Air: A História por Trás do Logo (2023)

Os heróis do mundo empresarial

título original (ano)
Air
país
EUA
gênero
Biografia, Drama
duração
112 minutos
direção
Ben Affleck
elenco
Matt Damon, Ben Affleck, Jason Bateman, Chris Messina, Marlon Wayans, Chris Tucker, Viola Davis, Matthew Maher, Julius Tennon, Barbara Sukowa, Jay Mohr, Joel Gretsch, Michael O’Neill, Billy Smith, Damian Delano Young
visto em
Cinemas

Pelo visto, os heróis do mundo mágico não surtem o mesmo efeito nas bilheterias norte-americana. Marvel e DC estão lutando para emplacar novos salvadores do mundo, apesar dos investimentos consideráveis de marketing. Os bruxinhos em suas escolas de magia, as salvadoras de jogos vorazes e os indivíduos inseridos em simulacros do mundo tampouco têm trazido lucros aos produtores. Na carência de respostas fantásticas, talvez o cinema “adulto” responda com casos excepcionais de sucesso no mundo empresarial.

Air: A História por Trás do Logo parte de um roteiro cujo apelo soaria modesto. Trata-se da reconstituição dos fatos que levaram ao contrato milionário entre a Nike e o jogador de basquete Michael Jordan — graças à insistência de um funcionário de pouco renome na empresa. Após extensas negociações e reformulações na estratégia de vendas, conseguiu fechar o acordo que traria lucros imensos a ambas as partes. E viveram felizes para sempre. O roteiro partiu da Blacklist de 2021 (ou seja, a lista de melhores roteiros ainda não produzidos em Hollywood, votados pelos próprios membros da indústria).

Depois das histórias por trás do Facebook (A Rede Social, 2010), do McDonald’s (Fome de Poder, 2016), da Apple (Steve Jobs, 2015), do BlackBerry (BlackBerry, 2023), e séries sobre a Theranos (The Dropout, 2022), WeWork (WeCrashed, 2022) e Uber (Super Pumped, 2022), volta-se à reconstituição da Nike, de empresa considerada séria e pouco apreciada pelos jovens até o reposicionamento do mercado. O acordo obtido entre Sonny Vaccaro (Matt Damon) e Jordan constitui uma exceção total no mundo dos negócios — no entanto, seria a exceção que o cinema gosta de vender como exemplo, e modelo acessível a todos caso se empenhem de fato. A meritocracia está logo ali, no horizonte.

Neste caso, o espectador se encontra diante de uma posição de conforto. Entra-se na sessão sabendo do final, ou seja, que o tão sonhado acordo com o jogador portará frutos. Afinal, este é “o filme sobre o acordo com Jordan”. Por isso, a tensão do tipo “Será que eles conseguirão superar os concorrentes e salvar a empresa?” se atenua pela obviedade da resposta. Caso Vaccaro tivesse fracassado na tentativa, dificilmente sua história se tornaria um longa-metragem repleto de astros de Hollywood. Acompanhamos, portanto, na espera do final prometido.

Aposta-se numa narrativa de Davi contra Golias, o que implica na necessidade de enaltecer o jogador e diminuir o poder da Nike. Esta lacuna é fundamental para que a proeza se torne ainda mais espetacular aos olhos do público.

Em consequência, avaliamos a posteriori que todos os esforços do personagem valeram a pena. É fácil efetuar tal julgamento moral, sabendo dos números da transação — que serão lembrados no desfecho, através dos letreiros quase obrigatórios em biografias do gênero. Caso o espectador embarcasse numa transação arriscada sem saber do resultado, a avaliação de riscos seria diferente, e poderíamos nos identificar, ou não, com o protagonista. Neste caso, Vaccaro se torna o azarão, o homem sozinho contra todos, o único a apostar numa negociação que parecia falida.  Jordan não gostava da Nike, nem os demais jogadores. 

Aposta-se, portanto, numa narrativa de Davi contra Golias, o que implica na necessidade de enaltecer a grandeza do jogador e diminuir o poder da Nike. Esta lacuna é fundamental para que a proeza se torne ainda mais espetacular aos olhos do público. É difícil pensar que Jordan, no início da carreira, pudesse ser visto com tamanha aura de “melhor de todos os tempos” antecipadamente, ou que uma empresa do porte da Nike fosse tão pequenina para dialogar com o jogador — segundo as estatísticas oferecidas pelo próprio filme, ela ocupava o terceiro lugar do mercado. Mesmo assim, estas são as proporções desiguais que os criadores nos oferecem.

Pelo menos, diante de inúmeras convenções (letreiros com datas, cálculos e explicações) e romantizações (a “descoberta” do talento de Jordan numa fita cassete, ao som de música de maravilhamento), Ben Affleck demonstra um controle seguro na direção. Ele conduz a jornada sobre meia dúzia de empresários com um saudável senso de autoironia. É evidente que o mercado dos calçados e do esporte é feito de hipocrisias, conveniências, ameaças e favores trocados entre pessoas que se detestam. O roteiro reforça os laços de ocasião e brigas duradouras, aplacadas pela vontade do lucro.

Além disso, a direção sabe acalmar a câmera e o olhar, para apenas admirar os atores em ação. Esqueça as câmeras chacoalhadas desnecessariamente de Adam McKay, ou o espetáculo da urgência imprimido por Danny Boyle. Affleck nunca se delicia com o caos — algo excepcional para um diretor especializado em suspenses policiais e criminais. Ele ainda investe na convenção de pessoas que falam caminhando entre mesas repletas de funcionários, pelos corredores de empresa gigante. No entanto, oferece cenas mais longas e pausadas, incluindo tempo para respiro e contemplação.

Os diálogos são carregados de provocações, tiradas sarcásticas e rápidas que, no entanto, jamais convertem o resultado num pastiche. O cineasta estabelece um belo equilíbrio entre o drama e o humor, ou ainda entre o peso dos fatos (a menção de “baseado numa história real”) e a leveza de uma ficção que se distancia das obrigatoriedades documentais. Há instantes de gravidade junto a outros mais jocosos, e de desolação lado a lado com a euforia. Curiosamente, Affleck oferece a si mesmo o personagem mais patético, permitindo brincar com sua persona pública. Trata-se de um papel menor, ainda que importante, que permite aos colegas brilharem enquanto o cineasta permanece em posição menos vaidosa.

O elenco possui prestações variadas, fruto de uma escalação curiosa. Viola Davis apresenta uma composição segura, recebendo duas cenas em que pode explorar seu talento. Matt Damon e Jason Bateman reproduzem figuras que já interpretaram à exaustão — e se não trazem nenhuma surpresa, pelo menos mostram-se confortáveis na pele dos “peixes pequenos” da indústria. Chris Tucker, por sua vez, demonstra a dificuldade habitual de controlar o tom agudo da voz e a gesticulação excessiva — características que se tornam ainda mais fortes em cenas de tensão. O próprio Marlon Wayans, presente no elenco, teria sido uma escolha mais adequada para este personagem. 

E o que faz Barbara Sukowa, uma das maiores atrizes alemãs da atualidade, numa ponta de poucos segundos? O projeto desperta a impressão de que a cena seria muito mais longa, porém sacrificada no processo de montagem. Talvez a pérola se encontre mesmo junto ao pouco conhecido Matthew Maher, compondo um sujeito obcecado pela fabricação de calçados, dedicando sua vida a novas tecnologias de tênis. O encontro entre drama e humor se mostra impecável junto ao personagem, capaz de roubar todas as cenas em que aparece. 

Quanto a Michael Jordan, o ator será mostrado apenas de costas, provavelmente por questões de direitos. A direção não encontra motivos muito plausíveis para colocar o ator virado contra a parede, observando quadros durante a importante reunião com a Nike, mas esta será uma das várias concessões à verossimilhança. O subtítulo brasileiro tampouco ajuda a compreender o foco: esta não é “a história por trás do logo”, de modo nenhum, mas uma história de marketing, um case de sucesso, como diriam alguns trabalhadores da Faria Lima. O logo, em si, não possui importância.

O longa-metragem se encerra com uma idealização de Sonny, de Jordan, da Nike. Há letreiros para garantir que todos se enriqueceram com a empreitada, além de fotografias para comprovar que a direção de arte se aproximou das pessoas reais em termos de roupas, penteados e acessórios. Mesmo a foto de Phil Knight com os pés descalços sobre a mesa busca se justificar pela proximidade com registros encontrados previamente. Alguém reclamaria, caso não houvesse tal semelhança? Provavelmente não. No entanto, Hollywood ainda tenta se legitimar pelo mínimo decalque possível do real. 

Ao final, a Nike poderia ter endossado o projeto, que lhe serve como elogio e estampa seus “passos para o sucesso” na forma de intertítulos que guiam a narrativa. A visão oferecida sobre a empresa é bastante positiva. Idealizações à parte, Affleck comprova uma versatilidade inesperada na direção, em paralelo à capacidade muito tranquila de manejar elencos e dinâmicas de cena. Seu novo filme interessará menos enquanto visão de mundo (uma ode ao capitalismo meritocrático à americana) do que pela transformação da trajetória de um azarão numa comédia de erros — pouco crítica ao sistema, certo, mas ainda assim, competente.

Air: A História por Trás do Logo (2023)
6
Nota 6/10
  1. Eu gostei pra caramba da decisão de não mostrar o rosto do Michael Jordan. Ficou tão anti-natural que me pareceu uma decisão criativa do tipo “essa figura é sagrada demais para ter um rosto”. Que nem Jesus Cristo em Ben-Hur, rs.

    Também fiquei pensando na relação de Born In The USA, que o personagem do Bateman percebe ser na verdade uma crítica sobre a falta de oportunidades em vez de uma ode à liberdade. O fato de a música voltar na montagem do fim onde “tudo dá certo” me deixou confuso… Brilhantismo do filme por contrapor um momento de “vitória do capitalismo” com uma letra que sabe dos efeitos colaterais do sistema?

    Enfim, gostei do filme. Concordo demais contigo no lance do Affleck “acalmar a câmera e o olhar” e dar espaços pra cenas mais longas e algumas pausas.

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