A premissa deste filme é bastante justificável: representar o pintor Salvador Dalí através de seis atores diferentes (por isso as seis letras “a” do título), revezando-se de modo aleatório em cena. A multiplicação representaria a impossibilidade de reduzir o pintor a uma figura única, além de fugir à armadilha de propor uma caracterização fiel. Em paralelo, estabeleceria um diálogo direto com a compreensão do surrealismo, segundo o qual a realidade precisa ser ultrapassada, ao invés de reproduzida. Em outras palavras, conceitualmente, trata-se do ponto de partida ideal para um filme metalinguístico e despojado, contrariando a seriedade solene das autobiografias convencionais.
O cineasta Quentin Dupieux também aparenta se encaixar à perfeição nesta demanda, devido ao histórico de projetos voluntariamente anárquicos, avessos às conexões com o naturalismo. O autor já criou histórias a respeito de pneus assassinos (Rubber, 2010), a busca pelo melhor gemido da história do cinema (Réalité, 2014), a obsessão de um homem por sua jaqueta (Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo, 2019) e um porão permitindo atravessar o espaço-tempo (Incroyable Mais Vrai, 2022), para citar apenas alguns. Logo, concessões à lógica e ao real constituem uma prática corriqueira para o criador.
Para o cineasta, o pintor foi uma diva incontrolável. Isso é divertido, é leve, mas também é insuficiente, mesmo dentro da leve provocação a que o longa-metragem se propõe.
No entanto, este projeto chega num instante particular de sua carreira, quando elabora projetos cada vez mais acelerados, de curta duração e orçamento limitado, multiplicando o volume de lançamentos — Dupieux chegou a fazer dois filmes por ano em 2022 e 2023, no qual se inclui Daaaaaalí!. Aclamado pelos grandes festivais de cinema do mundo, e encarado com mais curiosidade do que admiração (provocando perguntas do tipo “O que o diretor vai aprontar desta vez?”), ele tem desenvolvido obras nas quais a ideia soa crua, pouco amadurecida. Dupieux demonstra maior interesse em conceber premissas inesperadas do que em desenvolvê-las de fato. As histórias se baseiam na exposição deste ponto de partida singular, tido como motivação e finalidade — como já se percebia em Fumar Causa Tosse e Yannick.
A não-biografia do espanhol desperta uma impressão semelhante. Além da multiplicação de atores (Gilles Lellouche, Edouard Baer, Jonathan Cohen, Pio Marmai, Didier Flamand e Boris Gillot), o cineasta decide representar o protagonista por um mero traço de personalidade: o egocentrismo. Nesta comédia, Dalí deseja ser filmado com as maiores câmeras possíveis, por uma equipe numerosa. Ele insiste em apalpar os seios das maquiadoras, exige dirigir um conversível na praia, e trata todos ao redor com profundo desdém. Mesmo assim, estas figuras-satélites ainda o consideram fascinante, consentindo com cada capricho do gênio. Este seria o preço a pagar, aparentemente, pela riqueza inestimável de suas criações.
Logo, com os olhos arregalados, o bigode característico e um sotaque espanhol fortíssimo, o homem move-se entre ordens, exigências e ataques de fúria. Compreende-se que Dupieux parta para a caricatura assumida — ninguém exigiria de tal projeto uma sutileza das ações e formas. No entanto, mesmo para os padrões do realismo fantástico, ou para a comédia do absurdo, a proposta soa magra: Dalí não teria nenhum outro interesse, ao longo de 77 minutos de narrativa, além de ser mimado? Nenhum tema a enfrentar, um quadro que pensaria em pintar, um conflito pessoal a resolver? A iniciativa resulta naquilo que os norte-americanos chamariam de one-trick pony, ou nosso samba de uma nota só: ela depende de uma única ideia, explorada à exaustão até se atingir a mínima duração do longa-metragem.
Sem dúvida, os atores se divertem na rara proposta da hipérbole assumida. Percebe-se o prazer em mandar às favas a psicologia dos personagens, a composição tradicional de uma pessoa conhecida, podendo explorar sem meios-termos o teor cartunesco. Anaïs Demoustier, atriz habituada aos universos excêntricos do diretor, também brinca com a inocência da aspirante a jornalista, incapaz de domar a personalidade gigantesca do pintor à sua frente. Ela recebe ordens para se vestir melhor, se maquiar, e colocar roupas mais provocadoras para reter a atenção do espanhol. (Pode-se questionar, inclusive, a tendência de Dupieux em extrair humor basicamente de uma sequência de violências de gênero, verbais ou físicas, sem qualquer forma de questionamento).
Mesmo esteticamente, as provocações são modestas. É pitoresco, sem dúvida, transformar a caminhada de Dalí pelo corredor de um hotel como uma andança interminável, ou imaginar que as figuras humanas distorcidas de seus quadros tenham sido modelos igualmente distorcidos, posando para o pintor. A ideia do sonho-dentro-do-sonho também dialoga de maneira direta com o aspecto onírico das criações de Dalí. Em contrapartida, trata-se de momentos isolados, na forma de esquetes cômicas unidas sem real coesão estética. Nada na forma de enquadrar, iluminar, compor ou montar transmite um desejo de ruptura com o real, para além das esperadas citações a quadros do artista. Ora, o surrealismo sustentava um embasamento filosófico e político muito mais complexo do que a simples esquisitice-pela-esquisitice, a aleatoriedade pelo mero direito de se fazer o que quiser. Dupieux confunde a vanguarda artística com uma rebeldia infantil.
Assim, Daaaaaalí! encerra-se exatamente onde começou, tanto em termos narrativos quanto estéticos. Passados dez minutos da aventura, teremos descoberto todas as ideias de linguagem e de humor propostas por Dupieux. Nem mesmo o amplo leque de Dalís confere alterações substanciais na percepção do personagem, posto que os atores o interpretam de maneiras semelhantes. Tampouco se explora a tensão evidente de um olhar francês à Espanha, ou um olhar do século XXI ao mundo de 70 anos atrás, e mesmo de uma narrativa digital e efêmera ilustrando uma arte que se pretendia permanente. Para o cineasta, o pintor foi uma diva incontrolável. Isso é divertido, é leve, mas também é insuficiente, mesmo dentro da leve provocação a que o longa-metragem se propõe.