Um Filho (2022)

A educação sentimental

título original (ano)
The Son (2022)
país
Reino Unido
gênero
Drama
duração
123 minutos
Direção
Florian Zeller
elenco
Hugh Jackman, Laura Dern, Vanessa Kirby, Zen McGrath, Hugh Quarshie, Anthony Hopkins
visto em
Festival de Toronto 2022

Um Filho se inicia com um grito de alerta: Kate (Laura Dern) bate à porta do ex-marido Peter (Hugh Jackman). Preocupada, afirma que existe algo errado com o filho adolescente do casal. Ele anda estranho, tem faltado à escola, não se comunica bem dentro de casa. Talvez ele esteja com problemas graves; talvez esteja escondendo algo. Os indícios não demoram a se confirmar: o menino de 17 anos tem cortado os pulsos, flertado com o suicídio, e tentado escapar tanto da casa da mãe, quanto daquela em que vivem o pai, a nova esposa, Beth (Vanessa Kirby) e o irmãozinho recém-nascido.

Em outras palavras, o drama parte da introdução imediata do dilema familiar, que começa a destruir a vida de todos os envolvidos. Cena após cena, eles se lamentam, choram, gritam, pensam absortos durante o trabalho no que fazer para ajudar Nicholas (Zen McGrath) a sair desta situação. O roteiro de Florian Zeller, que também dirige o drama, lança um olhar abrangente, do tipo que evita tomar partidos ou efetuar julgamentos morais. Todos possuem suas razões, e tentam contribuir da melhor forma, ainda que terminem às vezes por reforçar os problemas. O dilema soa insolúvel, e o prazer reside na tentativa de atenuar o inevitável.

O cineasta aposta no melodrama convencional. Isso significa que a narrativa é movida pelas emoções e pela trilha sonora, uma potencializando o efeito da outra. Estes adultos entram em desespero, se recuperam e voltam a se indignar com o destino que lhes aguarda, enquanto Nicholas repete: “Não estou conseguindo viver, não sei o que fazer com a vida. Tenho dor o tempo todo”. O núcleo abastado investe em terapeutas, médicos, novas casas com quartos confortáveis, novas escolas — sem sucesso. É claro ao espectador que o autor não busca oferecer uma saída fácil aos adultos, e sim, representar a impossibilidade de uma solução instantânea.

O cineasta aposta no melodrama convencional. Isso significa que a narrativa é movida pelas emoções e pela trilha sonora, uma potencializando o efeito da outra.

Os atores se prestam ao jogo, numa intensidade tão explícita quanto óbvia: Hugh Jackman é capaz de transmitir o desespero do pai conservador e bruto, e Laura Dern oferece uma versão em meio-tom, preferindo o rosto de comiseração às lágrimas. O garoto, em chave semelhante, se desespera, serra os dentes, foge para o quarto assustado. Neste momento, a câmera busca os rostos em close-up para favorecer a emoção e o trabalho dos atores. Sim, eles se emocionam bem, diante de situações de natureza universal e de fácil identificação. Quem não se sentiria perdido face a um caso semelhante?

Talvez a figura que consiga contornar de maneira mais interessante o imperativo da lágrima seja Beth (Vanessa Kirby), a nova esposa. Pela posição de coadjuvante, a câmera lhe deixa ao fundo dos enquadramentos, cobra menos de suas revoluções internas, e permite à atriz transmitir dúvida, ambiguidade, reflexão. Enquanto todos se convertem em pura exterioridade, Beth se preserva como um pequeno oásis de subjetividade e psicologia. Já Anthony Hopkins ganha de Zeller um papel oposto àquele desempenhado em Meu Pai (2020): contra a fragilidade do idoso no drama anterior, agora pode demonstrar uma força perversa, pragmática, exercida sobre o próprio filho.

De resto, o drama faz pouco esforço para compreender o que se passa na cabeça de Nicholas, posto que ele não assume o ponto de vista. A perspectiva resta junto ao pai que, ignorante em assuntos de ordem da saúde, oferece ordens vãs: “Eu te proíbo de cortar os pulsos!”. A depressão profunda do garoto permanece na condição de fato, de postulado inicial. O estudante está profundamente doente, e ponto. Ninguém esperaria que Zeller fornecesse hipóteses para a origem da doença, é claro, mas pelo menos que tentasse compreender o turbilhão de sentimentos pelo olhar do menino.

Neste aspecto, The Son soa distanciado e frio até demais. A recorrência de choros não esconde a ausência de poesias, metáforas, respiros. Em Meu Pai, Zeller apostava numa interessante transformação do apartamento familiar em hospital, para representar a desorientação do pai com Alzheimer. Naquele caso, o olhar subjetivo pertencia ao indivíduo enfermo. Aqui, o autor segue pelo drama mais tradicional, recheado de planos próximos, diálogos potentes, porém sem imagens que busquem evocar, por si mesmas, a revolução interna de um adolescente que cogita tirar a própria vida.

Um momento sugere uma possível metáfora dos obstáculos familiares: em certo instante, pai, mãe e filho levantam o rosto, cada um num local diferente, e parecem olhar um para o outro graças à montagem. O pequeno recurso contém sua beleza, que infelizmente nunca se repete, nem se desenvolve. O chacoalhar de uma máquina de lavar acaba se convertendo num elemento mais útil (devido às cenas finais) do que propriamente semântico; os flashbacks recorrentes da infância paradisíaca na praia apenas reforçam sentimentos de culpa e remorso. O filme nutre essa tendência a avaliar que a verdadeira vítima, no caso, seria o poderoso advogado.

Em paralelo, o drama oferece uma série de diálogos didáticos, partindo de personagens com uma autoconsciência inesperada de suas condições. Ora, nem todos os envolvidos numa crise destas proporções conseguem formular com clareza o que pensam e sentem. No entanto, Peter reconhece estar se transformando no pai tirânico, e até cita exemplos para sustentar sua tese. Frases como “Acho que estou ficando louco” e “Quando você machucava a mãe, você também machucava a mim” somente explicitam e simplificam um processo mais complexo. 

No entanto, certos elementos possuíam forte potencial: a imagem do estagiário eficiente da firma, que Peter enxerga como o filho que gostaria de ter; o quiproquó envolvendo os brincos perdidos; a sucessão protocolar de perguntas no trabalho a respeito da situação em casa. Nada disso é explorado em profundidade. Mesmo assim, The Son se converte num drama eficaz, num sentido bastante cartesiano e pragmático do termo. Afinal, ele cumpre aquilo a que se propõe, sem ousadias estéticas, sem reflexões profundas. A obra propõe apenas uma grande lamentação de problemas graves que ocorrem com famílias quaisquer, sem sabermos o porquê, e diante das quais resta apenas lamentar — e, no caso do espectador, chorar junto.

Um Filho (2022)
6
Nota 6/10
  1. Até gosto dos esforços da Direção de Arte em dialogar com o drama: uma pintura abstrata posicionada atrás da cabeça do Nicholas (Thimothée Chalamet da Shopee) quando ele fala que não há explicação lógica para o que sente, a transformação da casa de Beth e Peter, que vai da hamburgueria-industrial pra uma “casa de verdade”, sem falar casa do pai do Peter, Anthony, um ambiente que oprime pela pompa e classe, com direito a colunas gregas na fachada e móveis de madeira que devem valer mais que o PIB do Paraguai.

    O Anthony Hopkins, aliás, é outra coisa boa de um filme que pra mim tem pouquíssimas coisas boas. Ele faz no papel de pai rígido e cruel um vilão tão assustador quanto Hannibal Lecter, além de justificar boa parte da carga e comportamento que Peter carrega consigo.

    Mas para por aí. A passagem do Hopkins já seria mais do que suficiente para justificar as atitudes de Peter, por exemplo, mas o filme faz questão de verbalizar o que já estava claro, pondo palavras do tipo “acho que sou assim por causa do meu pai / Hoje eu tratei o Nicholas da mesma forma como meu pai me tratava”… Nam.

    Fora outras coisas que pra mim soaram meio ridículas, como o título do livro que Peter ganha de presente no fim, que parece ter vindo de uma esquete de comédia, e passagens do tipo “pega-cinéfilo”, na qual tenta enfiar goela abaixo amor por filmes em um dos personagens (“ain, vamos ao cinema, lembra quando a gente ia ao cinema hihi”). NÃO VOU CAIR NESSA!! hahaha

    Mas é isso, adorei o seu texto, como sempre! <3

    1. haha Thimothée Chalamet da Shopee é a melhor descrição que eu poderia ter imaginado. E concordo sobre o Anthony Hopkins, especialmente por ser um personagem quase oposto àquele que interpretou em Meu Pai. Ao invés da fragilidade, a autoridade opressora… Gosto da ideia de uma masculinidade fracassada que oprime essas três gerações, mas concordo que tem algo muito pomposo na descrição dessa burguesia. E achei uma pena que as mulheres não tenham sido aproveitadas de maneira mais eficaz, em especial a nova esposa.

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