De Volta ao Baile (2022)

A comédia romântica em tempos de redes sociais

título original (ano)
Senior Year (2022)
país
EUA
gênero
Comédia
duração
111 minutos
direção
Alex Hardcastle
elenco
Rebel Wilson, Angourie Rice, Mary Holland, Molly Brown,
Sam Richardson, Zaire Adams, Zoe Chao, Ana Yi Puig,
Justin Hartley, Jade Bender, Chris Parnell,
Avantika, Joshua Colley, Jeremy Ray Taylor, Michael Cimino, Brandon Scott Jones
visto em
Netflix

Stephanie (2022) passa vinte anos em coma. A antiga líder de torcida, que se preparava para o baile de formatura, acorda com 37 anos, sem entender o que lhe aconteceu. As consequências desta premissa cômica são evidentes: ela desconhece a tecnologia moderna, as redes sociais, os telefones celulares, Lady Gaga. O roteiro se dedica então a satirizar a inadequação cultural e a frágil sensação de pertencimento de alguém que, de certa maneira, viajou no tempo.

O texto demonstra uma fascinação pelas transformações mágicas: a adolescente impopular se converte na jovem mais famosa da escola com rapidez espantosa, antes de cair no esquecimento e precisar subir as escadas da fama pela segunda vez. Garotas esnobes se tornam inclusivas; líderes de torcida fracassados criam uma coreografia impressionante do dia para a noite; a jovem conquista milhares de seguidores subitamente, e na manhã seguinte, sua casa está tomada de “recebidos” para a nova influenciadora. 

O choque de opostos promovido pelas conversões abruptas constitui o motor narrativo preferido do diretor Alex Hardcastle. Patinhos feios serão reis do baile; a jovem mais popular será esquecida num instante. Neste terreno de afetos efêmeros, as pessoas se tornam descartáveis, e os acontecimentos precisam se suceder com a velocidade típica das timelines de redes sociais. Neste sentido, o cineasta aposta numa linguagem ultra contemporânea, sem necessariamente fragmentar a montagem ou inserir inúmeros emojis e decorações na imagem, a exemplo das primeiras comédias sobre o mundo conectado.

Em especial, o projeto mergulha na identidade norte-americana, criticada enquanto cafona e arcaica. O alvo se encontra nos atletas musculosos, os nerds ignorados, os estrangeiros desprezados, as meninas malvadas e as certinhas, além do colega gay servindo de suporte ao protagonista cisgênero, heterossexual e branco. A segregação do ambiente escolar se converte no cenário ideal, explorado com um misto de reverência e senso crítico. O autor percebe falhas neste sistema, porém está longe de propor uma ruptura com o mesmo.

A maior sensação de incômodo diante de De Volta ao Baile (2022) provém deste posicionamento político morno, em cima do muro. Preocupado em incomodar conservadores e progressistas, Hardcastle taxa ambos de ridículos. Por um lado, as meninas famosas são tratadas como superficiais e, no fundo, tristes com suas vidas vazias. Por outro lado, o discurso politicamente correto de inclusão, respeito às diferenças e consentimento sexual se transforma num teatro pedagógico não menos grotesco. 

A maior sensação de incômodo diante de De Volta ao Baile provém deste posicionamento político morno, em cima do muro. Preocupado em incomodar conservadores e progressistas, Hardcastle taxa ambos de ridículos.

Por isso, a ampla representatividade LGBTQIA+ deixa, neste caso, um gosto desagradável. Há diversos personagens gays, lésbicas e fluidos, ao lado de personagens negros, indianos e asiáticos. No entanto, eles se desenvolvem pouco, e recebem atenção ínfima do diretor em termos de preparação de atores e função cênica. Joshua Colley, Michael Cimino, Avantika e Jeremy Ray Taylor, jovens de evidente talento, estão perdidos nas cenas coletivas, quando seguem sabem para onde olhar, ou como se portar enquanto os protagonistas se expressam.

De fato, a presença de minorias soa possível apenas em posição secundária, desprovida da manifestação de desejos e afetos. Uma importante personagem se declara lésbica, mas jamais a vemos demonstrando carinho por qualquer mulher. Assim que efetua a revelação, desaparece rapidamente da trama, antes de ser resgatada no final. É sintomático que o desfecho proponha uma ciranda com pessoas de diversas etnias, raças e orientações sexuais literalmente carregando a mulher branca, hétero e cis.

Ao menos, os atores principais possuem notável desenvoltura cômica. Rebel Wilson é uma excelente atriz e humorista, e finalmente, ganha um papel onde não precisa fazer chacota de seu sobrepeso. Desta vez, ela parodia o fato de ser mais velha entre os jovens, ou ignorante em cultura pop entre os garotos conectados, mas nenhum comentário sobre seu corpo será emitido ao longo da jornada. Mesmo o vestido da mãe, reservado para a garotinha de 17 anos, cairá como uma luva para a adulta de 37 anos. Wilson brinca com os olhares, o tempo das falas e atribui uma malícia deliciosa a tiradas bem simples.

Seus principais colegas de cena possuem naturalidade semelhante para o humor de desconforto: Chris Parnell executa com facilidade a figura do pai deslocado, para quem o coma da filha soa uma questão desimportante; e Mary Holland manipula com carinho a figura da mulher rígida, cujo humor provém da própria solidão. Zoe Chao também constitui uma adição de peso, sem falar na importância da aparição de Alicia Silverstone num instante-chave, representando um ícone das comédias românticas dos anos 1990, graças às Patricinhas de Beverly Hills (1995).

Esteticamente, é preciso reconhecer o esforço do diretor em construir cenas de humor proveniente apenas da linguagem e das atuações, ao invés do roteiro. Por duas vezes, o espectador acredita testemunhar uma confissão a dois, até o enquadramento se abrir e descobrirmos diversas pessoas ao redor, o que desperta graça e ressignifica as cenas dentro de um único plano. Adiante, Wilson “congela” o rosto diante de uma revelação, deixando uma impressão dúbia entre o congelamento da atriz ou da imagem.

Em contrapartida, estes fragmentos são raros, e se dissipam por completo na sequência final. Embarcando numa atmosfera de superação sorridente e musical, semelhante a Glee e High School Musical, o desfecho suspende magicamente as brigas e interrompe os problemas, pedindo a todos que deem as mãos, tornem-se pessoas melhores e dancem a mesma coreografia. O filme já desenhava conflitos simplificados, no entanto, a decisão de vencê-los pela força do amor demonstra o comprometimento mínimo com o real.

Por fim, De Volta ao Baile se equilibra mal entre tradição e modernidade. Por um lado, inclui celulares, redes sociais e figuras da diversidade em quantidade suficiente para ser considerado um produto dos nossos tempos. Por outro lado, trata-os como tokens mal desenvolvidos, e ainda sugere que homofobia, etarismo, solidão, bullying e a pressão de seguir padrões sejam superados através da boa vontade, ao invés de esforços concretos — legais, políticos, psicológicos, comunitários, que seja. A sucessão de frases de autoajuda na conclusão beira o constrangimento, amargando o tom feel good procurado com insistência pelo diretor. 

“Por que se encaixar na norma, se você pode ser quem realmente é?”, questiona a narração. Poxa, por que ninguém havia pensado nisso antes, não? O cinema comercial que busca ser inclusivo e gay-friendly ainda precisa aprender que tratar dificuldades políticas, sociais e psicológicas como uma questão de âmbito individual (basta se esforçar, acreditar, perdoar) atribui ao indivíduo o peso de seu próprio sofrimento, e a responsabilidade pelo preconceito que sofre. Não há nada propriamente contemporâneo nem sofisticado num apelo moralista à igualdade, introduzido com um toque de mágica.

De Volta ao Baile (2022)
5
Nota 5/10

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