Substitutos (2023)

A fantasia desencarnada

título original (ano)
Simulant (2023)
país
Canadá
gênero
Ficção científica, Fantasia, Ação, Policial
duração
93 minutos
direção
April Mullen
elenco
Robbie Amell, Jordana Brewster, Sam Worthington, Simu Liu, Alicia Sanz, Emmanuel Kabongo, Mayko Nguyen, Christine L. Nguyen, Masa Lizdek, Keethan Krish, Vienna Hehir, Mercedes Leggett, Derick Agyemang
visto em
HBO Max

Num futuro próximo, a civilização se acostuma a conviver com máquinas. Há robôs simples, semelhantes a bonecos de madeira, encarregados das tarefas domésticas. No entanto, existem “substitutos”, androides idênticos aos seres humanos. Eles se multiplicam e se aperfeiçoam, seguindo algumas regras básicas, estipuladas pelos fabricantes: sempre acatar ordens de seus donos; nunca fazer mal a uma pessoa; nunca modificar outro substituto, etc. Caminhando pelas ruas, torna-se impossível distinguir humanos de objetos comprados em fábrica.

O longa-metragem dirigido por April Mullen decorre de um motor tradicional das ficções científicas e das distopias: o medo que nossas criações venham a superar os criadores. Em outra palavra, um levante das máquinas contra os humanos, para dominarem sozinhos a Terra. Alude-se assim ao medo de guerras internas e civis; além de preconceitos e discursos de ódio que colocam uma sociedade contra si mesma. Seguindo o costume do gênero, abordam-se contextos imaginários na forma de metáforas para melhor refletir a respeito da humanidade.

Apesar da pouca originalidade, o projeto teria bastante potencial para discutir uma América do Norte polarizada (esta é uma produção canadense), individualista, voltada à ganância, e incapaz de definir o que faz dos humanos, humanos. No entanto, nenhum destes conflitos ganha o mínimo desenvolvimento na trama. Aliás, impressiona o grau incipiente do roteiro que não parecia, nem de perto, pronto para passar as filmagens. 

O orçamento razoável depositado sobre uma equipe de pouco renome e algumas estrelas do time B de Hollywood (Sam Worthington, Robbie Amell, Jordana Brewster) desperta a impressão de um projeto levado a termo sem real pretensão de disputar atenção com as maiores iniciativas de ficção científica de estúdios. Uma espécie de filme pequeno, provavelmente rápido, concebido para a televisão, e com pouca exigência em termos de coerência e coesão.

As atuações não ajudam. […] As escolhas imagéticas tampouco despertam qualquer interesse.

Assim, há um problema evidente no que diz respeito ao ponto de vista. Os criadores hesitam entre adotar o ponto de vista do policial Kessler (Worthington), que deseja a todo custo interromper a atividade dos substitutos; da pintora Faye (Brewster), de luto pelo marido que falece num acidente de carro; do robô Evan (Amell), criado à imagem e semelhança do marido morto; ou da robô Esmé (Alicia Sanz), uma androide modificada que se apaixona pelo criador, o também-possível-protagonista Casey (Simu Liu). 

A montagem poderia apostar na obra coral, onde todos dividem as atenções. Entretanto, a escolha parece ser apenas uma falha de estrutura: salta-se de um rosto ao outro sem conhecê-los de fato. Descobrimos que Faye é pintora na segunda metade da trama; os motivos reais da ação clandestina de Casey são revelados apenas no final; a percepção da identidade robótica de Evan não transforma em nada o mundo ao redor. Há uma dificuldade imensa em construir personagens, em permanecer com eles e desenhar medos, inseguranças, desejos. 

As atuações não ajudam. Amell possui dificuldade em expressar a contradição de um robô ignorante de sua própria espécie. O ator posa como um modelo fotográfico, incapaz de soltar o corpo, e abandonar a vaidade. A falta de expressividade se encontra com a atuação igualmente frágil de Brewster — a quem se dá, verdade seja dita, pouco material para trabalhar. Confrontada diariamente ao trauma do marido morto (ao enxergar o robô idêntico ao falecido, ao escutar os pesadelos com batidas de carro, narrados por este), expressa um aborrecimento ínfimo. A narrativa poderia ser muito melhor caso fosse inteiramente situada ou pelo ponto de vista de Faye, ou de Eva, ou ainda de Kessler. O olhar distanciado, buscando tudo abarcar, resulta frio e pouco imersivo.

As escolhas imagéticas tampouco despertam qualquer interesse. Os grandes espaços luxuosos da casa e da empresa de tecnologia buscam impressionar pelas dimensões, porém a mise en scène não tem a menor ideia de como ocupá-los. Resta um casarão vazio e desencarnado, com espaços mal explorados, além de uma empresa gigantesca onde as pessoas entram e saem quando quiserem, encontrando auditórios vazios e salas abertas. Pairam por todos os lados máscaras sinistras e hologramas, provocando uma aparência de seita ou organização secreta, incompatível com o caráter institucional da AICE. A direção de arte está realmente perdida em termos de tom.

Assim, a narrativa se desenvolve pelo atropelo de detalhes, de relações de causa e consequência, de problemas de lógica. A invasão no sistema informático, a decisão repentina de ir a um clube noturno “para expandir as experiências” e o acesso ao quarto proibido na casa de Faye beiram o ridículo, pois mal contextualizados. Substitutos caminha o tempo inteiro no limiar da paródia de ficção científica, ainda que se leve a sério demais, incapaz de perceber a insanidade de suas propostas, e a fragilidade das soluções. 

Pior ainda é a vacuidade do discurso. Apresentada a possível rebelião das máquinas e a substituição completa dos humanos (pois as criações robóticas passam a ter sentimentos), o longa-metragem não sabe ao certo que lição tirar desta experiência. Seria uma obra contrária às derivas da criação humana, acreditando que estamos “brincando de Deus”? Pró-tecnologia, contanto que sob regras rígidas? Abismada com nossa capacidade de desenvolvimento e criatividade? Seria saudável se relacionar com clones, ou conviver com robôs? 

O longa-metragem nunca sabe ao certo como responder a estas questões. O final em aberto representa menos uma proposta à reflexão do que um abandono do jogo, como se, depois de um longo empate, o jogo se suspendesse abruptamente. Incapaz de desenvolver personagens, de trabalhar o espaço e o tempo, e despejando de última hora informações que teriam sido fundamentais ao início (o trauma de Kessler), o resultado é uma obra desequilibrada, com tantos excessos quanto lacunas, sem real objetivo de onde pretende chegar com uma travessura tão incongruente.

Substitutos (2023)
2
Nota 2/10

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