A Bolha (2022) parte de uma ideia de forte potencial: parodiar o mundo artificial e absurdo dos filmes de fantasia, dotados de criaturas gigantes e heróis destemidos, em conjunto com o mundo artificial e absurdo da pandemia de Covid-19, com distanciamento social e testes envolvendo cotonetes enfiados no fundo das narinas. O ótimo e sucinto título remete tanto às ficções científicas mais tresloucadas do cinema (A Bolha Assassina, com versões em 1988 e 1958) quanto ao simples isolamento, comum em períodos de doenças virais.
O diretor Judd Apatow reúne um elenco prestigioso, incluindo alguns dos melhores nomes da comédia atual: Keegan Michael-Key, Leslie Mann e Vir Das, junto de atores cada vez mais confortáveis no gênero, a exemplo de Karen Gillan, Pedro Pascal e David Duchovny. Todos eles se entregam ao humor do ridículo, do improvável e ao humor físico com um comprometimento digno de nota. Ninguém minimiza a iniciativa: eles parecem acreditar, de fato, que estão construindo uma obra-prima do humor em tempos de crise.
Por estes fatores, surpreende e entristece se deparar com um resultado tão fraco. Os problemas se acumulam sem fim ao longo da narrativa com incontáveis problemas de lógica, até para os padrões condescendentes do nonsense. O roteiro, a direção, a montagem e a direção de atores parecem trabalhar em projetos diferentes, chegando a uma obra tão desigual e incoerente que aparenta ter sofrido inúmeros problemas de percurso, fruto de vozes bastante destoantes opinando sobre o produto final.
Para começar, o longa-metragem nunca apresenta sua dezena de protagonistas a contento. Duas horas terão se passado, e o espectador ainda não saberá por que a clausura teria sido particularmente dura para Carol (Kate Gillan), a única mostrada em quarentena; nem de onde surgiram os ímpetos religiosos de Sean (Keegan-Michael Key) e os delírios de grandeza de Darren (Fred Armisen). Quando estes fatores não servem mais ao roteiro, são apenas esquecidos, caso da seita, da ruptura amorosa, da segunda bolha de esportistas, do filho adotivo e da importância do TikTok nos bastidores das filmagens.
Devido à falha na construção de personagens, nenhuma piada funciona. Afinal, como rir do homem sedento por sexo se nunca sabíamos desta característica até sua busca desenfreada por uma parceira casual? Como entender o jogo de atração e repulsa estabelecido com a atendente do hotel, Anika (Maria Bakalova), posto que a jovem não possui um único traço de personalidade construído em cena? Qual seria a diversão da fuga repentina de Howie (Guz Khan), sem alguma preparação à explosão do personagem?
O próprio tema da Covid-19 será logo dispensado pela narrativa que não se importa de fato com a doença, com os personagens e muito menos com o cinema de fantasia que parodia.
Os gestos são fortuitos, aleatórios e, sobretudo, inconsequentes. Uma mulher perde a mão, e simplesmente desaparece da narrativa no dia seguinte. O roteiro se mostra incapaz de lidar com a fantasia criada por ele mesmo. Apatow apresenta dificuldade de lidar com dois elementos fundamentais da direção, e ainda mais importantes diante do tema escolhido: o tempo e o espaço. A impressão de cansaço decorrente da “bolha” de atores era indispensável para entender as explosões de raiva rumo ao clímax, enquanto a prisão no hotel de luxo poderia revelar a solidão, a perda de referências, o desconforto com um local diferente do lar.
Nada disso ocorre de fato: os letreiros apontam saltos de vários dias, enquanto diálogos explicativos nos contam quantas diárias de filmagem foram concluídas. O espaço centralizador do hotel não se desvenda enquanto geografia, cenário de luxo nem de opressão, permanecendo na função de fundo cenográfico diante do qual os atores executam suas performances. O próprio tema da Covid-19 será logo dispensado pela narrativa que, no fim das contas, não se importa de fato com a doença, com os personagens e muito menos com o cinema de fantasia que parodia.
As melhores sátiras são aquelas de ordem afetiva, capazes de apontar derivas e exageros enquanto comprovam seu afeto pelos títulos citados. Ora, o filme-dentro-do-filme, Cliff Beasts, possui detalhamento nulo. Desconhecemos a premissa, o suposto esgotamento da franquia e a sinopse do sexto capítulo realizado pelos personagens-atores. É triste se deparar com um projeto sobre o cinema que se preocupa tão pouco com o próprio cinema. Apatow prefere fazer múltiplas piadas com danças no TikTok ao invés de conceber uma única piada de luz, enquadramento, montagem, efeitos visuais. A linguagem do cinema passa longe do alvo cômico.
Em consequência, o elenco fica perdido, atuando em registros diferentes, desprovidos de motivações ou ambições de fato. Haveria potencial em se explicar o ridículo sotaque de Dieter (Pedro Pascal) como representação exótica do estrangeiro, ou a presença do homem de origem indiana enquanto alívio cômico. Mas A Bolha não está disposto a criticar ninguém de fato, seja os atores egocêntricos, os produtores que pensam apenas no dinheiro, ou os cineastas com síndrome de gênios. De que serve uma paródia incapaz de parodiar seus referenciais, preferindo recorrer a um pálido imaginário popular dos sets de filmagem?
Além disso, a extensa duração depõe contra a experiência tão insistente, em termos de tom, quanto apática, nos efeitos provocados. O projeto soa como uma longuíssima piada sem preparação nem punchline, apenas um brainstorming infinito de meias-ideias podadas de desenvolvimento e contexto, costuradas à força pela montagem. Resta a impressão de que as sequências filmadas mal servem para compor um longa-metragem completo. Apatow tenta convencer o público pela insistência e pela multiplicação de aparições amigáveis de celebridades (Daisy Ridley, John Cena, James McAvoy). A estratégia de insistência produz cansaço, e apenas reforça o caos por trás de uma produção desgovernada.