Seita (Satoshi Inagawa) vive num impasse. O criador de música eletrônica não consegue terminar uma faixa encomendada pelos chefes. Em casa, a namorada quer pensar sobre o futuro do casal, embora ele prefira evitar o tema. Diante das dificuldades, o jovem foge para as montanhas, onde existe a casa vazia do avô falecido. Seita pretendia ficar sozinho no local, mas descobre que a irmã Azumi (Shiho Tanaka) também decidiu passar uns dias no imóvel, e ainda pretende trazer o namorado.
O delicado Conduzindo seus Pássaros constitui o segundo longa-metragem do diretor Takeru Ozaki, e teve sua primeira exibição mundial na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O drama mergulha nos sons da cidade e do campo, assim como o desejo da solidão e a pressão pela coletividade. Confira o bate-papo com o cineasta sobre o projeto:
A estética do seu filme é bastante particular. Você trabalha com imagens de baixo contraste, sempre fixas, em planos longos. Por que fez estas escolhas?
Tenho muita simpatia pelos filmes de Ozu e, para mim, o maior diretor da história do cinema é Jim Jarmusch. Amo Estranhos no Paraíso (1984), por exemplo. Por isso, sempre gostei dos planos fixos, e acredito que estes cineastas tenham sido um dos motivos para escolher esta estética em Conduzindo seus Pássaros.
Além disso, decidimos pelos planos fixos porque eu queria fazer um filme silencioso e simples, para que o olhar do espectador pudesse passear pelas imagens. Queria um filme de poucos diálogos, então tentei criar uma atmosfera concentrada. Neste contexto, os planos fixos se adequavam muito bem.
É interessante você falar em um filme silencioso, porque os sons são importantíssimos nessa trama. Você também inclui uma personagem surda.
Este é um filme sobre a comunicação. Seita fica muito estressado com o ritmo da cidade — este é um dos principais conflitos dele. Por isso, ele se muda para o campo, em busca deste contraste de geografias, mas também de sons. A maioria da narrativa, aliás, se passa nesta casa afastada, no campo. Então, quis mostrar que os sons podem ser uma linguagem própria no cinema. Por exemplo, Azumi ronca muito alto, e invade o espaço de Seita. Queria provocar este contraste: num filme silencioso, os momentos de intervenção do som se tornam ainda mais importantes.
Sua atriz principal é surda?
Não. Ela é uma atriz japonesa ouvinte. Mas no começo do projeto, só havíamos nós três: Satoshi Inagawa, Shiho Tanakae eu. Nós nos reunimos durante a pandemia de coronavírus e conversamos sobre este projeto. Decidimos fazer um filme, mas os dois me trouxeram uma proposta: eles queriam aprender alguma arte que pudessem aprofundar graças à preparação para o filme. Inagawa quis aprender música, e Tanaka escolheu a linguagem de sinais. Este foi o começo do projeto. Escrevi o projeto baseado nestas “regras”.
Além disso, eu também sou surdo, e por isso tenho muito interesse na representação das libras no cinema. Existe uma opinião crescente de que personagens surdos precisam ser interpretados por artistas surdos, e eu concordo com isso. Mas eu também queria chegar a um público ouvinte de maneira mais ampla. Isso motivou as nossas escolhas.
Sempre quis fazer filmes mínimos. Não me interesso por algo que não diga respeito à minha experiência pessoal.
Seita é um personagem curioso. Sempre que alguém o confronta, ele simplesmente some. Por que imaginou este personagem com tanta dificuldade de lidar com conflitos?
Queria que fosse um personagem egoísta. Na verdade, isso vale tanto para Seita quanto para Azumi. Ele foge sem dar explicações a muitas pessoas, o que pode ser considerado um gesto egoísta. Ele faz escolhas egoístas ao fugir dos colegas de trabalho. Mas ele também quer continuar com as composições musicais no final. Então, apesar de ter sumido, acredito que, no fundo, ele queira seguir nesta carreira.
Além disso, queria uma narrativa cíclica, terminando onde começou. Isso daria uma impressão de que a história poderia se repetir, de novo e de novo. Seita continuará criando, assim como os colegas dele no mundo da música. Criadores são sempre assim. Eles enfrentam períodos difíceis, mas sempre podem continuar.
O roteiro não traz grandes conflitos para transformar os personagens. É uma jornada cotidiana, minimalista. O que te interessa nesta abordagem?
Sempre quis fazer filmes mínimos. Não me interesso por algo que não diga respeito à minha experiência pessoal. Quero retratar algo que venha da minha vivência, e que eu me sinta confortável para abordar. Por isso, escolho trazer poucas mensagens ao filme, o que dá essa impressão de minimalismo. Pegue o caso dos sons. Seita compõe uma música no começo da trama, e no final, cria outra canção, que serve como uma versão da composição inicial.
Queria que este fosse um filme compacto, inclusive na abordagem da música. Assim, todos entenderiam que esta é a única mensagem que temos a transmitir. É algo simples, e espero que os espectadores compreendam isso.
Conduzindo seus Pássaros também tem bastante humor de situações, algo que me surpreendeu.
O humor vem quase inteiramente dos meus atores, porque o roteiro se concentrava unicamente no egoísmo dos personagens. Para mim, a figura mais engraçada do filme é o namorado, que chega mais tarde. Ele é barulhento, um pouco invasivo. Por exemplo, ele não utiliza linguagem de sinais para se comunicar com a namorada, apenas mensagens escritas no papel e no celular. Ao mesmo tempo, ele é atencioso e afetuoso com ela. Na minha opinião, sinto que o humor nasce principalmente dele, quando tenta levar Seita para casa depois do passeio dos três. Eu me divirto com a maneira como Seita sai correndo, por exemplo. Espero que o público perceba esse tipo particular de comicidade.
O título também é bastante cômico. Seita passa o filme inteiro buscando por pássaros que não consegue ver. Só o espectador os enxerga, na imagem inicial.
No começo, o título aparece junto dos pássaros, mas conforme os galhos balançam, o título desaparece junto. Acredito que este plano seja o melhor resumo do filme na totalidade. Em japonês, o título original não tem o “seus” pássaros, porque este possessivo não existe na nossa língua. É algo mais simples e poético, creio. Mas em inglês, introduziram este “seus”, o que modifica o ponto de vista. Em japonês, o sentido fica mais próximo dos sons, significando “como tocar bem a música”, enquanto, em inglês, parece algo na linha de “como ajudar uma pessoa a tocar bem”. Em inglês, o ponto de vista fica mais próximo de Azumi, mas em japonês, a perspectiva pertence a Seita. Gosto desta diferença de sentidos.
O humor vem quase inteiramente dos meus atores, porque o roteiro se concentrava unicamente no egoísmo dos personagens.
Este é o começo da carreira do seu filme. O que significa para você esta estreia em solo brasileiro?
Eu nunca teria imaginado que esse filme começaria sua carreira no Brasil. Estou felicíssimo de começar a trajetória dele do outro lado do mundo. Já exibimos o filme três vezes na Mostra até agora, e os espectadores vieram me dizer, no final, que adoraram os sons. Fico muito satisfeito e honrado com este acolhimento pelos espectadores brasileiros.
Por exemplo, me falaram do bairro japonês, então fui visitar a Liberdade. Vi muito da minha cultura preservada ali. Quero mostrar às pessoas desta comunidade meus trabalhos, porque acredito que eles possam ver o que está acontecendo no Japão atualmente. Eles podem ver se algo mudou, e comparar com a sociedade brasileira. Tenho vontade de organizar mais sessões de Conduzindo seus Pássaros em São Paulo — e pelo mundo afora, claro. Mas posso dizer que meu filme nasceu em São Paulo, o que me deixa muito feliz.