Festival de Vitória 2024 | Como falar sobre o meio ambiente?

A 7ª mostra de Cinema Ambiental no 31º Festival de Vitória trouxe algumas surpresas. Entre os quatro curtas-metragens selecionados, encontram-se formas de cinema completamente distintas — para não dizer opostas. É difícil pensar que uma curadoria tenha apreciado, ao mesmo tempo, uma iniciativa estética e reflexiva como A Fumaça e o Diamante, e a reportagem singela de Antes que o Porto Venha.

A Fumaça e o Diamante

A principal vantagem da seleção tão desigual consiste em demonstrar ao espectador a imensa amplitude de estratégias e discursos possíveis face ao cinema ambiental. A Fumaça e o Diamante, de Bruno Villela, Fábio Bardella e Juliana Almeida, decide que a política passa primeiro pelas formas.

Os autores partem de uma fala de David Kopenawa a respeito do genocídio do povo Yanomami e da diferente percepção de valores entre o homem branco e os povos originários. Logo, com excelente fotografia de Bardella, o trio trabalha as silhuetas da natureza e dos corpos, sobre os quais são projetadas as legendas em português, no meio do enquadramento. Quantos filmes pensam a legenda enquanto elemento gráfico e estético, a combinar com o restante da imagem?

Assim, os cineastas chamam atenção suplementar às palavras (colocando a língua yanomami em condição de protagonismo) enquanto retiram a impressão de um cinema indígena focado apenas no documentário e no naturalismo. Aqui, a atenção a natureza se funde a um refinamento exemplar de linguagem e de discurso.

Antes que o Porto Venha

Em contrapartida, Antes que o Porto Venha acredita que a relevância do discurso dispense a atenção à imagem e ao som. Por isso, limita-se aos recursos consagrados da reportagem televisiva: a narração didática em off, a proliferação de planos aéreos com drones, as entrevistas protocolares com habitantes e responsáveis. Todos os cidadãos reforçam um único discurso: a chegada de um porto em Presidente Kennedy (ES) seria catastrófico à natureza e aos moradores.

Munido das melhores intenções, o projeto negligencia os cuidados mínimos de imagem, som e montagem. A entrevista com um representante religioso traz uma textura digital de baixíssima qualidade e som deficiente, enquanto a fotografia fica ajustando o enquadramento e pensando sobre a melhor maneira de filmar o entrevistado, enquanto a conversa se desenvolve. Outros depoimentos sofrem com o desnível grave de iluminação e captação (ou mixagem) sonora. Cinematograficamente, trata-se de uma iniciativa amadora, em ambos os sentidos do termo: movida por um afeto genuíno, e também carente do conhecimento mínimo esperado dos profissionais.

Elizabeth

Entre os dois, foi exibido Elizabeth, de Alceu Luís Castilho, Luís Indriunas e Vanessa Nocolav. Os cineastas conversam com Elizabeth Teixeira, líder histórica das Ligas Camponesas, e personagem central de Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. Aos 98 anos, ela relembra a importância da reforma agrária e de seu percurso.

Apesar da relevância evidente de conversar com a personagem, em vida e lúcida, o documentário se desenvolve de maneira laudatória e tradicional, acreditando que o tema carregue valor em si, caso em que a filmagem com a senhora apresenta cuidado modesto com as ferramentas da linguagem cinematográfica. Podemos defender um filme somente por suas boas intenções? Há temas mais importantes do que outros — e, portanto, que dispensam o pensamento estético?

Bauxita

Em chave igualmente didática, porém muito mais aprimorada, Bauxita, de Thamara Pereira, decide investigar o poderio econômico dos mineradores na cidade de Belisário (MG), onde um frei começa a receber ameaças de morte por sua defesa da natureza.

Embora o conteúdo informativo esteja presente, a cineasta demonstra uma preocupação notável com suas composições, com a luz, o som, a montagem. Ela combina as entrevistas tradicionais com um olhar poético à bauxita e à rotina na comunidade pacata. Para os amantes de um cinema documentário tradicional (para quem a explanação de fatos vem em primeiro lugar), a obra comprova a possibilidade de seguir o modelo clássico-narrativo com qualidade.

Ao final, a mostra de Cinema Ambiental comprova o abismo separando o cinema documental preocupado com a arte (ou seja, com o aspecto de construção, além da autoria, das formas, do ritmo) e aquele que enxerga no cinema mero suporte para difundir uma causa considerada justa (caso em que um podcast, um panfleto ou roda de conversa exerceriam função semelhante).

“As pessoas precisam saber do que acontece naquela região”, repetem com frequência os criadores de obras informativas, coincidindo as suas funções com aquela dos jornalistas. Sim, de fato, porém de que maneira? O bom cinema não nasce no quê se conta, mas em como o objeto é contado.

Qualquer tema (por mais nobre que seja) pode dar origem a um filme excelente ou péssimo (ou todas as possibilidades entre os dois), cabendo ao criador pensar as ferramentas audiovisuais mais expressivas e apropriadas para valorizar o debate. Desprezar a linguagem em nome da importância da reflexão equivale a desprezar o próprio cinema.

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