Entre Rosas (2020)

Os humilhados serão exaltados

título original (ano)
La Fine Fleur (2020)
país
França
gênero
Drama, Comédia
duração
95 minutos
direção
Pierre Pinaud
elenco
Catherine Frot, Olivia Côte, Melan Omerta, Fatsah Bouyahmed, Marie Petiot, Vincent Dedienne, Pasquale D’Inca, Rukkmini Ghosh
visto em
Cinemas

Entre Rosas recorre a uma forma de cinema otimista e moral. Desde a primeira cena, determina-se que Eve (Catherine Frot), uma pequena criadora de flores, é devorada pelas grandes corporações que crescem ao seu redor. Apesar do talento e da dedicação, vê os negócios familiares à beira da falência. Os produtores apresentaram o projeto à imprensa como uma narrativa de “Davi vs. Golias”. A diferença entre opostos não poderia ser mais clara.

Por isso, o diretor Pierre Pinaud diminui ambiguidades rumo a um maniqueísmo evidente: Eve e sua secretária Véra (Olivia Côte) representam a bondade e a perseverança, em oposição a Lamarzelle (Vincent Dedienne), um empresário bruto, engravatado, que se importa pouco com as rosas, porém recolhe os prêmios e as vitórias em concursos locais. O homem esbanja arrogância, enquanto a pobre mulher se mantém íntegra. É óbvio de qual lado o drama se posiciona, e qual conclusão terá a corrida entre a lebre e a tartaruga.

O cineasta busca embaralhar um pouco as regras do jogo. Eve está longe de uma pessoa indefesa, pelo contrário: a pequena empresária não pensa duas vezes antes de explorar os funcionários e exigir que três estagiários, todos recém-saídos da prisão, efetuem o roubo de uma flor rara para ela. A presença de ex-condenados também evita que os trabalhadores sejam vistos como puros — algo que talvez constitua um problema. No entanto, para o olhar da câmera, eles se tornam ainda mais virtuosos porque conheceram o crime, e hoje se dedicam a um pequeno empreendimento local. A exemplo do olhar religioso, valoriza-se a redenção dos pecadores.

Em outras palavras, os supostos obstáculos servem apenas para tornar a revanche dos pequenos ainda mais espetacular, improvável e, na compreensão dos criadores, mais emocionante. Ao rapaz mais arisco e agressivo do grupo, entrega-se um dom raríssimo com os odores e perfumes. À garota introspectiva, oferece-se a chance de disparar um discurso eloquente na hora propícia. À solitária Eve, mulher sem filhos, traz-se a ideia de filhos postiços de quem precisa cuidar, e a quem ensinar os truques da profissão para perpetuarem o seu legado.

Entre Rosas sustenta valores tradicionais por trás da aparência de rebeldia social. […] Trata-se de uma fórmula previsível, cômoda e confortável, com tudo de positivo e negativo que esta combinação pode trazer.

No fundo, Entre Rosas sustenta valores tradicionais por trás da aparência de rebeldia social. O drama defende que apenas a união familiar permite estabilidade e crescimento; que a resistência tende a portar seus frutos de maneira garantida, mais cedo ou mais tarde — e, neste caso, literalmente. O roteiro acredita em milagres: uma flor raríssima nascida por acaso; um furto improvável que não acarreta consequências aos autores; uma descoberta providencial segundos antes de Fausto vender a alma ao diabo.

Trata-se de uma fórmula previsível, cômoda e confortável, com tudo de positivo e negativo que esta combinação pode trazer. É bom poder contar com Catherine Frot, atriz contida, pouco propensa ao melodrama ou aos recursos fáceis de corpo e voz. A veterana chega inclusive a compor uma protagonista próxima do desagradável, com comportamentos grosseiros e invasivos, preferindo perder a adesão de parte do público a converter sua heroína numa sofredora banal. Esta é uma das raras escolhas arriscadas dentro de uma obra de poucos riscos.

Além disso, Pinaud sabe trabalhar o arroz com feijão deste cinema de conveniências. A trilha sonora opera com discrição; a aproximação de Eve e Fred (Melan Omerta) se faz progressiva, com um pequeno cuidado de verossimilhança; a direção de fotografia trabalha tanto os dias de sol quanto os instantes nublados e pouco convidativos no campo de rosas. A idealização da “volta por cima” atenua sua inevitável ingenuidade em tom agridoce. Já a montagem prefere um tom contemplativo, abraçando silêncios e dispensando falas explicativas.

Assim, o drama entrega uma confecção competente dentro de um conceito que jamais busca qualquer forma de originalidade. Em termos de representação política, o resultado se mostra simplório: basta a boa vontade dos marginais para vencerem grandes corporações. Por que não haviam pensado nisso antes? O destino gentil, próximo do divino, tende a recompensar os desfavorecidos por suas boas intenções, introduzindo golpes do destino como a rosa valiosa. Seria difícil encontrar equivalentes para tal rompante de sorte numa situação realista, razão pela qual o longa-metragem se aproxima mais da fantasia do que da fábula de conquista social.

Em se tratando da França interiorana, contemporânea, haveria inúmeros acenos possíveis a comunas reais, a manifestações e organizações existentes, a frases e pensamentos de certos governantes e presidenciáveis na Europa. Como se posicionam, ideologicamente, Eve, Fred, Nadège, Véra e Samir? Seria muito mais fácil estabelecer conexões com uma sociedade francesa desigual do que apostar nesta forma consensual de lutas contra o megaempresário vilão. No entanto, ao suspender especificidades, Pinaud torna o resultado mais genérico e superficial.

Restará uma experiência satisfatória, ainda que pouco memorável, do cinema-sonho, o cinema-tudo-é-possível, que consegue pasteurizar temas políticos fundamentais e vender uma forma de crença na superação de obstáculos sociais, e geracionais, graças à reinvenção de si. Não era preciso que o governo interviesse na questão, que deputados, leis ou outros agentes afetassem o duelo entre Eve e Lamarzelle. Recorre-se a uma solução de menos Estado para mais individualidade e valor moral. Alguns dirão, inclusive, que este olhar repleto de sorrisos e abraços teria um quê de reacionário.

Entre Rosas (2020)
5
Nota 5/10

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