Os primeiros motivos de atenção neste filme suíço são de ordem estética. Primeiro, a janela de exibição, ou seja, o formato da tela, soa mais próximo do quadrado do que do retângulo habitual (pela proporção 1.78 : 1). A organização destes espaços ocorre através de enquadramentos pouco habituais: as pessoas são vistas ao longe, espremidas no terço inferior da imagem, deixando um amplo céu azul dominando 2/3 do quadro. Às vezes, uma gigantesca árvore ocupa a maior parte da tela, ao passo que os personagens se encontram ao lado, diminuídos no terço à direita e à esquerda.
Apesar disso, o material humano constitui o foco da trama. Enquanto conversam à distância, o som de suas falas é nítido, limpo, como se estivessem ao lado do espectador. Temos a impressão estranha de espiar personagens com escutas presas aos corpos, permitindo compreender, à revelia, o conteúdo de suas falas. O procedimento faz sentido para uma trama a respeito de patrões preocupados com o rendimento de seus operários numa fábrica de relógios, e inquietos quanto ao movimento sindicalista anarquista que se instala no local.
Em paralelo, as cores são pouco acentuadas, “lavadas”, enquanto as luzes permitem feixes leitosos entrando pelas janelas, atenuando os detalhes dos objetos e figurinos. Assim, os trabalhadores e trabalhadoras se tornam mais parecidos, equivalentes, quase intercambiáveis. Os cenários também perdem sua especificidade: filmados por batentes e fachadas comuns, poderiam equivaler à organização trabalhista de qualquer país, num tempo próximo do fabular, do universal. Esta é a Suíça do século XIX, mas também um espaço pertinente a qualquer sociedade marcada por fortes desigualdades sociais.
Os procedimentos poderiam decorrer de mera vaidade da direção, uma maneira de chamar atenção a si mesmo — uma diferença pelo prazer de fazê-lo. Ora, o diretor, roteirista e montador Cyril Schäublin busca uma forma inteligente e provocadora de transmitir, na linguagem, a política discutida pelo conteúdo. Em outras palavras, para um discurso revolucionário, uma forma revolucionária. Isso significa, em primeiro lugar, que não há protagonistas no filme. A organização da história, assim como aquela do filme, é horizontal e desprovida de líderes ou heróis. Uma dúzia de personagens toma à frente em algum momento, dividindo o tempo de tela e a função na jornada.
Para um discurso revolucionário, uma forma revolucionária. […] A organização da história, assim como aquela do filme, é horizontal e desprovida de líderes ou heróis.
Em seguida, não existe hierarquia entre a natureza e as pessoas, entre a cidade e os indivíduos, ou entre o som e a imagem. Árvores podem ser enquadradas como num retrato, enquanto humanos são equilibrados ocupando o fundo do quadro. Nas diversas cenas de coletividade, escutamos o som de duas ou três pessoas conversando, sem saber exatamente de quais corpos está emanando o som – ele poderia vir de qualquer um, pouco importa. A banda sonora jamais explica ou preenche a imagem, possuindo função própria. Apesar de desempenharem trabalhos distintos, som e imagem não poderiam existir um sem o outro, a exemplo das peças do relógio montadas freneticamente pelos homens e mulheres na esteira de produção.
Assim, o filme despreza sequências de individualização, ou situações que possam tornar estes personagens especiais, únicos. Não há nenhuma imagem em suas casas, com seus conflitos amorosos, dilemas de saúde, etc. As discordâncias e consensos ocorrem unicamente no que diz respeito à organização sindical: devem apoiar a greve em Baltimore, nos Estados Unidos, enviando uma fração de seus salários aos anarquistas do outro lado do Atlântico? Devem participar da encenação de uma batalha? Em troca de quanto dinheiro? Devem desacelerar o ritmo de produção, para não serem cobrados por uma produtividade cada vez maior, e inalcançável?
Terminamos a trama conhecendo poucos nomes de personagens, ou seus objetivos a longo prazo. Em contrapartida, desenha-se um movimento notável de transformação da coletividade em protagonista. Isso se desenha no interior da usina, no bar anarquista ao lado (onde a troca de mapas na parede é sujeita à votação) e nas ruas ao redor, onde as mulheres compram fotos de anônimos que representam ícones revolucionários aos seus olhos. A conclusão tratará de gravar alguns deles em imagem para a posteridade, relembrando a função do cinema e da fotografia de congelar o real, elevando ao status de protagonistas aqueles que a História costuma relegar à figuração.
Enquanto isso, os atores são dirigidos para uma atuação profundamente naturalista. Esqueça o aspecto rígido e pomposo da reconstituição de época, com seu linguajar literário e corpos eretos, oprimidos por corpetes, casacos e chapéus. Há uma sensação de conforto com as falas e roupas, vindas de mulheres que nunca se assemelham totalmente às figuras de dois séculos atrás, mas tampouco seriam confundidas com mulheres dos nossos tempos. Schäublin extrai da narrativa antiga a condição de origem de um movimento, em detrimento da busca por uma exatidão histórica. Existe um caráter fabular (vide a conclusão na floresta) que nos afasta da reconstituição exata de uma época.
Neste espaço, os relógios funcionam como ótima metáfora cinematográfica do tempo enquanto construção social e artística. No vilarejo há quatro marcações distintas do horário, conforme as conveniências capitalistas — os patrões trabalham com a hora adiantada em oito minutos, para ganhar uma fração de tempo de seus operários. O frenesi cômico de Charles Chaplin em Tempos Modernos (1936) dialoga com esta abordagem mais sutil, porém ainda potente em termos políticos, compreendendo cada trabalhador na condição de peça literal de um funcionamento coletivo. As pessoas são doces, educadas, mas jamais passivas. Quando se revoltam contra o sistema, elas o fazem sem heroísmo. O ativismo ocorre no dia a dia, organicamente, sem sobressaltos.
Cogita-se o ideal da política enquanto gesto elaborado pelas massas, para as massas, num avesso do princípio hollywoodiano da individualidade heroica capaz de salvar o coletivo. O ritmo contemplativo soa avesso à tradução brasileira de “Agitação”, porém pertinente à ideia de um grupo que se mobiliza. O título internacional, “Unrest”, faz referência ao descontentamento e à não-conformidade, além de representar uma das principais peças do relógio mecânico. Nesta narrativa repleta de dados, contagens e cronometragens, marcada pelos procedimentos burocráticos e formais, o cineasta encontra uma inesperada doçura das cores e dos tons, uma forma de humanização que enxerga na militância um gesto de afeto, ao invés de brutalidade.