“A sua mãe abandona vocês sempre?”. A pergunta vem de uma garçonete, menos preocupada do que incomodada com a presença de três crianças, sozinhas há horas na lanchonete, sem adultos ao redor. “A nossa mãe nunca nos abandonou”, eles contestam. A frase retorna em outro ponto na narrativa, desta vez, pela voz da própria Jule (Ophélia Kolb), garantindo que nunca deixará as crianças. Está determinado, portanto: nem a mãe, nem os filhos desejam se separar.
No entanto, a mulher está ausente com frequência. Desaparece do estabelecimento mencionado acima, passa os dias trabalhando em um ofício que os pequenos têm dificuldade de explicar. “Ela trabalha com números”, afirma Loïc ao diretor da escola. Jule sorri com frequência, embora transpareça certo desespero, ou a necessidade de esconder algo. De qualquer maneira, nunca está confortável em nenhuma conversa, evento social ou promessa às crianças de que “tudo está bem, imagina, não há motivo para se preocupar”.
Kolb encarna esta mulher misteriosa inicialmente, porém de uma transparência crescente ao espectador. Em tempo, descobrimos se tratar de uma pessoa em grave situação financeira, sem qualquer rede de apoio. Ela se recusa a aceitar os cuidados formais do Estado, enquanto oculta seu passado conflituoso com a polícia e as leis. Jule se encontra em fase de perpétua negação, forjando aos filhos a imagem de uma solidez impossível. Para isso, mente o tempo inteiro e, então, inventa novas farsas para ocultar as anteriores. A heroína se converte em personagem de si mesma.
O drama carrega a aparência de um suspense a respeito da maternidade solo e da constante pressão depositada sobre as mulheres.
A primeira metade constitui a melhor parte da obra. Isso porque, a princípio, a diretora Jasmin Gordon acompanha a rotina de precariedades pela perspectiva das crianças, incapazes de compreender a complexidade da vida adulta. A câmera e o olhar do espectador permanecem junto aos pequenos quando se sentem sozinhos na tal lanchonete, e quando decidem voltar sozinhos para casa, caminhando quilômetros à beira da estrada. Ficamos junto a eles quando encontram algo para comer e dormem, aguardando o retorno da mãe. Esta atmosfera de indecisão permite que a protagonista se torne tão fascinante quanto difícil de decifrar.
Em contrapartida, o roteiro não tarda a mudar a perspectiva, priorizando Jule na segunda metade. O espectador descobre exatamente a rotina desta mãe, suas tentativas desesperadas de conseguir comida, trabalho, gasolina para o carro, além de uma casa nova e maior (afinal, a perspectiva é sempre de melhoria, embora ela nem tenha condição de pagar o aluguel). As crianças, neste momento, são diminuídas em importância e função narrativa, sendo esquecidas durante longos minutos pela trama que dependia da leitura de mundo delas. Isso, sim, soa como um abandono.
The Courageous se transforma, então, num drama mais convencional, baseado integralmente na atuação de Kolb. A câmera se fixa no rosto da atriz, seguindo-a para onde for, captando cada alteração de humor, entre o alívio, o medo e o desespero. Enquanto diversos projetos se movem pela figura da mãe-coragem, a heroína de moral ilibada, disposta a tudo para proteger os pequenos, outros preferem a figura da mãe-problema, aquela que, apesar do amor genuíno, coloca os pequenos em perigo por irresponsabilidade. Projetos como O Preço da Solidão (1972), de Paul Newman, vêm à mente.
Felizmente, Kolb é uma atriz excelente, capaz de transmitir ampla variedade de sentimentos durante uma única cena. Ela evita a armadilha de converter Jule numa mulher histérica e perversa, preferindo entender a motivação sincera por trás das ações condenáveis. O descontrole na agência imobiliária, o roubo no supermercado e a sequência do bolo de aniversário rendem momentos particularmente fortes à atriz. É uma pena que o roteiro insira simbologias óbvias até demais (a frase sobre coragem no livro, no instante exato em que ela precisa de incentivo). Entretanto, estes recursos não invalidam o mérito das atuações.
Algo semelhante acontece rumo ao desfecho: ainda que o longa-metragem se apoie cada vez mais no corpo e no olhar da atriz (e a intérprete dê conta do recado com folga), ainda se inserem cenas progressivamente explicativas, numa catarse externa que a narrativa havia dispensado até então. Saímos da implosão para a explosão, em chave esperada e convencional. A interação com o diretor da escola e a solução envolvendo a floresta soam menos como surpresas do que evidências, alternativas marcadas pela previsibilidade. A natureza, em particular, vinha sendo preparada para tal uso desde a cena inicial, razão pela qual seu impacto se dilui quando de fato desempenha um papel na trama.
Ressalvas à parte, o drama carrega a aparência de um suspense, repleto de uma tensão palpável, quanto à impossibilidade da heroína em esconder o real — tanto das crianças quanto de si mesma. Discorre, de maneira metafórica, a respeito da maternidade solo, da constante pressão depositada sobre as mulheres, e do ideal criado para elas (e às vezes, por elas) a respeito do que uma mãe deveria fazer, e como deveria se portar.
O fato de as crianças não se surpreenderem, de modo algum, diante da solução encontrada pela mãe, envolvendo sua nudez completa, diz mais sobre os laços de afeto do que qualquer declaração de amor banal que o roteiro pudesse proporcionar. Na estabilidade de um lar instável, no imaginário fictício de uma família perfeita, existe uma angústia perene e assustadora, muito bem captada pela direção e pela atriz. Para além da precariedade social, existe afeto de mãe para filhos, e destes em relação à mãe. The Courageous nunca perde de vista o fato de constituir um filme de amor.
