Assalto na Paulista (2022)

Força bruta

título original (ano)
Assalto na Paulista (2022)
país
Brasil
gênero
Policial, Ação, Drama
duração
110 minutos
direção
Flávio Frederico
elenco
Eriberto Leão, Bianca Bin, Barbara Lodi, Kauê Telloli, Raquel Bertani, Adriano Bolshi, Dani Nefussi, Kiko Marques, Luciano Risso, Jefferson Brasil, Fábio Ronzano, Igor Armucho, Alexandre Vargas
visto em
Cinemas

Assalto na Paulista pretende oferecer ao espectador uma forma de cinema bruto, impactante, repleto de ação. A partir de fatos (que os letreiros insistem em chamar de “fatos reais”, um pleonasmo), inspira-se em modelos hollywoodianos. Assim, concebe um homem forte e inabalável em primeiro plano (ele leva um tiro, mas segue o roubo sem avisar aos demais dos ferimentos), sua protegida e um grupo de sujeitos de moral duvidosa. Os criadores miram numa espécie de Onze Homens e um Segredo brasileiro.

No caso, nosso referencial local de agressividade mais próximo dos caubóis ianques se encontra no cenário rural e interiorano. Por isso, o protagonista é visto, desde a cena inicial, como um fazendeiro sanguinário, rico, que demonstra mais carinho pelo cachorro feroz do que pela atual esposa. A tal mocinha sofre ataques violentos na infância, porém limpa o sangue do corpo em câmera lenta, se desfaz da arma do crime e foge sem pensar duas vezes. O cenário é composto por pessoas impulsivas, destemidas, e 100% exteriorizadas — tudo passa pelo corpo e se converte em ação.

O diretor Flávio Frederico poderia observar o roubo por diversas perspectivas. Seria possível olhar para o ocorrido com tristeza, indignação, condenação moral, ou então com alegria, encorajamento, seja por uma perspectiva política (a diferença de classes, de gêneros, de raças entre os sujeitos envolvidos), seja pelo prisma da dificuldade de concretizar os planos. Aqui, ele prioriza um assalto divertido, regado a música pop rock e frases de efeito antes dos disparos (“O silêncio é um amigo que nunca trai”). O cineasta deseja que o espectador torça pelo sucesso dos assaltantes.

Em consequência, nenhuma cena possui um conflito dissociado do roubo. Os flashbacks da infância servem a justificar as atitudes no banco; o encontro entre o grupo ocorre apenas para discutir pormenores antes da ação, e o próprio ato ocorre ainda no primeiro terço da narrativa. O filme se delicia com o desenrolar da invasão, que ocupa parte considerável da experiência, e garante que toda e qualquer interação pós-assalto seja dedicada a ele. Caso a imagem revele algum passante pela Avenida Paulista à noite, sabe-se que este figurante atrapalhará os planos do bando: ninguém possui dilemas próprios, ou vida independente, fora do dilema central.

Na ausência de conflitos, o roteiro precisa que os heróis sabotem o próprio plano, que soava até então como o assalto mais simples da história.

Para uma obra tão focada no conflito único, surpreende que Assalto na Paulista construa pouca tensão prévia, e mal convide o espectador a compreender a estratégia dos ladrões. Uma única reunião, genérica, garante que todos estejam cientes das etapas estudadas há mais de um ano. No entanto, o espectador desconhece as intenções. É difícil entrar no banco? Quanto tempo possuem para a ação? Existem câmeras de segurança, alarmes? Alguém ficará de tocaia lá fora? Por que o hacker é considerado fundamental na cena do crime? Como os vigias foram cooptados para o golpe?

Quando o ato se concretiza, ele soa surpreendentemente fácil. Os assaltantes aparentam dispor da noite inteira para roubar quantas joias quiserem. Ninguém os persegue, nada atrapalha de fato as ações — nem a policial apertada para usar o banheiro, nem o incidente com pedestres. As dificuldades para chegar, acessar cofres e sair inexistem. Ao que tudo indica, o bando poderia passar a noite inteira no interior do edifício, se quisesse, escolhendo os objetos mais valiosos, sem despertar suspeitas do mundo lá fora.

Na ausência de conflitos, o roteiro precisa que os heróis sabotem o próprio plano, que soava até então como o assalto mais simples da História. De maneira abrupta, eles brigam entre si, disparam armas, ferem-se. É improvável que um disparo ao lado do roubo não seja escutado pelos integrantes, ou que uma briga curta se transforme em tragédia em tão curta duração. Desconhecemos o tempo que passaram ali, ignoramos a geografia do banco. Elementos fundamentais para criar tensão e suspense são desprezados. Entretanto, encontra-se espaço para uma atmosfera curiosamente erotizada de ladrões suados, liderados por um sujeito que retira a camisa para exibir os músculos (ou oficialmente, porque faz calor lá dentro).

Os personagens se encarregam de compensar tais facilidades através de uma composição crua e agressiva. Até onde se saiba, apenas um deles é descrito como dependente de cocaína, porém todos agem como figuras cocainadas, de olhos arregalados, falas violentas, gestos amplos e impensados. Eriberto Leão é calibrado para equivaler a um tipo brutamontes; Bianca Bin parece engrossar a voz; Jefferson Brasil encarna a incômoda figura do “rapaz negro do morro, marrento e selvagem”. Mulheres caminhoneiras ganham tratamento masculinizado, e hackers inseguros são devidamente ridicularizados por isso.

Assalto na Paulista, filme que empresta a escrita aos letreiros típicos do faroeste, elege a virilidade como atributo essencial a uma produção de ação. Por isso, mecaniza e embrutece seus personagens. Na intenção de intensificar os efeitos e mergulhar o espectador na trama, a direção opta por alguns recursos questionáveis, a exemplo da câmera excessivamente tremida, na mão, em situações de pouca urgência (o roubo quando ninguém persegue os ladrões, o sexo com a prostituta). O autor promove um “filme de macho”, no sentido mais clássico do termo, ignorando nuances, inseguranças, contemplações, metáforas, subentendidos. É curioso que estreie nos cinemas no mesmo dia de Cano Serrado, outro projeto “de homem” num sentido muito específico do termo.

Reflexões são deixadas de lado: discursos a respeito da criminalidade, da pobreza, da (in)segurança desaparecem em prol de uma constatação dos fatos. O roteiro parece dizer: “Então isso aconteceu”, “então veio isso”, e “depois isso”, numa linearidade inabalável (apesar dos flashbacks), incapaz de se interromper e tirar alguma compreensão a partir do ocorrido. Para garantir que o espectador compreenda todas as motivações, personagens expressam sentimentos em voz alta (“Amor infinito. Não tem um dia que não penso em vocês”, “Agora ninguém precisa mais se preocupar que está sendo filmado”), disparam frases de efeito risíveis (“Vai querer largar agora que o açúcar está em cima do morango?”, repetida mais tarde) e têm seus gestos organizados por letreiros explicativos (“Uma semana antes do assalto”). 

Uma vez acontecido o crime, resta a sensação de que nenhum policial ou investigador está no encalço destes sujeitos, livres para fazerem o que quiserem — pelo menos, até uma interação repentina com personagens recentemente introduzidos. Os motivos que justificam a necessidade de atravessar a fronteira e encontrar um sujeito estrangeiro são pormenorizados pelo roteiro, que demonstra dificuldade em estabelecer relações de causa e consequência, além de fornecer objetivos claros a cada participante do golpe. O que pretendem fazer com o dinheiro? Já sabiam da necessidade de ficar tanto tempo reclusos depois?

Para complicar o aspecto inconsequente dos atos, rumo ao final, a trama opta por inocentar e redimir o anti-herói violento. De repente, o tipo movido a gritos (“Você vai entrar e ponto final, caralho!”) se revela um homem de bom coração, preocupado apenas com o bem-estar de sua protegida. No ônibus, um novo flashback sugere que ele consiste apenas num menino em busca de emoções, um rapaz travesso. O filme se esquece dos demais personagens, ignora aqueles que morreram, e se concentra no herói convalescido, porém, de fundo benevolente. Esta ambivalência política em relação aos fatos (o quê, exatamente, o que os criadores permitem transmitir?) prejudica a experiência para o espectador.

Assalto na Paulista (2022)
4
Nota 4/10

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