Andoy (Shun Mark Gomez) é um protagonista curioso, tão simples quanto complicado. Por um lado, o menino deseja dar o primeiro beijo na vida, experimentar o sexo, assistir a filmes para adultos e descobrir onde mora o pai, que o abandonou. Acredita cegamente na tese de que seria filho de uma criatura mágica, alta e com pés imensos, vivendo numa cidade inalcançável. Por outro lado, ele está prestes a fazer 17 anos e entrar na faculdade. Precisa encontrar algum adulto para acompanhá-lo na festa de formatura. Afinal, ele é quase um adulto, ou um pré-adolescente?
As informações a seu respeito não compõem um quadro completo: ele sonha em alugar fitas de vídeo a que nunca assiste; parece ser um dos melhores alunos do colégio, embora jamais estude; e nutre desejos pelo melhor amigo, com quem mal conversa. Os amigos dizem que “ele já deve ter os primeiros pêlos”, e à noite, Andoy descobre a sua primeira polução noturna. Quando se encontra diante de um homem bonito, permanece boquiaberto, como se visse uma assombração. Adiante, no entanto, o rapaz tímido e passivo adota uma atitude bastante perversa em relação ao tio agressor. Afinal, como compreendê-lo?
O projeto busca justificar estas incongruências pelo afastamento do real. O cineasta Ryan Machado faz deste personagem, de aparência autobiográfica, uma mescla disforme de memórias afetivas, um tanto exageradas para fins sentimentais ou exemplares. Por isso, a inocência excessiva se converte em infantilidade, a pureza se torna ignorância, e o desejo se faz epifania religiosa. Não estamos muito distantes da caricatura agridoce de um coming of age story, as fábulas de passagem à maturidade, focadas no instante precioso (ou traumático) que permite a um jovem se descobrir adulto.
Um projeto saudoso da linguagem de antigamente, dos dramas inocentes de três décadas atrás, ilustrando a sexualidade por meio do coming out otimista.
O longa-metragem privilegia a ideia do abandono. O herói é deixado por todos aqueles de quem gosta, ou por quem nutre desejo sexual. Começa com a rejeição paterna, apostando em seguida no desprezo por parte do tio musculoso, que provoca no garoto um misto de raiva e fetiche erótico. Depois, introduz o anúncio da partida tanto do melhor amigo quanto do homem mais velho, de sexualidade livre, que admira e também deseja. Até as videolocadoras, passados os tempos áureos da mídia física, começam a desaparecer. A mãe já tinha esquecido o filho na casa dos tios. Por isso, o cinema surge enquanto escapatória, fuga do real para o menino que não pertence a nada, nem ninguém.
Trata-se de uma perspectiva válida, no sentido de representativa. De fato, muitos cinéfilos encontram nas ficções a possibilidade de imaginar uma vida alternativa à sua rotina ingrata. No entanto, é curioso que a narrativa supostamente cinéfila não apresente nenhum filme, não acompanhe o impacto de cenas e imagens na autodescoberta destes jovens, e tampouco mencione títulos ou artistas que lhes servem de referência. A paixão por imagens de converte em algo retórico: Andoy e o amigo Pido (Bon Andrew Lentejas) gostam de cinema, pouco importando a sessão do dia. Assistem a qualquer coisa que lhes passe pelos olhos e, com frequência, deixam a sala de projeção, entediados.
Parte destas incongruências se deve a uma direção desengonçada. Huling Palabas (“Última Sessão”, em filipino) demonstra dificuldade de definir onde posicionar a câmera, por quanto tempo, em qual ângulo, assim como a função exata de cada cena ou simbologia. Transparece um trabalho insuficiente de roteiro e conceitos, como se o projeto ainda não estivesse pronto para a filmagem. Basta ver o encontro inicial na videolocadora azul, onde a câmera não encontra espaço para enquadrar os meninos a contento.
Nota-se uma dificuldade de trabalhar a duração dos processos e a passagem do tempo. Uma fita VHS exibida às crianças desperta risos generalizados segundos depois de apertarem o play, sem que a montagem tenha sugerido a elipse. Para revelar ao espectador os problemas paternos, investe numa longa cena em que o amigo lhe pergunta: “Quem é o pai da medicina? E o da matemática? E o seu pai?”. Diante do silêncio do colega, insiste nas perguntas. Ora, ele ainda não conhecia a resposta? Uma cliente chega ao salão de cabeleireiro e, sem sugerir certa duração, sai segundos depois, com o penteado pronto.
Estamos no terreno dos passes de mágica, algo condizente com a figura da travesti-fada-madrinha, e da madrasta malvada (ou padrasto, no caso). Esta construção se estende à multiplicação de névoas noturnas, imagens de baixo contraste e elementos fantásticos para sugerir o desejo (a mancha peluda crescendo na virilha do garoto; a nudez dos homens que se oferecem apenas ao olhar voyeur de Andoy). O cineasta tem horror a transformar qualquer uma dessas pulsões em realidade: não haverá um beijo nem sexo sequer por parte do herói. Por isso, sublima todas as pulsões no cinema, que assume a função paterna de um acolhimento impossível.
A comédia dramática ainda investe em um sem-número de clichês da delicadeza e da pureza infantil. O garoto vive sob a luz do pôr do sol, num flare que banha seu corpo em câmera lenta; e se desloca pela cidade sobre uma bicicleta, acompanhado por uma dúzia de composições melancólicas ao piano. O ator sustenta eterna expressão de surpresa, com olhos arregalados e boca entreaberta, enquanto todo o mundo ao redor parece estar cinco passos à sua frente em termos de malícia e independência (mesmo aqueles de sua idade).
Para representar sua homossexualidade, o roteiro recorre a símbolos desgastados: a capa cor de rosa colocada sobre a camisa azul-clara (“Essa capa vai me fazer voar?”), a maquiagem, as roupas apertadas rumo ao final. Para o cineasta, aceitar-se gay equivale a aceitar-se feminino, algo que poderia plenamente ser o caso do protagonista, caso o filme fornecesse qualquer indício desta identificação com a feminilidade por parte do garoto. Já a resolução envolvendo o tio, e a cena final de um filme-dentro-do-filme, impressionam pela sobrecarga simbólica aplicada a ações de ética e moral duvidosas.
Huling Palabas constitui um projeto saudoso da linguagem de antigamente, dos dramas inocentes de três décadas atrás, ilustrando a sexualidade por meio da autodescoberta e do coming out otimistas. É claro que, na conclusão, os problemas crônicos são resolvidos de maneira acessória e abrupta — alguns planos são concretizados mediante a simples força de vontade. Ryan Machado quer acreditar num futuro melhor para seu querido protagonista, mesmo que para isso precise abandonar progressivamente os laços com o real, o social e a política, em prol de um universo de sonhos cor de rosa.