La Piel en Primavera (2024)

Balada da mulher comum

título original (ano)
La Piel en Primavera (2024)
país
Colômbia, Chile
gênero
Drama
duração
100 minutos
direção
Yennifer Uribe Alzate
elenco
Alba Liliana Agudelo Posada, Eduardo Arango, Cristian López, Laura Zapata
visto em
74º Festival de Cinema de Berlim (2024)

Sandra (Alba Liliana Agudelo Posada) anda de ônibus. A cena inicial de La Piel en Primavera demora longos minutos, em plano-sequência, atenta ao percurso de veículos pelos bairros populares da cidade. Através desta construção simples, o espectador descobre bastante a respeito da protagonista. Trata-se de uma mulher de condição financeira baixa, porém estável; muito acostumada a pegar o transporte público e ficar espremida de pé, posto que os lugares para sentar estão ocupados. Visivelmente, trata-se de um dia qualquer em sua vida.

O roteiro possui esta maneira orgânica de transmitir informações, sem verbalizá-las, nem antecipar ao espectador aquilo que poderia deduzir sozinho. Num simples corte da montagem, ela está vestida com uniforme policial, fazendo a segurança de um shopping center — descobrimos sua profissão. Mais um corte, e pendura roupas na edícula de uma casa simples, numa favela colombiana — conhecemos sua casa. Um adolescente chega, conversa com ela — no caso, o filho da protagonista.

Em dramas convencionais, talvez Sandra enfrentasse algum grande problema no trabalho, ou relacionado ao filho. No caso, a contextualização de espaços e classe social teria sido revelada por seu potencial dramático, enquanto algo que precisaríamos conhecer para o dilema adquirir sentido. Entretanto, a diretora Yennifer Uribe Alzate foge aos caminhos fáceis. Os dias no centro comercial revelam poucos percalços. O menino demonstra certa rebeldia juvenil, porém nada que desperte conflitos reais à mãe. O flerte com o motorista de ônibus desperta um relacionamento pouco marcante em sua vida.

O espectador não é convidado a se identificar com ela porque sofre ou luta muito, apenas porque resiste numa rotina que dificilmente sofrerá qualquer transformação, para o bem e para o mal.

O longa-metragem se presta às pequenas atividades cotidianas que não oferecem nenhuma transformação significativa para Sandra. As situações se repetem: os passeios no corredor do shopping, a conversa com as colegas no banheiro, novas idas e vindas no ônibus. Nunca chegará algum dilema grave necessitando resolução, ou uma ameaça real à integridade desta mulher. O ponto de vista prefere acompanhá-la no dia a dia, estimando haver elementos de interesse suficientes na rotina de uma trabalhadora de classe média-baixa. 

Contra a piedade ou a espetacularização da miséria, oferece um olhar horizontalizado, de igual para igual. A câmera está perto o suficiente para captar qualquer gesto ou expressão da heroína, embora não busque a lágrima, nem o detalhe do rosto. Insiste em associá-la aos espaços e objetos, razão pela qual recorre aos planos de conjunto, abertos. Ainda permite certa ironia ou leveza — caso do gesto de subir e descer as escadas rolantes com o possível namorado, ou no instante de revistar uma garota que passa a dançar durante o procedimento. 

A autora se mostra uma bela cronista, incorporando um sem-número de fragmentos do cotidiano: o vendedor de balas no metrô, a blusa que a preocupa por marcar a barriga, o uso dos telefones celulares em tempos atuais, o tênis falsificado, mas que “ninguém vai perceber”. As elipses, muito bem cuidadas pela edição, aproximam estes episódios de um mosaico palpável da vida nas grandes cidades sul-americanas. Os moradores de São Paulo e demais municipalidades brasileiras não terão nenhuma dificuldade em se identificar.

A respeito do humor discreto desta produção, a cineasta jamais ri de Sandra, suas atitudes ou escolhas. Os momentos cômicos decorrem das provocações com as amigas (a discussão sobre vibradores) ou a inabilidade da mãe em se aproximar da namorada do filho. A narrativa demonstra profundo respeito e carinho pela personagem central. Por isso, nem sequer questiona ações controversas, a exemplo do abandono da criança alheia durante uma festa. As consequências deste ato nem sequer serão evocadas em seguida, sinal de que não importam ao filme, nem a Sandra. Caso algum problema tivesse decorrido daquela decisão, a protagonista (e o espectador) teria provavelmente sido alertada.

No que diz respeito à construção de personagens, tanto Alzate quanto Posada evitam aprofundar a construção psicológica. Jamais saberemos do passado desta mulher, do relacionamento com o pai de seu filho, ou com seus próprios pais. Isso não interessa à obra presa a um tempo presente, e movida por ações. O autor estima que tudo o que se precisa compreender de Sandra ocorrerá por meio da arrumação da casa, das chegadas e saídas do vestiário, da conversa com as colegas na loja de roupas. Estima, de forma metonímica, que estes trechos são plenamente capazes de representar o todo.

Por isso, a atriz evita sobrecarregar a irritação com o filho ou a decepção com o namorado. Face a estes homens, toma a atitude considerada correta e segue em frente, sem tempo para lamentações ou arrependimentos. A casca-grossa representa uma figura que já atravessou situações semelhantes no passado, e não se choca com o primeiro companheiro desrespeitoso em seu caminho. Se há alguma alusão à história pregressa, ela se encontra na banalidade com que Sandra enfrenta os percalços.

O título, La Piel en Primavera, faz referência a uma cena simples, sem diálogos, na qual a heroína deixa de se preocupar com a visão dos outros, com as roupas que usa, e com qualquer outra cobrança, para respirar, sozinha, em casa. Trata-se de uma poesia simples, condizente com a obra em sua totalidade. A câmera, que não abandona a trabalhadora um instante sequer, precisa terminar sua observação com o instante em que ela se faz dona do próprio corpo e do próprio espaço, ocupando o lugar da maneira que lhe convém.

Talvez os olhares apressados descrevam a obra colombina enquanto exemplar típico do realismo social, do olhar atento às pessoas desfavorecidas, seguindo seus cotidianos. Aí reside a singularidade do drama: ele nunca se constrói para os problemas de Sandra, no intuito de mostrá-los enquanto exemplos de uma causa. Pelo contrário, foca-se na vida apesar dos obstáculos. O espectador não é convidado a se identificar com ela porque sofre, ou porque luta muito, apenas porque resiste, dia após dia, numa rotina que dificilmente sofrerá qualquer transformação, para o bem e para o mal. Somos convidados a enxergar outro de nós mesmos nesta mulher comum.

La Piel en Primavera (2024)
7
Nota 7/10

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