Christina odeia Johanna, que odeia Karen, que odeia Jule. Liv odeia todas as mulheres, e todas elas odeiam Markus. Todas as crianças odeiam Leon que, por sua vez, não odeia ninguém. O Pardal na Chaminé é um drama muito particular. A partir de uma reunião familiar, no intuito de festejar o aniversário do tio, inúmeras pessoas plenas de ressentimentos se encontram sob o mesmo lar. Estes eventos poderiam ser propícios a reconciliações, como o cinema adora captar. No entanto, o diretor Ramon Zürcher eleva as desavenças à enésima potência.
Isso significa que, em duas horas, os personagens disparam insultos, ameaças, juras de morte. Humilham, ridicularizam, perseguem, expõem uns aos outros. O roteiro inclui agressão física a crianças, maus-tratos a animais (no plural), insinuação de pedofilia, brincadeiras com doenças graves, irmãos gêmeos devorados no útero, incêndios criminosos, além de três personagens ferindo a si mesmos, no intuito de canalizar a raiva. Aparentemente, família que se automutila unida, permanece unida.
O autor talvez busque traçar o retrato crítico de uma sociedade desprovida de valores, dominada por ressentimentos, e incapaz de acertar as contas com o passado. No entanto, enamora-se a tal ponto de sua perversidade que reduz cada personagem a um grupo de sintomas. Esqueça qualquer traço de humanismo (o que não precisa se confundir com piedade, nem condescendência): Zürcher demonstra um desprezo generalizado por sua galeria de pessoas detestáveis e cruéis.
O roteiro inclui agressão física a crianças, maus-tratos a animais (no plural), insinuação de pedofilia, brincadeiras com doenças graves, irmãos gêmeos devorados no útero, incêndios criminosos, além de três personagens ferindo a si mesmos. Aparentemente, família que se automutila unida, permanece unida.
Tal malícia se traduz numa sucessão de diálogos mordazes — todos os personagens, sem exceção, mostram-se cínicos e violentos. “Eu odeio você. Queria que você estivesse morta”, dispara o filho pequeno à mãe. A tia, assistindo à cena, concorda com o menino: “Eu também costumava desejar isso quando era mais nova”. A adolescente confessa não possuir nenhum amor pela mãe. Esta, por sua vez, confessa o ódio que sentia de sua própria mãe, e o alívio diante da morte da senhora idosa. A tese do autor é tão clara quanto simplória: pessoas criadas sem amor tendem a reproduzir seu ódio nas gerações seguintes. Ou ainda: aquele que nunca recebeu amor não consegue transmiti-lo a terceiros.
“Nessa casa, tudo se quebra”, explica a única garota que partiu dali, para viver em outro lugar. De fato, as quebras começam a ser físicas, o que inclui taças, pratos e outros objetos. Apesar da aparência de cordialidade — a maioria dos insultos é proferido em tom de conversa, sem elevar o volume da voz —, a obra oferece um retrato neurótico e cínico das relações familiares. É estranho como esta coletividade amarga difere totalmente do senso de solidariedade existente em A Garota e a Aranha, belíssimo filme anterior do cineasta.
Por isso, apesar da existência de bons atores em cena, eles se prendem a atuações opacas, incompreensíveis. Maren Eggert e Luise Heyer capricham nos olhares expressivos, mistos de ressentimento, afeto, raiva e cansaço. No entanto, isso jamais justifica as dezenas de atos fortuitos, como queimar a própria mão numa panela fervendo, ou beijar na boca a nova namorada do ex-marido, a quem se tratava com descaso até poucos minutos atrás. Os personagens agem de maneira irrefletida e agressiva porque, no fundo, são todos igualmente inconsequentes. Comunicam-se em estilo idêntico, refletindo a incapacidade do autor de conceber personalidades distintas.
Além disso, O Pardal na Chaminé diverte-se em acreditar que tanta raiva desperta a libido de seus personagens centrais. Karen flagra o ex-marido Markus e a nova namorada, Jule, deitados na cama, quando esta última coloca a mão dentro do calção do homem. Na cena seguinte, Karen abre a porta do banheiro de propósito, flagrando o cunhado que se masturba enquanto pensa na adolescente da casa. O beijo entre mulheres (e a menção vaga a um relacionamento lésbico da avó) constituem meros fetiches, evocações de um desejo desgovernado, tão aleatório quanto as agressões.
No fundo, Zürcher não parece se preocupar com nada: o passado desta dezena de protagonistas, o impacto de seus atos, os sentimentos após cada nova briga e confronto. Ele chega a tal ponto de saturação que crianças e pais trocam declarações de desejo mortal, sem que isso altere os rumos da narrativa. O ódio constitui o ponto de partida e o ponto de chegada, sem evoluções ou transformação a partir desta ciranda de desumanidades. Quanto tudo é embate e furor, nada o é. Por isso, declarações que pareceriam chocantes em outros contextos tornam-se banais após a quinta ou sexta agressão.
Mesmo quando a obra abraça, enfim, o cinema de terror, nos vinte minutos finais, a utilização de tais recursos se mostra incapaz de reconfigurar a narrativa ou iluminar essas psiques fragilizadas. Zürcher prefere imaginar que o horror “foi apenas um sonho”, ou a representação inconsciente destes indivíduos sufocados e sufocantes. Enquanto isso, multiplica as cenas risíveis de pessoas observando as outras no fim do corredor, testemunhando as declarações de tesão e de raiva; os beijos e os esfaqueamentos.
O verdadeiro voyeur, no final, será o próprio diretor, felicíssimo em multiplicar as crises para então filmá-las de perto, e oferecer ao espectador um espetáculo fetichista da decadência moral. Essa espécie de cinema “malvado”, que confunde crítica com descrença generalizada pela sociedade, já mostrou suas limitações com diretores que sumiram dos holofotes (Todd Solondz, Markus Schleinzer). No entanto, alguns enfant terribles insistem em dizer que tudo está perdido, que somos pessoas péssimas, arrogantes e egocêntricas — como se a mera acusação de um problema equivalesse a um estudo de sua manifestação social.