A premissa deste longa-metragem possui forte potencial: um cineasta teria realizado, vinte anos antes, um documentário expondo as mulheres de seu pequeno vilarejo como responsáveis pela baixa natalidade local. De acordo com as teorias do diretor, elas seriam inférteis. Com base nesta acusação, e explorando as leis religiosas iranianas, os homens desta região montanhosa se divorciaram das esposas para buscarem outras mulheres com quem pudessem ter filhos.
No entanto, passados os anos, percebeu então que o problema não vinha das mulheres, mas dos homens. Eles seriam inférteis, devido aos pesticidas aplicados na lavoura local. Estas explicações são fornecidas desde os primeiros minutos, por uma narração incrivelmente sucinta. Apresenta-se o passado, o presente, o problema e sua solução: a realização de um novo documentário para se redimir com as habitantes e apagar a desonra de que foram vítimas.
Uma Vila Sem Filhos se anuncia como uma curiosa comédia a respeito da disparidade de gêneros no Irã. O cineasta Reza Jamali investigaria, assim, os direitos reprodutivos, a sexualidade e o sexo em contexto islâmico, além da diferença de conhecimento e acesso à cultura entre o campo e a cidade isolada. A promessa do humor a respeito de temas sagrados como reprodução e o matrimônio sugere algo ainda mais ousado, e moralmente provocador.
Esta comédia demonstra interesse nulo por seus personagens. Triste metalinguagem, que termina exatamente onde começou, rindo de si mesma.
Entretanto, o resultado passa longe de qualquer crônica a respeito destes temas. Os conflitos citados acima se convertem em mero pano de fundo para que uma equipe incrivelmente atrapalhada retorne ao campo, câmera em punho e microfone enfiado na cara dos entrevistados, para filmá-los contra a sua vontade. Em outras palavras, o interesse reside na estética do mockumentary, e na brincadeira de fazer um cinema amador, improvisado. Explora-se o prazer de fingir desconhecimento das regras do cinema, realizando um projeto com aparência de fracasso.
Pode-se falar, portanto, no making of cômico de um falso documentário. Isso porque o ponto de vista privilegia o olhar externo à equipe, seguindo diretor, produtor e diretor de som em sua peregrinação casa a casa. Imagine todos os quiproquós possíveis de uma trupe inexperiente: não sabem bater a claquete; invadem a imagem durante uma entrevista; prejudicam a captação de som com barulhos; riem dos testemunhos das mulheres enquanto elas falam. Diretor e assistente têm a tendência estranha de se enquadrar à frente dos personagens.
O dispositivo funciona até certo ponto. Projetos de humor metalinguístico possuem a capacidade de levar o espectador à reflexão da própria imagem enquanto feitura e processo. Caso bem executado, esta forma de distanciamento pode despertar uma reflexão crítica importante. No entanto, Uma Vila Sem Filhos constitui um filme de uma piada só. Os quiproquós da cena inicial se repetem, insistentemente, até a sequência final.
Kazem, o cineasta fictício, cola a câmera ao rosto de qualquer um na rua, antes mesmo de perguntar se aceitam ser filmados. Invade um parto para gravá-lo, contra a vontade dos familiares. Faz aquele patético sinal do enquadramento com as mãos, como nenhum cineasta real faria. Os problemas de captação de som e enquadramento se mantêm idênticos. Como um personagem, com experiência de décadas no audiovisual, agiria daquela maneira?
Conforme a narrativa avança, reforça-se a impressão de uma esquete humorística alongada, sem nenhuma forma de desenvolvimento nem interesse temático pelo conflito retratado. Tampouco havia material suficiente para um longa-metragem. A falsa equipe poderia estar investigando fazendeiros, comerciantes, discutindo o clima ou a religião. Não faria a menor diferença.
Logo, Jamali abandona toda a contextualização social que poderia tornar a sua aventura política, ou pelo menos provocadora — caso em que o humor paspalhão atingiria um potencial mais interessante. O que pensam desta situação as raras famílias com filhos? Como são vistas pelos demais? Como funcionam os serviços médicos de fertilidade no país? O que pensam as parteiras, os médicos e médicas? Não se sabe. Caso trechos do documentário fictício original, acusando as mulheres, fossem resgatados, serviriam de contraponto ao segundo filme.
Ora, a narrativa prefere mencionar um dilema que nunca ousa representar em imagens. Cena após cena, as pessoas repetem falas quase idênticas. “Eu sempre quis ter filhos, mas infelizmente, um bebê nunca veio. Malditos pesticidas… Eu me divorciei, mas depois casei novamente com minha esposa”. Às mulheres, cabe lamentar o filho que não tiveram. O roteiro despreza por completo sua subjetividade, a diferença entre eles. Reduzem-se à função básica de homens e mulheres, esposos e esposas. Estranha sensação de terminar um filme sem conhecer nenhum dos personagens à nossa frente.
Enquanto isso, inserem-se uma dezena de risos incontrolados dos cineastas improvisados, embora o espectador não esteja envolvido na raiz nem na contextualização destas piadas. Aparentemente, existe um número elevado de homens com alguma forma de deficiência intelectual pela região. Um policial sonha em se casar com a “Senhora Médica”. Multiplicam-se as pontas soltas, as possibilidades de subtramas e encontros entre personagens. Nenhum deles se concretiza de fato. Os habitantes dizem “Nunca falarei de novo para a câmera de Kazem” e, num corte da montagem, prestam depoimento ao vizinho mais uma vez. Ignoramos o motivo que levou à mudança de ideia.
No fim, esta comédia demonstra interesse nulo em seus personagens, seus dilemas, seus pensamentos políticos. Não se preocupa com a condição feminina, a infertilidade, nem com o suposto filme fictício elaborado junto aos moradores. Tudo o que se passa em frente às imagens constitui mera desculpa para colocar homens adultos filmando como crianças inconsequentes. O cinema se torna uma desculpa, uma brincadeira, uma enganação, um passatempo. Triste metalinguagem, que termina exatamente onde começou, rindo de si mesma. O mundo ao redor não lhe interessa.