Chega às salas escuras mais um caso excepcional, uma história improvável e absurda, do tipo que Hollywood corre para transformar num filme “baseado em fatos”. A indústria ama os episódios que “precisam virar filme”, porque “ninguém acreditaria” caso partissem de um roteiro fictício. É interessante a crença de que o cinema tenha como vocação essencial registrar os pontos fora da curva, o espetáculo que escape à realidade média. Essa tendência sugere, por exclusão, que nossa vivência média seria desinteressante, ou menos digna de retrato do que as aberrações do sistema.
Dinheiro Fácil estreia pouquíssimo tempo após os acontecimentos que lhe servem de base. Em 2021, a loja de jogos GameStop, em dificuldade financeira, conseguiu um feito extraordinário na bolsa de valores. Diversos cidadãos, com pouco conhecimento do mercado de ações, apostaram na ideia de comprar ações a descoberto, recusando-se a vendê-las apesar da valorização do investimento. Assim, levaram a uma crise em Wall Street, e chamaram atenção da Casa Branca.
O sistema especulativo possui suas regras e jargões próprios, de difícil compreensão para o espectador comum. Por isso, o diretor Craig Gillespie reduz o embate ao essencial: uma jornada de Davi contra Golias, quando pequenos vendedores, enfermeiros e estudantes universitários conseguiram enfrentar, ainda que temporariamente, os magnatas da Bolsa. Entregaram-se a um pacto silencioso para manterem as ações supervalorizadas, contradizendo todos os manuais de economia disponíveis.
Apesar da ideologia ingênua, o resultado possui qualidades. Em primeiro lugar, evita os tiques e excessos que têm marcado as histórias reais de grandes empresas.
Por isso, é fundamental à imagem explorar os opostos: por um lado, há Gabe Plotkin (Seth Rogen) planejando a construção de uma quadra de tênis em sua mansão, Ken Griffin (Nick Offerman) desfrutando de refeições finas e Vlad Tenev (Sebastian Stan) explicando aos jornalistas como acumulou seu primeiro milhão de dólares. Por outro lado, Jenny (America Ferrara) não tem dinheiro para pagar o aparelho dentário do filho; Marcus (Anthony Ramos) é explorado pelos patrões na pequena loja de games (a própria GameStop), e Harmony (Talia Ryder) se afunda em dívidas na universidade. “É sobre luta de classes”, explicam didaticamente os diálogos a quem ainda não tenha compreendido.
O elemento permitindo a inesperada transição entre dois mundos é Keith Gill (Paul Dano), um pequeno economista desconhecido, desempregado, que busca qualquer emprego para sustentar a esposa e o bebê pequeno. Convertido em TikToker, desperta um movimento abrupto de compra das ações da GameStop. Em sua vertente cômica, o longa-metragem insiste na improbabilidade deste “guru” que se veste com roupas de gato, usa frases de efeito e revela seus boletos bancários, muito modestos, em cada live aos seguidores. Deste modo, os losers conseguiram se identificar com ele.
Dinheiro Fácil também explora as ferramentas cômicas do stoner movie, o filme de colegas doidos de maconha, ou pelo menos irresponsáveis e irrefletidos, agindo como adolescentes em oposição ao comportamento esperado de um adulto. A presença de Seth Rogen, um dos pilares do subgênero, permite tal aproximação, além da introdução da cerveja, das danças do TikTok, e das compras de ações consideradas fiasco garantido. O roteiro recompensa simbolicamente estas pessoas “corajosas”, que ousam nadar contra a corrente, por mais imprudentes que possam ter parecido.
Mais do que isso, Gillespie e o trio de roteiristas elevam seus cidadãos comuns ao posto de grandes heróis, sugerindo que iniciaram uma revolução capaz de colocar qualquer cidadão comum frente a frente aos magnatas de Wall Street, bastando ousadia e pensamento fora dos padrões. Estimam que, após o caso GameStop, a bolsa nunca mais foi a mesma, e agora teme o indivíduo ordinário. Esta idealização do miserável, e a crença no “tudo pode ser, basta acreditar” reforçam um pensamento norte-americano de pouco embasamento factual. Este corresponde ao aspecto menos interessante da obra — Hollywood sempre amou vender a exceção enquanto modelo viável a todos.
Apesar da ideologia ingênua, o resultado possui suas qualidades. Em primeiro lugar, evita os tiques e excessos que têm marcado as histórias reais de grandes empresas, sobretudo aquelas dirigidas por Adam McKay e Aaron Sorkin. Isso significa que desaparecem, finalmente, a câmera tremida em excesso, a imagem se reenquadrando a cada cinco segundos, os falatórios intermináveis entre corredores. Desta vez, os personagens ganham tempo para a contemplação, a dúvida, o medo. Soam mais humanos.
Já a estética parte de uma janela elegante em scope, demonstrando evidentes recursos para contratar um número considerável de estrelas da indústria em papéis centrais. Mesmo assim, prefere os tons melancólicos, as casas e hospitais escurecidos, os locais sem móveis, inertes. A paleta de cores se mantém bege e cinzenta. Nenhum personagem se converte numa figura particularmente inteligente ou astuta. Por isso mesmo, a vitória dos menos qualificados se adequa ao tom de teatro do absurdo, em ritmo ágil, com direito a personagens satirizando a si mesmos e ao sistema econômico norte-americano. Ninguém é poupado neste olhar democraticamente zombeteiro.
Infelizmente, a conclusão recorre aos desgastados letreiros explicativos para sugerir o que ocorreu depois da trama mostrada ao público. Além disso, revela as imagens originais, assegurando que a caracterização dos personagens foi fiel às pessoas reais. Trata-se de um critério supervalorizado e, francamente, dispensável — qual seria o problema se Keith não usasse bandana vermelha, nem blusa de gatinhos? Enquanto isso, Paul Dano empresta sua fala doce e olhar afável ao homem comum, o americano médio, o sujeito sem qualidades. Ele convence, dentro das propostas modestas cinematograficamente, ainda que ambiciosas politicamente. A obra parte dos fatos apenas para sonhar com um mundo diferente, e bem distante do nosso.