Who Do I Belong To (2024)

Vidas fúnebres

título original (ano)
Mé el Aïn (2024)
país
Tunísia, França, Canadá
gênero
Drama, Suspense
duração
117 minutos
direção
Meryam Joobeur
elenco
Salha Nasraoui, Mohamed Hassine Grayaa, Malek Mechergui, Adam Bessa, Dea Liane, Rayen Mechergui, Chaker Mechergui
visto em
74º Festival de Cinema de Berlim (2024)

O filme não esconde de ninguém, desde as suas primeiras imagens, a vocação por um drama sombrio, de profunda tensão. Antes mesmo de revelar o motivo pelo qual os dois filhos mais velhos de uma família desaparecem, observamos os rostos dessas pessoas bem de perto, numa imagem em formato próximo do quadrado, com profundidade de campo reduzida. A imagem chega a se focar apenas no olho, desfocando o nariz, e vice-versa —aproxima-se como se buscasse entrar no rosto dos atores.

Estes, por sua vez, oferecem composições graves. Estão sempre de aparência emburrada, ocultando um segredo, sofrendo em silêncio, ou aguardando a confirmação de más notícias. Não exageram no sentimentalismo, porém reforçam a impressão de que todas as sequências precisam ser pesadas, ameaçadoras. Mãe, pai, filho pequeno e o policial amigo perambulam por estas terras como se carregassem o peso do mundo nas costas, e soubessem que a situação apenas pioraria dali em diante.

Who Do I Belong To impressiona pela construção de tom e atmosfera da cineasta Meryam Joobeur. Por ter em mãos um tema denso (a partida dos filhos para integrarem o ISIS), decide que o filme precisa ser igualmente sinistro, desprovido de qualquer forma de relaxamento, humor ou leveza para equilibrar tamanha carranca. Por isso, aposta em figuras refletindo caladas, diante de um mar revolto; outros cogitando encerrar a própria vida do alto de um desfiladeiro, além da mãe cujo corte na mão jamais cicatriza, em sinal (óbvio e shakespeariano demais) das feridas ainda abertas.

Joobeur encara o terrorismo pelo espetáculo de sensações, ao invés de uma reflexão distanciada deste fenômeno.

Entretanto, algumas escolhas facilitariam o trabalho de identificação do espectador. Em primeiro lugar, a escolha do ponto de vista. O longa-metragem se divide em capítulos, de nomes igualmente autoimportantes: “Capítulo 1: As consequências”, “Capítulo 2: Uma sombra surge”, “Capítulo 3: Despertar”. No segmento inicial, a autora aparenta acompanhar o calvário familiar pela perspectiva simultânea da mãe Aïcha (Salha Nasraoui) e do filho menor, Adam (Rayen Mechergui). Ela compreende bem até demais os riscos da decisão repentina dos garotos, já ele teima em avaliar a situação.

Ora, nos trechos seguintes, a câmera abandona esta perspectiva pessoal, observando a galeria de personagens com mesma distância. O roteiro se esquece durante tempo considerável do garotinho, e transforma a mãe numa incógnita. Prefere se focar, então, no pai controlador, no policial sempre presente, no filho que retorna, e na misteriosa noiva dele. Saímos do olhar subjetivo e pessoal para um mosaico que não se envolve com estas subjetividades, posto que os parentes falam pouco, e transmitem ainda menos informações. Restamos com um festival de rostos preocupados.

O projeto vai além: rumo ao final, estima que guardou os segredos por tempo suficientes, e simplesmente decide revelá-los em flashbacks explicativos. Testemunhamos, enfim, o que ocorreu a Mehdi (Malek Mechergui) e Amine (Chaker Mechergui) no campo de batalha. Na única cena de ação do projeto, o dispositivo dos planos fechadíssimos testa o seu limite, posto que a imagem apenas treme sem rumo, nervosa e febril, confundindo os sentidos ao invés de esclarecê-los. 

Joobeur encara o terrorismo pelo espetáculo de sensações, ao invés de uma reflexão distanciada deste fenômeno. “Minha família é tudo o que eu tenho. Então a quem pertenço agora?”, lamenta-se o pai, em raro lampejo de fragilidade, diante da destruição do núcleo familiar — e justificando o título internacional. Para personagens tão inquietos com “o que os outros vão pensar”, chega a ser curiosa a ausência de vizinhos, amigos, familiares. A única figura de autoridade, representada pelo gentil Bilal (Adam Bessa), não demonstra a mínima vontade de persegui-los. Os parentes devoram-se entre si, sofrendo com antecedência pela punição externa, que nunca chega.

O tratamento estetizante atinge seu ápice nas cenas de Aïcha no campo de flores (vide imagem de destaque acima). Este fragmento se prova tão belo quanto artificial, inorgânico: o elenco foi claramente disposto ali para gerar esta pintura plasticamente interessante, ainda que desconectada de sentido simbólico ou narrativo. Nota-se uma grande vontade de impressionar, de soar profissional e complexo, em detrimento de efetuar uma descrição detalhada dos personagens. 

Neste sentido, os filhos reclamam de serem tratados como burros de carga pelo pai, embora nunca vejamos tal manifestação por parte do patriarca. Adam manifesta verdadeiro pavor pela noiva de seu irmão, sempre vestida com o niqab, apesar de as suspeitas também soarem exageradas (pelo menos, a partir das poucas informações de que o menino dispõe). Bilal discorre acerca da longuíssima amizade com os jovens convertidos em terroristas, mas o espectador tampouco testemunha a proximidade destes laços. Teria sido importante representar em imagens o afeto e o desafeto, ao invés de simplesmente mencioná-lo em diálogos.

Por fim, Who Do I Belong To se torna um filme de poses. Deseja ser considerado maduro, pelo teor sorumbático de cada cena, e pelos enfeites constantes de fotografia e som (os devaneios no campo, os ruídos altíssimos para provocar impacto). No entanto, se esquece do valor da simplicidade, ou de equilibrar a mise en scène soturna com passagens de respiro ou ambiguidade. Quando tudo é asfixia, nada o é; ou melhor, quando tudo visa provocar inquietação, nenhuma imagem realmente comove. 

Assistamos, um tanto apáticos, ao desfile de lamentações e rancores contidos, posto que a diretora evita se identificar com qualquer um dos familiares e adotar a perspectiva deste. Rende-se, desta maneira, à seriedade do tema, ao invés de se impor a ele e manifestar um posicionamento claro a respeito. O drama termina por somente lamentar a desinformação que leva tantos garotos muçulmanos ao caminho do radicalismo, sem nunca investigar de que modo esse processo ocorre, por iniciativa de quem, e o que o ISIS realmente significaria hoje. Some a análise, fica o pesar. 

Who Do I Belong To (2024)
5
Nota 5/10

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