Freda (2021)

Um ótimo lugar para ir embora

título original (ano)
Freda (2021)
país
Haiti, Benim, França, Catar
gênero
Drama
duração
93 minutos
direção
Gessica Généus
Elenco
Nehemie Bastien, Gaëlle Bien-Aimé, Djanaina Francois, Jean Jean, Cantave Kervern, Rolapthon Mercure, Fabiola Remy
Visto em
11º Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba

Freda (2021) possui a aparência e o tom de um filme leve. Os dilemas dos personagens surgiram antes de a trama começar, e quando aparecem diante dos nossos olhos, os membros da família já aprenderam a lidar com seus obstáculos — de maneiras saudáveis ou não, a discutir. Este drama revela uma situação crônica, decorrente da crença de que nada poderá melhorar na vida desses jovens haitianos. Eles são pobres, não encontram empregos decentes, nem casamentos satisfatórios. Mas fazer o quê? As coisas sempre foram assim.

A diretora Gessica Généus evita o tom de urgência ou proselitismo. Como boa cronista, percebe inúmeras falhas estruturais, porém não fornece soluções fáceis às mulheres em cena — são elas, em especial, que conduzem a narrativa. Freda (Nehemie Bastien), a irmã Esther (Djanaina François) e a mãe Jeanette (Fabiola Remy) ora cedem às violências, porque acreditam na capacidade estoica de acatar a repressão masculina, ora decidem se revoltar simbolicamente contra o patriarcado, ainda que não contem de fato com uma revolução. Elas fazem o que podem dentro do escopo íntimo que lhes é permitido.

É sintomático que a autora eleja Freda como protagonista: trata-se da única estudante universitária, dedicada à antropologia, e munida de uma visão tão potente quanto realista da política. Ela acredita na necessidade de lutar, sem confundir o senso de justiça com o ímpeto de vingança contra seus algozes. O longa-metragem foge com habilidade tanto do justiçamento revanchista quanto do conformismo diante de situações de opressão, graças ao ponto de vista da jovem inconformada.

Ela se apaixona pelas artes, e também por um artista em situação financeira decadente. A irmã, em contrapartida, segue os desejos da mãe ao buscar um homem rico “que lhe leve daqui”. Estas figuras exemplares diferem quanto às perspectivas de fuga: seja a mudança para outro país, o casamento por interesses econômicos ou a modificação plausível e lenta da configuração política através das ferramentas da social-democracia. O drama oferece um retrato nada amistoso de Porto Príncipe, porém sem deplorar a cidade. A capital é percebida como um ótimo lugar para ir embora.

Généus evita colocar as figuras femininas contra si mesmas, e rumo ao final, promove um esforço de sororidade como forma de enfrentar os maridos, patrões e amigos violentos.

O roteiro acena a pequenas perspectivas de melhoria, sempre sabotadas pelo realismo. Cada vez que se sonha com um príncipe, uma boa profissão ou uma conquista intelectual, as conquistas serão podadas — sem desespero nem lágrimas por parte das protagonistas, somente um cansaço de quem já atravessou revezes semelhantes antes. As aulas na universidade são suspensas pela greve dos professores, e então, os estudos desaparecem da trajetória. O namorado oferece um bilhete para voltarem à sua cidade, porém o silêncio da protagonista enterra esta perspectiva. Esta é uma jornada de sonhos minúsculos e sorrisos menores ainda.

A estética acompanha o ponto de vista plácido. Porto Príncipe adquire cores lavadas, pouco chamativas. As paredes verdes das casas envelheceram e adquiriram um tom pastel; as aulas ocorrem em salas acinzentadas, enquanto as cores bege das ruas de terra e da fachada das casas dita o tom das sequências externas. Nada efetivamente empolgante ocorrerá a nenhuma personagem, pelo contrário, caberá ao espectador descobrir traumas reprimidos ou mal resolvidos pelo grupo no passado.

A diretora aposta alto em seu elenco. Após inúmeras cenas de retenção de sentimentos, oferece ao trio central a possibilidade de extravasá-los espetacularmente, com um grande choro desmedido, em cenas independentes. Estes instantes são longos, em plano-sequência e close-up, exigindo uma desenvoltura excepcional das intérpretes. Nestes casos, Fabiola Remy se mostra mais confortável com a câmera presa ao rosto do que Nehemie Bastien. Fora da catarse, no entanto, todas cumprem com folga suas funções. 

O melhor instante provém da alternância de perspectiva em relação a Jeanette, que se aproximava de uma vilã, até o potente monólogo em off convidar o espectador a reavaliar sua postura em relação a esta mulher. “A gente só pode dar aquilo que recebeu”, comenta a filha, entendendo que sua mãe possui um histórico de sofrimentos e abusos reprimidos. Généus evita colocar as figuras femininas contra si mesmas, e rumo ao final, promove um esforço de sororidade como forma de enfrentar os maridos, patrões e amigos violentos. Os abraços e carinhos entre mulheres resultam nos instantes mais fortes do projeto.

Em especial, os crimes cometidos contra elas serão ocultados da imagem. Estupros, abusos doméstico e outras formas de descaso com mulheres (vide a cena final) serão somente sugeridos, e refletidos nos rostos das vítimas pós-agressão. Mesmo que a cineasta demonstre prazer especial em se aproximar dos corpos e das circunstâncias em plano de detalhe, ela evita transformar o sofrimento feminino num espetáculo redentor para o público. Há pudor e respeito na linguagem.

Freda observa com olhar crítico, porém terno, estas pessoas que usam cremes para embranquecer a pele, e repudiam a condescendência dos turistas brancos, apesar de dependerem do cliente estrangeiro para vender seus produtos. São pessoas contraditórias, falhas, forjando sua identidade num país onde o orgulho encontra o desejo de fuga. A busca da emancipação se bifurca entre um caminho da ciência e da arte, e o outro, que passa pelo capital. Esta última solução se prova amarga e particularmente cruel com as personagens.

Freda (2021)
8
Nota 8/10

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.