Sandra (Alba Liliana Agudelo Posada) anda de ônibus. A cena inicial de La Piel en Primavera demora longos minutos, em plano-sequência, atenta ao percurso de veículos pelos bairros populares da cidade. Através desta construção simples, o espectador descobre bastante a respeito da protagonista. Trata-se de uma mulher de condição financeira baixa, porém estável; muito acostumada a pegar o transporte público e ficar espremida de pé, posto que os lugares para sentar estão ocupados. Visivelmente, trata-se de um dia qualquer em sua vida.
O roteiro possui esta maneira orgânica de transmitir informações, sem verbalizá-las, nem antecipar ao espectador aquilo que poderia deduzir sozinho. Num simples corte da montagem, ela está vestida com uniforme policial, fazendo a segurança de um shopping center — descobrimos sua profissão. Mais um corte, e pendura roupas na edícula de uma casa simples, numa favela colombiana — conhecemos sua casa. Um adolescente chega, conversa com ela — no caso, o filho da protagonista.
Em dramas convencionais, talvez Sandra enfrentasse algum grande problema no trabalho, ou relacionado ao filho. No caso, a contextualização de espaços e classe social teria sido revelada por seu potencial dramático, enquanto algo que precisaríamos conhecer para o dilema adquirir sentido. Entretanto, a diretora Yennifer Uribe Alzate foge aos caminhos fáceis. Os dias no centro comercial revelam poucos percalços. O menino demonstra certa rebeldia juvenil, porém nada que desperte conflitos reais à mãe. O flerte com o motorista de ônibus desperta um relacionamento pouco marcante em sua vida.
O espectador não é convidado a se identificar com ela porque sofre ou luta muito, apenas porque resiste numa rotina que dificilmente sofrerá qualquer transformação, para o bem e para o mal.
O longa-metragem se presta às pequenas atividades cotidianas que não oferecem nenhuma transformação significativa para Sandra. As situações se repetem: os passeios no corredor do shopping, a conversa com as colegas no banheiro, novas idas e vindas no ônibus. Nunca chegará algum dilema grave necessitando resolução, ou uma ameaça real à integridade desta mulher. O ponto de vista prefere acompanhá-la no dia a dia, estimando haver elementos de interesse suficientes na rotina de uma trabalhadora de classe média-baixa.
Contra a piedade ou a espetacularização da miséria, oferece um olhar horizontalizado, de igual para igual. A câmera está perto o suficiente para captar qualquer gesto ou expressão da heroína, embora não busque a lágrima, nem o detalhe do rosto. Insiste em associá-la aos espaços e objetos, razão pela qual recorre aos planos de conjunto, abertos. Ainda permite certa ironia ou leveza — caso do gesto de subir e descer as escadas rolantes com o possível namorado, ou no instante de revistar uma garota que passa a dançar durante o procedimento.
A autora se mostra uma bela cronista, incorporando um sem-número de fragmentos do cotidiano: o vendedor de balas no metrô, a blusa que a preocupa por marcar a barriga, o uso dos telefones celulares em tempos atuais, o tênis falsificado, mas que “ninguém vai perceber”. As elipses, muito bem cuidadas pela edição, aproximam estes episódios de um mosaico palpável da vida nas grandes cidades sul-americanas. Os moradores de São Paulo e demais municipalidades brasileiras não terão nenhuma dificuldade em se identificar.
A respeito do humor discreto desta produção, a cineasta jamais ri de Sandra, suas atitudes ou escolhas. Os momentos cômicos decorrem das provocações com as amigas (a discussão sobre vibradores) ou a inabilidade da mãe em se aproximar da namorada do filho. A narrativa demonstra profundo respeito e carinho pela personagem central. Por isso, nem sequer questiona ações controversas, a exemplo do abandono da criança alheia durante uma festa. As consequências deste ato nem sequer serão evocadas em seguida, sinal de que não importam ao filme, nem a Sandra. Caso algum problema tivesse decorrido daquela decisão, a protagonista (e o espectador) teria provavelmente sido alertada.
No que diz respeito à construção de personagens, tanto Alzate quanto Posada evitam aprofundar a construção psicológica. Jamais saberemos do passado desta mulher, do relacionamento com o pai de seu filho, ou com seus próprios pais. Isso não interessa à obra presa a um tempo presente, e movida por ações. O autor estima que tudo o que se precisa compreender de Sandra ocorrerá por meio da arrumação da casa, das chegadas e saídas do vestiário, da conversa com as colegas na loja de roupas. Estima, de forma metonímica, que estes trechos são plenamente capazes de representar o todo.
Por isso, a atriz evita sobrecarregar a irritação com o filho ou a decepção com o namorado. Face a estes homens, toma a atitude considerada correta e segue em frente, sem tempo para lamentações ou arrependimentos. A casca-grossa representa uma figura que já atravessou situações semelhantes no passado, e não se choca com o primeiro companheiro desrespeitoso em seu caminho. Se há alguma alusão à história pregressa, ela se encontra na banalidade com que Sandra enfrenta os percalços.
O título, La Piel en Primavera, faz referência a uma cena simples, sem diálogos, na qual a heroína deixa de se preocupar com a visão dos outros, com as roupas que usa, e com qualquer outra cobrança, para respirar, sozinha, em casa. Trata-se de uma poesia simples, condizente com a obra em sua totalidade. A câmera, que não abandona a trabalhadora um instante sequer, precisa terminar sua observação com o instante em que ela se faz dona do próprio corpo e do próprio espaço, ocupando o lugar da maneira que lhe convém.
Talvez os olhares apressados descrevam a obra colombina enquanto exemplar típico do realismo social, do olhar atento às pessoas desfavorecidas, seguindo seus cotidianos. Aí reside a singularidade do drama: ele nunca se constrói para os problemas de Sandra, no intuito de mostrá-los enquanto exemplos de uma causa. Pelo contrário, foca-se na vida apesar dos obstáculos. O espectador não é convidado a se identificar com ela porque sofre, ou porque luta muito, apenas porque resiste, dia após dia, numa rotina que dificilmente sofrerá qualquer transformação, para o bem e para o mal. Somos convidados a enxergar outro de nós mesmos nesta mulher comum.