e brigas (estamos distantes de Álbum de Família, por exemplo), restam indícios discretos de uma crise interna. Quando as cenas ameaçam se tornar sentimentais demais (o colapso no banho, na festa familiar e no hospital), a montagem logo interrompe a cena e passa ao dia seguinte. A autora prefere indicar um transtorno a filmá-lo.
Apesar do belo comedimento, e da sensibilidade evidente na condução, o roteiro é prejudicado pelo acúmulo de situações constrangedoras relacionadas a Mercedes. A indicação da demência se transforma numa evidência. Em outras palavras, o tratamento psicológico inicial cede espaço a uma demonstração cada vez mais exteriorizada e explícita da deterioração de saúde. O drama começa a listar todos os lugares-comuns da representação da doença: ela perde o controle das funções intestinais durante a festa, sai correndo pelas ruas, come alimentos que não deveria, etc. O terço final cede à tentação de promover transformações repentinas, e um tanto velozes, onde antes havia espaço para sugestão e deduções.
Felizmente, ambas atrizes estão muito competentes em seus papéis. Navarrete compõe uma empregada introvertida, entre a candura e uma espécie de brutalidade (ela seria aquilo que Flaubert chamava de “coração simples”). Já García evita os gestos excessivos, preferindo um cruzamento entre a percepção e a confusão dos sentidos. Elas se completam bem, dispensando a vocação a salvadoras uma da outra. Experimentam belos momentos juntas, somente aos olhos do espectador. Os demais personagens nem suspeitam da ternura desenvolvida naqueles dias de convivência.
Por fim, Querido Trópico se mostra um filme tão sensível quanto convencional em suas raízes. Trata-se de mais um olhar conciliador às diferenças de classes através da coabitação — como se todos pudessem se entender melhor caso passassem mais tempo juntos. Sendo ambas mulheres, enfrentando seus dilemas em segredo, aproximam-se automaticamente. O drama apela à empatia a respeito de uma vivência muito diferente da sua. Não transforma as protagonistas em “pessoas melhores” ao final, porém acredita que terão um lugar marcante na trajetória alheia.
Além disso, confirma a predileção pela figura da empregada doméstica enquanto símbolo maior do realismo social no cinema latino-americano. A faxineira, cozinheira e cuidadora canaliza as opressões de gênero, raça, classe e origem de maneira exemplar, de modo que nossas obras naturalistas (ou discretamente poéticas, como esta) mergulham às dúzias na convivência de empregadas e patroas, ou de empregadas e filhos dos chefes. A cartilha pede um humanismo mediador, de final aberto, marcado pelo lirismo sutil.
Por mais polidas que sejam a maioria destas iniciativas, elas despertam questionamentos: de que outra maneira podemos ilustrar tais embates sociais sem cair na condescendência, ou na admiração plácida de opressões? Que imagens, sons e recursos podem representar o furor de injustiças e violências simbólicas? O horror, a comédia grotesca, a fantasia assumida fornecem boas respostas a estas dúvidas. Os demais filmes perseguem o caminho tão maduro quanto desgastado da contemplação tão crítica quanto inofensiva.