Ruim pra Cachorro (2023)

Amigos, pinto e cocô

título original (ano)
Strays (2023)
país
EUA
gênero
Comédia
duração
93 minutos
direção
Josh Greenbaum
vozes originais
Will Ferrell, Jamie Foxx, Isla Fisher, Randall Park, Will Forte, Josh Gad, Sofía Vergara, Greta Lee, Harvey Guillén, Brett Gelman
visto em
Cinemas

Se os cachorros pudessem falar em linguagem humana, o que diriam? O cinema familiar já utilizou essa premissa centenas de vezes para conferir aos bichos um raciocínio considerado exclusivo dos humanos. A brincadeira, neste tipo de comédia, reside na inadequação: não se considera possível, nem adequado, que nossos animais de estimação pensem e ajam exatamente como humanos adultos. Logo, o deslocamento produz a comicidade do absurdo.

Ruim pra Cachorro vai além. O diretor Josh Greenbaum e o roteirista Dan Perrault, conhecidos pela trajetória em clipes e esquetes de comédia para a televisão, imaginam quatro vira-latas representando verdadeiros gângsteres das ruas. Eles falam palavrões, praticam crimes, consomem drogas, se metem em problemas com a polícia. As duas figuras mais desbocadas correspondem justamente a dois pequenos cachorros, de aparência gentil.

Logo, a narrativa investe todos os seus esforços na aproximação entre opostos. Aos bichos de aparência amigável, atribuem-se grosserias; aos animais, oferecem-se pensamentos humanos; ao cinema de verniz amplo e acessível, incluem-se violências e linguajar proibido aos menores de idade. Já imaginou se Beethoven ou Marley dissessem “caralho” e “porra” a cada dois minutos? Se conversassem sobre o desejo de transar com um sofá? Um estranhamento semelhante ocorre aqui.

O roteiro depende excessivamente de piadas regressivas, focadas na tríade “pinto, xixi e cocô”. Estranha-se que os cachorros com vozes de adultos se comportem como a quinta série do colégio.

O dispositivo surpreende, a princípio, por constituir uma afronta à noção de moral e bons costumes atribuída aos filmes de cachorros falantes. É curioso assistir aos cachorrinhos disparando um “Eu vou jantar esse arrombado”, ou “Será que chupar cu deixa doido?”. O choque é buscado de maneira voluntária e insistente pelos atores e pelos criadores, que se esforçam para trazer algo cada vez mais improvável, agressivo ou escatológico. Prepare-se para cães comendo vômito, muitos close-ups em ereções caninas e uma orgia animal com objetos de jardim, apenas para citar algumas sequências.

A versão dublada, apresentada à imprensa brasileira, possui diversos méritos. O primeiro deles reside na qualidade destas vozes, proveniente de alguns dos melhores talentos em dublagem no Brasil. Em segundo lugar, é raro encontrar este tipo de linguajar nas ficções nacionais, mesmo aquelas em live-action. A linguagem do “maluco da quebrada”, claramente estereotipada para finalidade cômica, joga luz ao protagonismo de cachorros que representam, neste caso, um bando de moleques periféricos que raramente estrelam nossos longas-metragens.

No entanto, passada a afronta imediata da rebeldia juvenil, resta pouco a Ruim pra Cachorro, em termos cinematográficos, ou mesmo de humor. O roteiro depende excessivamente de piadas regressivas, focadas na tríade “pinto, xixi e cocô”. Estranha-se que os cachorros com vozes de adultos se comportem como a quinta série do colégio, achando engraçadíssimo quanto alguém faz piadas de conteúdo levemente sexual ou escatológico. As cenas de cocô e pênis de cachorros se sucedem ad nauseum, fruto de uma obra que deposita todo o seu prazer neste retorno idílico à fase anal.

Além disso, para cada elemento digno de crônica, outro investe em muletas artificiais para produzir reviravoltas, pois externas à jornada dos cães. É interessante que o roteiro faça piadas com o ódio dos cães por carteiros, com o fato de girarem antes de deitar, ou com a incapacidade de reconhecerem a si próprios nos reflexos dos espelhos. No entanto, a introdução de uma águia sequestrando Bug, e a chegada de cogumelos alucinógenos em plena floresta resultam em saídas acessórias para introduzir obstáculos ao road movie e aproximá-lo de uma aventura. 

Nestes trechos (o voo da águia e o incêndio), os efeitos visuais se tornam insuficientes para uma obra que busca a todo custo a aparência de realismo, filmando com cachorros reais. A crônica do relacionamento tóxico entre Reggie e o dono Doug, que seria o verdadeiro tema da jornada, permanece em segundo plano. Sobressaem-se, aqui, as gags e o humor de sensações, passageiro e descontextualizado (vide os “amijos” da versão brasileira, equivalentes a amigos que mijam um no outro).

A produção se torna indecisa a respeito do tipo de filme que deseja ser, e a quem procura apelar. A fuga dos cachorros da prisão, numa cena envolvendo o sujeito atrapalhado e coberto de cocô, não faria feio em clássicos infantis como Esqueceram de Mim ou Os Batutinhas. Já o texto busca a comunicação com um público muito mais velho — no Brasil, a comédia recebeu classificação etária 16 anos. 

Assim, o resultado pode soar infantil demais ao público com idade suficiente para vê-lo. Os criadores realmente apostam que a originalidade se encontra no cruzamento entre a inocência e a malícia, ou entre o erotismo da infância e a sexualidade desenvolvida de um adulto. Ora, o longa-metragem destinado a maiores de 16 anos poderia adotar rumos menos previsíveis, além de saídas mais complexas aos conflitos dos protagonistas. Ele prefere copiar à risca o esqueleto das histórias de Sessão da Tarde, embutindo piadas adultas de TikTok ao conjunto. Há quem se esbalde com este monstro de Frankenstein.

Ruim pra Cachorro (2023)
5
Nota 5/10

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