Para o diretor Kornél Mundruczó e a roteirista Kata Wéber, o Holocausto deve ser compreendido como uma ferida que resiste atualmente, e ainda não foi curada. Ao invés de um fato isolado no passado, um trauma do qual preferimos não nos lembrar para seguirmos adiante, ele se tornaria um traço definidor das comunidades judaicas em todos os países, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Evolução se esforça em compreender os crimes de ódio enquanto fluxos permanentes, que se transformam, se intensificam ou se afrouxam, mas não nos abandonam.
Por isso, escolhem uma linguagem de fluxo, capaz de sugerir continuidade, relações causais entre pessoas de décadas e países distintos. O cineasta, apaixonado pelos planos-sequência, aborda o longa-metragem como uma colagem de três únicas cenas interconectadas: a primeira, dentro de um campo de concentração na Hungria; a segunda, acompanhando o testemunho de uma senhora idosa, tendo sobrevivido ao mesmo campo; e terceiro, os filhos e netos se adequando à vida em Berlim, onde a identidade judia ainda motiva atos de intolerância na escola.
Assim, cada segmento dura aproximadamente 30 minutos, e desperta a impressão de um único plano-sequência por cena, embora haja pequenos cortes invisíveis no interior das cenas (quando a câmera passa em frente a uma porta ou mochila preta, por exemplo). A equipe efetua uma complexa coreografia no interior dos apartamentos, passando por vários cômodos, saindo pela janela e retornando ao interior do imóvel; ou ainda acompanhando as andanças do menino adolescente pelas ruas de Berlim. Estabelece-se um imperativo do movimento e do deslocamento.
Evolução parte de um conceito interessante, ainda que desperte a aparência de um longa-metragem incompleto, de pouca coesão.
Em contrapartida, as interações são estáticas e teatrais. Isso significa que, embora estejam caminhando ou se deslocando pela casa, as duplas ou pequenos grupos de personagens se limitam a conversar, relembrar o passado ou expressar descontentamento com o presente. Eles andam, mas não precisariam fazê-lo — a direção impõe este dispositivo na esperança de reforçar o dinamismo das cenas. No caso de mãe idosa e filha adulta, em especial, trava-se um belo confronto de memórias e pontos de vista sobre o judaísmo (uma contrária às indenizações de Estado, e a outra, a favor), quando elas poderiam estar simplesmente sentadas à mesa, desenvolvendo o mesmo diálogo.
Para romper com o naturalismo do tempo real e da impressão da urgência provocados pelo plano-sequência, os segmentos se encerram com algum instante de realismo fantástico. Portanto, algo imenso e inesperado ocorre aos personagens, podendo soar como um pesadelo imaginário, ou um fato improvável. Desde a descoberta de um bebê escondido no chão da câmara de gás à inundação do apartamento, com milhares de litros de água jorrando pelas paredes, os personagens se veem confrontados a uma realidade incontrolável. O mundo externo se impõe a eles.
Em cada curta-metragem, relativamente autônomo, há boas interações entre diferentes gerações e compreensões do impacto da tragédia do Holocausto. Mundruczó efetua um trabalho competente com seus atores, fazendo com que o estilo verborrágico soe orgânico na boca do elenco, capaz de imprimir intensidade sem cair no sentimentalismo. Há um distanciamento na abordagem dos personagens — com exceção da primeira cena, quando os cabelos de pessoas mortas são encontrados em buracos na parede. Paira a ideia contraditória de que os descendentes de vítimas seguem suas vidas tanto voltados ao passado quanto tentando se emancipar dele.
Mesmo assim, o material humano permanece em segundo plano em relação ao imperativo formal. Como já havia ocorrido em Pieces of a Woman (2020), a fragmentação da narrativa e os longuíssimos planos-sequência chamam muito mais atenção ao virtuosismo da direção do que à complexidade humana que eles pretendem representar. Em paralelo, para além da dificuldade deste estilo, que costuma despertar admiração, as imagens contínuas não produzem nenhum efeito impactante de ordem estética, porque enfrentam óbvias dificuldades de enquadramento e iluminação durante a captação contínua.
É possível imaginar as maneiras em que planos fixos, ou movimentos menos extensos permitiriam ao diretor reforçar os sentimentos, a solidão, o desconforto de cada personagem. No entanto, privilegia-se o desafio pessoal de fazê-los perambular quase a esmo, enquanto a imagem desliza, sobe e desce, aproxima-se e afasta-se dos corpos e dos detalhes. Há um aspecto vaidoso na iniciativa, procurando dizer: “Olhe o que eu sou capaz de fazer!”. A transformação de vítimas do genocídio em acessórios para a demonstração de habilidades do autor não soa como a forma mais elogiosa de retratá-los.
Além disso, a conexão entre os três segmentos resulta frouxa. Trata-se de três gerações, unidas mais pelo plano contínuo do que por um debate coerente de ideias. A primeira parte se torna um delírio próximo do cinema de horror, todo trabalhado na gradação e no impacto de som e luz. Em seguida, a conversa corriqueira de mãe e filha se apoia inteiramente nas duas atrizes, quando a câmera inclusive demonstra dificuldades em se estabilizar pós-retorno do passeio para fora do prédio. O trecho final alude a uma fábula sobre a paixão entre o garoto judeu e a garota muçulmana, de teor menos impactante, pendendo ao otimismo (vide o terno beijo no final, substituindo a apoteose dos capítulos anteriores).
Ao final, Evolução parte de um conceito interessante, ainda que desperte a aparência de um longa-metragem incompleto, de pouca coesão. Ele permanece na constatação dos fatos (diferentes gerações lidam de maneiras distintas com o passado traumático), sem saber ao certo que conclusão extrair deste debate em aberto. Mundruczó está mais preocupado com a imagem exteriorizada do corpo, dos cabelos, do bebê, das fezes no chão e do corpo andando pela cidade do que na psicologia dos personagens. Preocupa-se demais com tudo o que pode ser exteriorizado, ainda que, neste caso, a psicologia e a subjetividade dos protagonistas teriam sido igualmente importantes.
Distribuído comercialmente no Brasil pela Imovision.