A série brasileira Lov3 (2022) parte das melhores intenções: retratar a pluralidade sexual e de gênero numa perspectiva contemporânea, desprovida de julgamentos morais. Todos os protagonistas, sem exceção, representam múltiplos espectros da sigla LGBTQIA+, enquanto manifestam sexualidades fluidas, acolhedoras e sem a necessidade de se rotular. O preconceito social e a dificuldade de se assumir, dois motores tradicionais desta forma de narrativa, são deixados em segundo plano: a história se situa num momento posterior a estas fases iniciais.
Por isso, os protagonistas podem simplesmente manifestar sua busca íntima pela liberdade e o prazer, enfrentando julgamentos pessoais de ordem afetiva ao invés daqueles relacionados aos dogmas da religião cristã. Os criadores Felipe Braga e Rita Moraes concebem trisais jovens, a possibilidade de o relacionamento adquirir um quarto vértice, além de relacionamentos abertos, de formas de submissão, fantasia etc. Nada constitui tabu nos curtos episódios que incluem cintaralha, garotos chamados de “putinha” pelo “hétero curioso” e nudez descomplexada.
Em contrapartida, tamanha abertura à diferença carece de um tratamento mais cuidadoso de roteiro e direção. Os irmãos Sofia (Bella Camero), Beto (João Oliveira) e Ana (Elen Clarice) são definidos apenas por sua sexualidade, possuindo um único conflito central ao longo da curta temporada: a primeira deseja ser aceita pelo trisal com quem compartilha a casa, o segundo se envolve com um sujeito enrustido e arrogante, e a terceira navega por um relacionamento aberto, sem estar apaixonada pelo namorado.
Questões de ordem profissional, de autoestima, de origem familiar e de planos para o futuro são mal detalhadas: Ana possui o cargo de cozinheira, embora nunca a vejamos cozinhar, e tampouco descubramos seu apreço por este ofício. Beto e Sofia pulam de uma cama à outra, de uma festa a um bar de orgias, numa existência tão leve quanto inconsequente. Nenhum deles aparenta desejar nada a longo prazo para si próprio, flutuando conforme os ventos os carregam. O texto coincide liberdade (sexual, afetiva) com inconsequência, retratando uma galeria pós-moderna de jovens blasés.
Pela dificuldade em situar a sexualidade num contexto social amplo (capitalista, urbano, neurótico, solitário, carente, voltado à performance e à autoimagem), os personagens soam como caricaturas do progressismo, ao invés de sujeitos emancipados. A disposição quase obrigatória de um gay, uma lésbica, um bissexual etc. se assemelha à pluralidade sexual de um clipe de Michael Jackson — as figuras passam a representar estereótipos, grupos sociais delimitados, em oposição a indivíduos dotados de uma subjetividade complexa.
Assim, a maneira como Joaquim (Caio Horowicz), Matheus (Jorge Neto) e Isa (Ingrid Gaigher) soa contraproducente. O trio de namorados adquire a configuração de um grupo bagunçado, indiferente, e incapaz de funcionar enquanto adultos inseridos num contexto onde a heteronormatividade predomina. Felizmente para eles, dinheiro aparece sem problemas, e ninguém enfrenta dificuldades para ganhar a vida — sabe-se lá como. O retrato LGBTQIA+ jamais fura a bolha de uma classe média utópica, onde as dificuldades financeiras são inexistentes.
O retrato LGBTQIA+ jamais fura a bolha de uma classe média utópica.
Se Chico Mendes afirmava que ecologia sem luta de classes é jardinagem; pluralidade sexual e de gênero sem luta de classes seria festa à fantasia. Ora, Sofia, Beto, Ana, Joaquim, Matheus e Isa, além de Baby (Chris Couto), Fausto (Donizeto Mazonas), Luís (Samuel de Assis) e Artur (Drayson Menezzes) preocupam apenas em amar ou ser amados, a exemplo das comédias românticas heterossexuais dominantes no imaginário do audiovisual industrial norte-americano. Nenhum deles possui vida social efetiva. Pobre Luís, que perambula pelo apartamento até ser esquecido na reta final, e Artur, que espera pela chegada da namorada assistindo a um filme no computador, com uma cerveja na mão, como quem aguarda o “ação” do diretor para existir.
Em paralelo, a narrativa sofre com a construção de cenas curtíssimas. É difícil determinar se a montagem de Livia Arbex e Paulão de Barros efetua essa escolha deliberadamente ou pela falta de material a articular, porém eles trabalham com decisões e transformações que ocorrem em segundos — vide as idas e vindas de Ana com o namorado, as inúmeras recaídas de Beto com o Hétero Curioso, e as investidas consecutivas de Sofia em cada membro do trisal. O momento posterior a um jantar incômodo, na casa de Ana, se resolve literalmente em três segundos, via voz off de Artur.
Falta à trama o tempo de contemplação, de desenvolver causas e consequências, medos e desejos. A tensão está inexistente na obra sucinta, composta por apenas seis episódios de 30 minutos cada, buscando articular a vida afetiva de uma dúzia de personagens. A montagem os trata como sujeitos de um filme de ação: eles beijam e fazem sexo, entram e saem de espaços fechados, dirigem e pegam o ônibus. Esta juventude se limita à exterioridade, enquanto os dilemas íntimos por trás de cada decisão estão ausentes. Beto teria demorado a aceitar de novo o amante desrespeitoso? O trisal teria instantes de carinho após cada briga na cozinha? Não sabemos, porque o tempo se apressa: eles precisam passar à nova festa, descoberta sobre a proprietária da casa, e assim por diante.
A maneira apressada como o projeto é conduzido se reflete no tom desnivelado das cenas e dos atores. Enquanto a excelente Bella Camero demonstra uma naturalidade exemplar, dominando as suas sequências — sobretudo aquelas com Ingrid Gaigher, igualmente talentosa —, João Oliveira multiplica os tiques com os olhos e a boca, e Chris Couto aposta numa composição histriônica, desprovida de variações. É uma pena perceber que nenhum personagem evolui de fato — a temporada simplesmente se suspende sem uma conclusão, preferindo inserir um gancho inesperado para a sequência ao invés de conferir tempo aos heróis para assimilarem suas pequenas conquistas.
Assim, o humor soa vacilante, um tanto tímido, do tipo que pede desculpas por existir. As sequências do cachorro, da possível DST da mãe idosa e da caixinha escondida deveriam provocar certo senso de rebeldia, porém perdem sua força ao desconhecermos o papel destes elementos na vida dos personagens até serem mencionados pela primeira vez. Lov3, em seu discurso acolhedor, termina exatamente onde começou: na constatação de uma juventude plural, buscando se encontrar. A série não avança na compreensão desta pós-modernidade, nem em seus desafios, embora transborde de afeto por cada um deles.