The Swimmers (2022)

Para o olhar estrangeiro

título original (ano)
The Swimmers (2022)
país
Reino Unido
gênero
Drama
duração
134 minutos
direção
Sally El Hosaini
elenco
Manal Issa, Nathalie Issa, Matthias Schweighöfer, Ahmed Malek, James Krishna Floyd, Kinda Alloush, Ali Suliman
visto em
Festival de Toronto 2022

Filmes como The Swimmers despertam uma discussão essencial acerca da responsabilidade ética do cinema em relação ao sofrimento alheio. A trama é baseada na história real de Yusra Mardini (Nathalie Issa), nadadora síria que efetuou uma longa travessia em alto mar, com um barco repleto de imigrantes, na intenção de garantir uma vida melhor para si mesma e para a família na Alemanha. Pouco tempo depois, conseguiu participar dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, tornando-se um símbolo de resistência e uma porta-voz dos refugiados do mundo inteiro.

A diretora Sally El Hosaini apresenta esta história de superação como um belo exemplo de que todos, sem exceção, podem atingir seus objetivos caso se esforcem bastante. Os diálogos lembram que muitas pessoas morrem na travessia perigosa (“130 mil pessoas cruzaram o mar este ano; nosso caso não é especial”), entretanto, a Netflix não consegue resistir à ideia tentadora de idealizar a garota porque sofreu muito e conseguiu se reerguer. Parte do cinema de bom coração ainda estima que a função máxima da arte seria avisar ao espectador, no conforto de poltrona ou sofá, que existe sofrimento em outras partes do mundo.

No entanto, a maneira como este lembrete é feito merece ser questionada. Em primeiro lugar, pela decisão de ignorar os componentes políticos que motivam a saída das irmãs Sara e Yusra da Síria. Há bombas por todos os lados, sem dúvida, e o nome de Bashar Al-Assad é mencionado por alto nos jornais. Em contrapartida, o roteiro evita estudar os motivos desta guerra civil, assim como as intenções do ditador com a ação militar interna. Os criadores denunciam um Mal genérico e abstrato, evitando tomar qualquer postura explícita contra o regime.

Segundo, cabe questionar a ideologia que valoriza o caso individual ao invés de observar o problema social e macroeconômico. A heroína consegue o status almejado devido ao talento excepcional para a natação, mas o que dizer de todos os outros? Venerar a exceção, ao invés de tentar compreender a regra, consiste um gesto de romantização do feito raríssimo da protagonista. Que papel deveriam ter os governos locais, as ONGs, e que controle pode ser efetuado contra traficantes de pessoas e atravessadores ilegais? 

The Swimmers contenta-se em lamentar uma situação: veja como sofrem, veja como é difícil a vida destas pessoas. Trata-se de uma obra movida pelo apelo moral, ao invés de um apelo político.

The Swimmers contenta-se em lamentar uma situação: veja como sofrem, veja como é difícil a vida destas pessoas. Letreiros finais relembram o espectador da quantidade imensa de refugiados que ainda existem por aí. O projeto clama pela paz, pela compreensão do outro, mas por nenhuma medida concreta de ajuda a estas pessoas. Trata-se de uma obra movida por apelo moral, ao invés de apelo político. Ou seja, um discurso que solicita mais amor, por favor, com tudo o de belo e de ingênuo que esta demanda possa representar.

Terceiro, e mais importante, encontra-se no tratamento estético. A cineasta trabalha suas metáforas de maneira tão pesada e explícita que beira a comédia involuntária. Cada ato de sobrevivência ou heroísmo das meninas é coroado por câmera lenta, música grandiosa de orquestra, choros de bebê ao fundo, pesadelos com refugiados se afogando ou bichinhos de pelúcia boiando em pleno mar, lembrando todas as crianças que morrem no percurso. A música insiste em nos dizer quando chorar e quando ter esperanças, como se não conseguíssemos perceber por nós mesmos. Os produtores certamente desconfiam de nossa inteligência.

A direção de fotografia de Christopher Ross aposta numa Síria extremamente colorida, de tons saturados, onde o sol invade todas as janelas das casas e ginásios esportivos, a qualquer hora do dia. Quando as bombas caem na cidade, elas atingem em cheio a piscina onde se encontra a protagonista, e — adivinha? — caem em frente à menina apavorada, sob a água. Na viagem à Turquia, os poucos minutos de trajetória por Istambul se convertem num passeio turístico. Há uma tendência a embelezar o sofrimento, a engrandecer conquistas e transformar sofrimentos em grandes pesadelos.

O aspecto mais grave deste paternalismo se encontra na trilha sonora: a Síria é bombardeada ao som de Titanium, de Sia, numa escolha tão óbvia quanto inapropriada (a letra afirma:“Sou à prova de balas / Nada a perder / Atire à vontade, atire à vontade”); enquanto Yusra treina dentro do campo de refugiados ao som de Unstoppable, da mesma cantora. Adiante, quando se forma uma equipe de esportistas refugiados, a trilha sonora entoa a letra: “Eu não me importo de onde você vem”. A mensagem é tão clara, e ao mesmo tempo superficial, que beira a paródia, uma forma de cinema-ONG, de filme-caridade. O projeto não nos oferece nada a pensar, a questionar, a refletir. Pelo contrário, entrega uma mensagem pronta, esperando que a compremos pela intensidade da manipulação emocional.

Neste ponto, reside a sensação mais incômoda de The Swimmers: a impressão de promover entretenimento a partir da dor alheia. Nesta Síria onde os familiares falam em inglês entre si, uma travessia perigosa e repleta de abusos físicos e emocionais é transformada numa aventura emocionante, tensa, digna de uma fantasia de Spielberg. O alerta a respeito do problema mundial provém desta conversão da miséria alheia em matéria de sonho, em pequenos instantes de titilação emocional. 

No fundo, para além de nos transmitir uma mensagem e uma informação, este cinema da urgência acaba por adormecer os sentidos, colocando o espectador numa posição de conforto e passividade. Aos nos mostrar a pobreza extrema em algum lugar longínquo, em posição de olhar externo, paternalista, repleto de julgamentos morais (positivos), apenas nos regozijamos de não estar no lugar deles. Há um conformismo nessa estratégia de conscientização pelo choque e pela idealização, assim como as imagens de pulmões necrosados no verso de pacotes de cigarro. Algumas pessoas ficam com os pulmões assim? Credo. Ainda bem que não me encontro nessa situação. Tudo bem, então.

O que resta de melhor do projeto é a atuação de Manal Issa. A atriz é excelente para este papel, combinando a rebeldia e o afeto real pela irmã. Outros atores se destacam em papéis pequenos, a exemplo de Matthias Schweighöfer e de Ali Suliman. No papel central, Nathalie Issa sustenta durante tempo excessivo o olhar de piedade e dor, mas ela está cercada de profissionais realmente dedicados a transmitir esta história da melhor maneira possível. Se o resultado decepciona, não é por falta de empenho do elenco.

The Swimmers (2022)
3
Nota 3/10

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