Entre Rosas recorre a uma forma de cinema otimista e moral. Desde a primeira cena, determina-se que Eve (Catherine Frot), uma pequena criadora de flores, é devorada pelas grandes corporações que crescem ao seu redor. Apesar do talento e da dedicação, vê os negócios familiares à beira da falência. Os produtores apresentaram o projeto à imprensa como uma narrativa de “Davi vs. Golias”. A diferença entre opostos não poderia ser mais clara.
Por isso, o diretor Pierre Pinaud diminui ambiguidades rumo a um maniqueísmo evidente: Eve e sua secretária Véra (Olivia Côte) representam a bondade e a perseverança, em oposição a Lamarzelle (Vincent Dedienne), um empresário bruto, engravatado, que se importa pouco com as rosas, porém recolhe os prêmios e as vitórias em concursos locais. O homem esbanja arrogância, enquanto a pobre mulher se mantém íntegra. É óbvio de qual lado o drama se posiciona, e qual conclusão terá a corrida entre a lebre e a tartaruga.
O cineasta busca embaralhar um pouco as regras do jogo. Eve está longe de uma pessoa indefesa, pelo contrário: a pequena empresária não pensa duas vezes antes de explorar os funcionários e exigir que três estagiários, todos recém-saídos da prisão, efetuem o roubo de uma flor rara para ela. A presença de ex-condenados também evita que os trabalhadores sejam vistos como puros — algo que talvez constitua um problema. No entanto, para o olhar da câmera, eles se tornam ainda mais virtuosos porque conheceram o crime, e hoje se dedicam a um pequeno empreendimento local. A exemplo do olhar religioso, valoriza-se a redenção dos pecadores.
Em outras palavras, os supostos obstáculos servem apenas para tornar a revanche dos pequenos ainda mais espetacular, improvável e, na compreensão dos criadores, mais emocionante. Ao rapaz mais arisco e agressivo do grupo, entrega-se um dom raríssimo com os odores e perfumes. À garota introspectiva, oferece-se a chance de disparar um discurso eloquente na hora propícia. À solitária Eve, mulher sem filhos, traz-se a ideia de filhos postiços de quem precisa cuidar, e a quem ensinar os truques da profissão para perpetuarem o seu legado.
Entre Rosas sustenta valores tradicionais por trás da aparência de rebeldia social. […] Trata-se de uma fórmula previsível, cômoda e confortável, com tudo de positivo e negativo que esta combinação pode trazer.
No fundo, Entre Rosas sustenta valores tradicionais por trás da aparência de rebeldia social. O drama defende que apenas a união familiar permite estabilidade e crescimento; que a resistência tende a portar seus frutos de maneira garantida, mais cedo ou mais tarde — e, neste caso, literalmente. O roteiro acredita em milagres: uma flor raríssima nascida por acaso; um furto improvável que não acarreta consequências aos autores; uma descoberta providencial segundos antes de Fausto vender a alma ao diabo.
Trata-se de uma fórmula previsível, cômoda e confortável, com tudo de positivo e negativo que esta combinação pode trazer. É bom poder contar com Catherine Frot, atriz contida, pouco propensa ao melodrama ou aos recursos fáceis de corpo e voz. A veterana chega inclusive a compor uma protagonista próxima do desagradável, com comportamentos grosseiros e invasivos, preferindo perder a adesão de parte do público a converter sua heroína numa sofredora banal. Esta é uma das raras escolhas arriscadas dentro de uma obra de poucos riscos.
Além disso, Pinaud sabe trabalhar o arroz com feijão deste cinema de conveniências. A trilha sonora opera com discrição; a aproximação de Eve e Fred (Melan Omerta) se faz progressiva, com um pequeno cuidado de verossimilhança; a direção de fotografia trabalha tanto os dias de sol quanto os instantes nublados e pouco convidativos no campo de rosas. A idealização da “volta por cima” atenua sua inevitável ingenuidade em tom agridoce. Já a montagem prefere um tom contemplativo, abraçando silêncios e dispensando falas explicativas.
Assim, o drama entrega uma confecção competente dentro de um conceito que jamais busca qualquer forma de originalidade. Em termos de representação política, o resultado se mostra simplório: basta a boa vontade dos marginais para vencerem grandes corporações. Por que não haviam pensado nisso antes? O destino gentil, próximo do divino, tende a recompensar os desfavorecidos por suas boas intenções, introduzindo golpes do destino como a rosa valiosa. Seria difícil encontrar equivalentes para tal rompante de sorte numa situação realista, razão pela qual o longa-metragem se aproxima mais da fantasia do que da fábula de conquista social.
Em se tratando da França interiorana, contemporânea, haveria inúmeros acenos possíveis a comunas reais, a manifestações e organizações existentes, a frases e pensamentos de certos governantes e presidenciáveis na Europa. Como se posicionam, ideologicamente, Eve, Fred, Nadège, Véra e Samir? Seria muito mais fácil estabelecer conexões com uma sociedade francesa desigual do que apostar nesta forma consensual de lutas contra o megaempresário vilão. No entanto, ao suspender especificidades, Pinaud torna o resultado mais genérico e superficial.
Restará uma experiência satisfatória, ainda que pouco memorável, do cinema-sonho, o cinema-tudo-é-possível, que consegue pasteurizar temas políticos fundamentais e vender uma forma de crença na superação de obstáculos sociais, e geracionais, graças à reinvenção de si. Não era preciso que o governo interviesse na questão, que deputados, leis ou outros agentes afetassem o duelo entre Eve e Lamarzelle. Recorre-se a uma solução de menos Estado para mais individualidade e valor moral. Alguns dirão, inclusive, que este olhar repleto de sorrisos e abraços teria um quê de reacionário.