Apesar da complexa trama de conflitos e subentendidos, o primeiro elemento que se destaca em Victim diz respeito à direção de fotografia. O filme se inicia nos bancos do fundo de um ônibus, impedido de seguir adiante devido a um acidente na estrada. A câmera então se desloca até a porta, acompanhando Irina (Vita Smachelyuk), que desce na via, pegar as malas no bagageiro e percorre uma infinidade de outros carros engavetados nas pistas, sem um corte sequer. A iluminação permanece impecável em todos estes momentos.
A luz será um motor de deslumbramento ao longo da sessão. O diretor de fotografia Adam Mach mergulha em locais de aparência inóspita para a construção de texturas, profundidades e variedades de luz: um hospital, um salão vazio com janela única, a tenda de uma manifestação, os corredores mal iluminados de um edifício para moradores de baixa renda. Em contrapartida, encontra uma maneira de oferecer imagens nítidas, cuidadosamente enquadradas, valorizando tanto a direção de arte quanto o trabalho dos atores.
Felizmente, tamanho apuro estético se encontra a serviço de uma história de ambições igualmente profundas, evitando chamar atenção a si próprio. A premissa do espancamento de um adolescente ucraniano vivendo na República Tcheca desperta a óbvia simpatia pelo menino e pela mãe, lutando para conseguir a cidadania tcheca. Fosse um drama social de trinta anos atrás, talvez o roteiro pudesse se ater à lamentação do ocorrido, investigando as dores de cada membro envolvido, incluindo os pais das vítimas. O ponto de partida também seria, de certa maneira, o ponto de chegada.
No entanto, o texto oferece uma quantidade expressiva de reviravoltas ao longo de enxutos 91 minutos. O caso desperta uma onda de revolta contra ciganos, ainda mais pobres do que os protagonistas, e acusados de serem os responsáveis pelo caso. Descobre-se que a verdade se encontra à distância destas hipóteses, mas até então, a pequena comunidade ucraniana se volta contra os ciganos; a extrema-direita se ampara do caso para pregar o ódio às minorias; a prefeita utiliza a história para promover a garantia da lei e da ordem; e mesmo a mãe, ciente da mentira propagada na mídia, descobre ganhos pessoais que pode obter a partir desta visibilidade.
A noção de “vítima” se torna mais ampla do que o esperado. Vítimas seriam todos, em especial aqueles tragados por um sistema sobre o qual não possuem nenhum controle.
Como poderia se esperar de um drama denso, distante de ingenuidades óbvias, a noção de “vítima” se torna mais ampla do que o esperado. Vítimas seriam todos, em especial aqueles tragados por um sistema sobre o qual não possuem nenhum controle. O diretor Michal Blasko evita converter a fábula numa gigantesca tragédia — pelo contrário, oferece um simulacro de final feliz que não contenta nenhuma das partes, revelando profundas hipocrisias do mecanismo social. Noções de culpa, remorso e responsabilidade são exploradas com preciosas nuances.
Isso permite que Victim se afaste do formato “mãe coragem” sugerido pela sequência inicial. Irina aparenta ser uma mulher determinada a garantir os cuidados do filho sob qualquer circunstância, porém, a seguir, controla a narrativa relacionada ao ocorrido e diverge das intenções do garoto que, por sua vez, disputará o poder e o controle do caso. O espectador jamais é convidado a sentir pena desta mulher, nem raiva dela quando adota comportamentos controversos. Existe um distanciamento fundamental, em termos de discurso e de imagem (a revelação sobre a verdade ocorre a duas macas de distância), para que o público possa refletir por conta própria.
Vita Smachelyuk contribui à indeterminação do discurso através da composição ambígua, distante do maniqueísmo. A atriz foge aos extremos de fornecer uma mulher forte demais, determinada, ou então uma figura chorosa e piedosa. A vida continua durante a averiguação dos fatos: ela precisa lavar roupas, trabalhar como faxineira, cuidar da infiltração no apartamento. Quando quebram o vidro do carro, cola um plástico no buraco exposto e continua dirigindo. O imperativo do movimento, da necessidade de seguir em frente, abre a possibilidade de várias leituras quanto aos atos desta mulher em perpétuo movimento, conseguindo respirar somente na belíssima cena final.
A ciranda de poderes, a partir de uma agressão falsa, poderia ser interpretada enquanto potente crônica do mundo dominado pelas fake news, quando a veracidade de um fato se torna secundária em relação ao ganho simbólico obtido pelo mesmo. Em contrapartida, Blasko foge tanto à simples denúncia quanto ao sensacionalismo, preferindo fazer com que estes acontecimentos se desenvolvam de maneira orgânica, silenciosa, sem transformar o ritmo da narrativa nem romper com sua imperturbável naturalidade. Ninguém se espanta, implora, grita ou chora.
Neste aspecto se encontra um dos elementos mais perversos e interessantes do longa-metragem: a aparência de normalidade. O levante de extrema-direita se disfarça de uma manifestação aceitável: “São apenas pessoas descontentes com o estado das coisas”, sugere o organizador. A melhor amiga, ao descobrir a mentira, minimiza a opressão contra os ciganos acusados: “Eles iam acabar na prisão de qualquer maneira”. O oferecimento de um apartamento e de um cheque a Irina, por parte da prefeitura, converte-se em prêmio irônico pela saúde debilitada do filho, algo que não soluciona o caso do menino. Mesmo assim, todos continuam seus caminhos.
Victim representa nossa indiferença generalizada ao outro, e a incapacidade de nos comovermos de fato com os problemas alheios. Nas entrelinhas, sem alarde, o drama representa a ciranda do individualismo crescente, coordenado pelas redes sociais, pelos smartphones, pela visão caricatural a respeito das diferenças. O outro que se vire, que lute pela própria justiça, porque problemas eu também tenho aos montes. Há um aspecto fascinante na relação de espectatorialidade desenvolvida com Irina: devemos nos identificar por ela? Torcer para ganhar a cidadania, para levar adiante a farsa?
Blasko se lança num recurso arriscado enquanto diretor, a partir do roteiro de Jakub Medvecký. Ele aposta numa narrativa que acompanha sua heroína o tempo inteiro, ainda que sem compreender ao certo seu raciocínio, nem qual decisão tomará a seguir. Estamos muito próximos dela, fisicamente, porém sem compreendê-la de fato. A partir de qual momento perdemos a adesão por esta mãe sofrida? Qual deslize ético e moral faz com que pensemos: “Agora ela passou dos limites”? Apela-se a um espectador ativo, participativo, provocado da primeira à última cena. A discussão deve reverberar na mente do público muito tempo depois do amargo final feliz.