Architecton (2024)

O balé das pedras

título original (ano)
Architecton (2024)
país
Alemanha, França, EUA
linguagem
Documentário
duração
98 minutos
direção
Victor Kossakovsky
com
Michele De Lucchi
visto em
74º Festival de Cinema de Berlim (2024)

Um documentário sobre pedras e arquitetura pode despertar uma impressão pouco convidativa. Nas mãos de diretores e produtores convencionais, o tema se prestaria a um resultado didático, contentando-se em observar prédios e comentá-los, ou deixar que especialistas o façam. A prática do show and tell (“mostre e conte”) domina este segmento audiovisual que se estima responsável por educar o espectador a respeito dos temas de sua predileção.

Felizmente, Architecton escapa ao modelo desgastado. O cineasta Victor Kossakovsky se volta, em primeiro lugar, às pedras enquanto construção estética. Face a gigantescas pedreiras, busca uma maneira instigante de vê-las deslizarem durante uma implosão, se espremerem no interior de máquinas industriais, ou se equilibrarem em pilhas. Adotando a imagem em formato scope no intuito de expandir o horizonte do olhar, abraça estes elementos para além de sua funcionalidade ou sua história: trata-se de peças de composição plástica, antes de material para a sustentação de prédios.

O filme dedica a estes segmentos um teor operístico. A trilha sonora incorpora uma composição orquestrada, em tom grave e volume alto, enquanto os ruídos das pedras caindo em câmera lenta são incorporados com precisão de detalhes. Busca-se o deslumbramento diante de um espetáculo de origem natural, porém arranjado de modo a produzir um efeito artístico calculado. Troca-se o desejo de apreensão da natureza pela criação de um show a partir dela.

As pedras e paisagens constituem personagens que Kossakovsky enfeita e dispõe (em termos de cores, trilha sonora, ângulos) tal qual faria com o ator de uma narrativa roteirizada.

Esta opção produz alguns dos elementos mais interessantes da obra, que se apropria do mundo por um viés intervencionista, sem se colocar humildemente abaixo das belezas do mundo. A exemplo dos próprios arquitetos, o cineasta estima que sua função seria utilizar a matéria-prima à sua frente enquanto ponto de partida para a elaboração de uma peça autoral. Por isso, escolhe planos fixos, ou movimentos de câmera sutis e calculados, ao redor de imensas pedreiras. Escolhe seus drones, calcula o zoom-in ou a panorâmica, e decide para qual lado a imagem deve se mover no instante exato da implosão.

Isso implica em alto grau de controle do ambiente, algo que o aproxima das ficções. As pedras e paisagens constituem personagens que Kossakovsky enfeita e dispõe (em termos de cores, trilha sonora, ângulos) tal qual faria com o ator de uma narrativa roteirizada. Descarta-se da linguagem documental o possível tom de urgência, de improviso, de abertura ao acaso. Ironicamente, o projeto consagrado à natureza revela-se profundamente artificial, graças a um diretor que enxerga a paisagem assim como o pintor encara a tela em branco.

Se existe alguma possibilidade de abraçar as casualidades, ela reside nos insetos que passeiam pelas pedras, ou na tartaruga caminhando pelo solo. De resto, até o caminhar do cachorro será acompanhado pelo enquadramento, ajustando-se a cada passo do animal, ou flagrado numa vista aérea que o aguarda até sentar no centro de um círculo. O autor não aprecia tanto a grama e as árvores em seu estado bruto, mas por aquilo que podem lhe oferecer, caso estejam no ângulo e na luz corretos. Basta ver a paixão pela queda de uma árvore, que tomba na diagonal exata de um pátio de prédios — ou terá sido arranjada nesta posição, para o desejo da câmera?.

Assim, a discussão estética proposta por Architecton gira entre a apreciação estética da natureza e o nosso desejo de modificá-la. A montagem contrapõe sabiamente a brutalidade das imensas rochas à delicadeza de pedrinhas equilibradas de maneira precária para uma instalação artística. A cada deslize de rochedos com barulhos áridos, o filme introduz uma copa das árvores coberta de neve, ou um fragmento do arquiteto Michele De Lucchi. Este italiano decide criar um “círculo de vida” em seu jardim, para nenhum humano pisar mais. Um espaço da natureza, para a natureza. Após cada balé rigidamente ensaiado em termos de sons e montagem, o projeto respira com o flagrante ocasional de humanos captados textura digital comum, sob a luz do dia.

Através de sua beleza imponente e chamativa, a obra se situa numa corda fina entre o magnânimo e o kitsch, entre a elaboração visualmente impressionante e a valorização romântica das preciosidades campestres tal qual faria um Yann Arthus-Bertrand. Nos diversos planos aéreos realizados por drones, a mise en scène se aproxima da proposta de arte pela arte, admirando espaços pela simples capacidade de fazê-lo. Em outras palavras, arrisca descontextualizar as criações humanas. Em que momento foram feitos estes prédios e colinas, por quem, e com qual efeito? Foram utilizadas para o intuito previsto? Como se degradaram? Não saberemos.

A politização dos espaços, neste caso, ocorre através da guerra da Ucrânia, marcando a narrativa desde a sequência inicial. Os prédios arruinados ditam o tom da capacidade humana tanto de construir quanto de destruir. Bandeiras ucranianas voam pelas janelas, enquanto um gigantesco cartaz clamando pelo banimento da Rússia por parte da União Europeia deixa claro o posicionamento crítico do autor em relação à guerra. Infelizmente, para além de algumas admirações estéticas da destruição (impressionantes em si), o autor não se aprofunda no debate bélico.

Assim, a iniciativa de aparente radicalidade se acalma, surpreendendo menos diante da quarta ou quinta sequência das pedras em velocidade desacelerada. O epílogo se rende, enfim, a tudo aquilo que o documentário evitava até então: um letreiro explicativo, uma fala pedagógica de De Lucchi a respeito de nossa responsabilidade no que diz respeito à ecologia. Kossakovsky sugere que sua exposição não seria suficiente, precisando de um arremate ao público que não tenha compreendido significado ecológico do discurso. O filme megalomaníaco se apequena, mas não apaga os méritos das construções impressionantes até então.

Architecton (2024)
7
Nota 7/10

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