A Planta (2023)

Você precisa saber

título original (ano)
A Planta (2023)
país
Brasil
linguagem
Documentário
duração
80 minutos
direção
Beto Brant
visto em
Fest Aruanda 2023

A Planta pode ser considerado um filme “de tema”, como diriam os franceses. Em outras palavras, um projeto movido por uma mensagem clara e um ensinamento específico: a cannabis medicinal tem se provado um remédio fundamental para ajudar pacientes e familiares na briga contra doenças e síndromes como o espectro autista, o Alzheimer, o Parkinson, o câncer, etc. Da primeira à última cena, o diretor Beto Brant apresenta as vantagens da planta, de sua descriminalização e seu cultivo, inclusive doméstico.

O longa-metragem efetua uma ampla pesquisa com neurocientistas, biólogos, farmacêuticos e médicos. Afirma que a cannabis seria responsável por menos internações hospitalares (gerando, portanto, menos gastos ao Estado); não desperta o torpor típico da maioria dos medicamentos tarja preta; seria fácil de plantar e extrair, além de mais democrático no acesso (o resultado é muito mais barato do que os equivalentes industriais). Elenca um sem-número de benefícios, para nenhuma contraindicação.

A obra se volta, em primeiro lugar, à conscientização, e em segundo, ao convencimento. O diretor nunca busca colocar frente a frente as falas de pessoas pró e contra a cannabis; os médicos que utilizam o óleo extraído das folhas, e aqueles que preferem a alopatia convencional. Ele dispensa o confronto entre diferentes resultados de estudos; nem reflete acerca do posicionamento de diferentes senadores, vereadores e demais políticos a respeito da descriminalização da cannabis — e, em consequência, da maconha. 

O documentário se aproxima muito de um vídeo institucional para as quatro ou cinco associações produtoras de cannabis medicinal, mencionadas nos letreiros.

O documentário se contenta em apresentar exclusivamente as maravilhas do remédio. Há bases para tal afirmação, é claro: os cientistas multiplicam termos técnicos, em jargão muitas vezes hermético ao público amplo, de modo a gerar respeitabilidade. Trata-se de profissionais egressos das principais universidades brasileiras, e estudiosos no tema. Sugerem que os únicos motivos para os avanços ainda tímidos da exploração da cannabis ao nível federal seriam o preconceito moral e religioso, o medo de perder votos e a pressão contrária da indústria farmacêutica.

Tematicamente, a pesquisa se sustenta. Esta seria uma tese aprovada com louros em qualquer banca de doutorado. No entanto, os questionamentos a respeito de A Planta decorrem de seu caráter cinematográfico, e artístico de modo mais amplo. Retiremos os aspectos médicos do foco por um momento, para nos concentrar nas escolhas de linguagem, de tom, de ponto de vista. Em outras palavras, a estética escolhida para sustentar este generoso panfleto. 

O cinema, neste caso, jamais oculta sua vocação utilitarista. O documentário se aproxima muito de um vídeo institucional para as quatro ou cinco associações produtoras de cannabis medicinal, mencionadas nos letreiros. Elas são representadas enquanto pequenas empresas familiares, movidas por amor e conhecimento, seguindo todos os procedimentos de segurança, cultivando plantas orgânicas, e cuidando dos filhos com carinho. Há belos planos aéreos em drone, imagens de mães chorando, familiares afirmando a beleza e a importância da planta para a saúde o filho no espectro autista, responsável pela redução brusca do número diário de crises.

Brant vai além. Coloca crianças se divertindo numa cama elástica em câmera lenta, sorrisos em câmera lenta, choros em close-up. Nada muito distante de uma propaganda de seguro de vida, ou de dentifrício. Filma o pai aplicando as gotas na boca do filho, escuta os elogios ao menino dotado de conhecimentos profundos de História e que, graças ao óleo, se tornará um ótimo profissional no futuro. Adota-se um caráter romantizado, idealizado, muito próximo da estética religiosa — vide a iluminação doce, o pôr do sol coroando famílias reunidas, a trilha sonora quase ininterrupta, os abraços e cuidados de pessoas exclusivamente gentis. 

Ora, há tanto esforço em construir uma estética do milagre que o discurso se aproxima do clickbait, da comunicação exagerada em tempos de redes sociais. “Você precisa ver isso!”, “Conheça a verdade que estão escondendo de você!”, “Descubra o remédio milagroso capaz de ajudar em todas as doenças!”. Frases de efeito que se multiplicam no baixo jornalismo da Internet e nas correntes de WhatsApp se assemelham bastante à mensagem martelada, cena após cena, nas imagens publicitárias do documentário.

A obra evita contextualizar a discussão. As leis em relação à cannabis evoluíram? Como se portam em outros países? Como nossos representantes se posicionam a respeito? De que maneira a discussão retrocedeu nos anos Bolsonaro? Há casos de famílias que plantaram a cannabis e depois foram presas, ou punidas de qualquer forma por isso? Quais argumentos religiosos, morais e científicos são utilizados contra este uso? Haveria inúmeras formas de expandir o debate para as circunstâncias políticas, sociais e econômicas nas quais a planta está claramente inserida.

No entanto, o filme se contenta em provar a tese movida pelos criadores desde o princípio. Brant e sua equipe não parecem ter descoberto nada ao longo da pesquisa: desejavam efetuar uma obra a respeito do potencial imenso da cannabis, e assim o fizeram — por meio do uso de som, imagem e ritmo bastante eficazes, sem dúvida. Entretanto, partem deste deslumbre e chegam, 80 minutos depois, à mesma constatação elaborada a princípio. A defesa da planta se isola numa bolha longe das leis, da política, da economia. Assim, torna-se retórica (a prova de que o bom é bom) e pouco reflexiva. Isso sem falar na decisão questionável de colocar o tema acima da forma, e reduzir o cinema a um veículo de informações.

A Planta (2023)
4
Nota 4/10

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