Huling Palabas (2023)

Os amores do menino-adulto

título original (ano)
Huling Palabas (2023)
país
Filipinas
gênero
Drama, Comédia
duração
97 minutos
direção
Ryan Machado
elenco
Shun Mark Gomez, Bon Andrew Lentejas, Cedrick Juan, Serena Magiliw, Jay Gonzaga
visto em
74º Festival de Cinema de Berlim (2024)

Andoy (Shun Mark Gomez) é um protagonista curioso, tão simples quanto complicado. Por um lado, o menino deseja dar o primeiro beijo na vida, experimentar o sexo, assistir a filmes para adultos e descobrir onde mora o pai, que o abandonou. Acredita cegamente na tese de que seria filho de uma criatura mágica, alta e com pés imensos, vivendo numa cidade inalcançável. Por outro lado, ele está prestes a fazer 17 anos e entrar na faculdade. Precisa encontrar algum adulto para acompanhá-lo na festa de formatura. Afinal, ele é quase um adulto, ou um pré-adolescente?

As informações a seu respeito não compõem um quadro completo: ele sonha em alugar fitas de vídeo a que nunca assiste; parece ser um dos melhores alunos do colégio, embora jamais estude; e nutre desejos pelo melhor amigo, com quem mal conversa. Os amigos dizem que “ele já deve ter os primeiros pêlos”, e à noite, Andoy descobre a sua primeira polução noturna. Quando se encontra diante de um homem bonito, permanece boquiaberto, como se visse uma assombração. Adiante, no entanto, o rapaz tímido e passivo adota uma atitude bastante perversa em relação ao tio agressor. Afinal, como compreendê-lo?

O projeto busca justificar estas incongruências pelo afastamento do real. O cineasta Ryan Machado faz deste personagem, de aparência autobiográfica, uma mescla disforme de memórias afetivas, um tanto exageradas para fins sentimentais ou exemplares. Por isso, a inocência excessiva se converte em infantilidade, a pureza se torna ignorância, e o desejo se faz epifania religiosa. Não estamos muito distantes da caricatura agridoce de um coming of age story, as fábulas de passagem à maturidade, focadas no instante precioso (ou traumático) que permite a um jovem se descobrir adulto.

Um projeto saudoso da linguagem de antigamente, dos dramas inocentes de três décadas atrás, ilustrando a sexualidade por meio do coming out otimista.

O longa-metragem privilegia a ideia do abandono. O herói é deixado por todos aqueles de quem gosta, ou por quem nutre desejo sexual. Começa com a rejeição paterna, apostando em seguida no desprezo por parte do tio musculoso, que provoca no garoto um misto de raiva e fetiche erótico. Depois, introduz o anúncio da partida tanto do melhor amigo quanto do homem mais velho, de sexualidade livre, que admira e também deseja. Até as videolocadoras, passados os tempos áureos da mídia física, começam a desaparecer. A mãe já tinha esquecido o filho na casa dos tios. Por isso, o cinema surge enquanto escapatória, fuga do real para o menino que não pertence a nada, nem ninguém.

Trata-se de uma perspectiva válida, no sentido de representativa. De fato, muitos cinéfilos encontram nas ficções a possibilidade de imaginar uma vida alternativa à sua rotina ingrata. No entanto, é curioso que a narrativa supostamente cinéfila não apresente nenhum filme, não acompanhe o impacto de cenas e imagens na autodescoberta destes jovens, e tampouco mencione títulos ou artistas que lhes servem de referência. A paixão por imagens de converte em algo retórico: Andoy e o amigo Pido (Bon Andrew Lentejas) gostam de cinema, pouco importando a sessão do dia. Assistem a qualquer coisa que lhes passe pelos olhos e, com frequência, deixam a sala de projeção, entediados.

Parte destas incongruências se deve a uma direção desengonçada. Huling Palabas (“Última Sessão”, em filipino) demonstra dificuldade de definir onde posicionar a câmera, por quanto tempo, em qual ângulo, assim como a função exata de cada cena ou simbologia. Transparece um trabalho insuficiente de roteiro e conceitos, como se o projeto ainda não estivesse pronto para a filmagem. Basta ver o encontro inicial na videolocadora azul, onde a câmera não encontra espaço para enquadrar os meninos a contento. 

Nota-se uma dificuldade de trabalhar a duração dos processos e a passagem do tempo. Uma fita VHS exibida às crianças desperta risos generalizados segundos depois de apertarem o play, sem que a montagem tenha sugerido a elipse. Para revelar ao espectador os problemas paternos, investe numa longa cena em que o amigo lhe pergunta: “Quem é o pai da medicina? E o da matemática? E o seu pai?”. Diante do silêncio do colega, insiste nas perguntas. Ora, ele ainda não conhecia a resposta? Uma cliente chega ao salão de cabeleireiro e, sem sugerir certa duração, sai segundos depois, com o penteado pronto.

Estamos no terreno dos passes de mágica, algo condizente com a figura da travesti-fada-madrinha, e da madrasta malvada (ou padrasto, no caso). Esta construção se estende à multiplicação de névoas noturnas, imagens de baixo contraste e elementos fantásticos para sugerir o desejo (a mancha peluda crescendo na virilha do garoto; a nudez dos homens que se oferecem apenas ao olhar voyeur de Andoy). O cineasta tem horror a transformar qualquer uma dessas pulsões em realidade: não haverá um beijo nem sexo sequer por parte do herói. Por isso, sublima todas as pulsões no cinema, que assume a função paterna de um acolhimento impossível.

A comédia dramática ainda investe em um sem-número de clichês da delicadeza e da pureza infantil. O garoto vive sob a luz do pôr do sol, num flare que banha seu corpo em câmera lenta; e se desloca pela cidade sobre uma bicicleta, acompanhado por uma dúzia de composições melancólicas ao piano. O ator sustenta eterna expressão de surpresa, com olhos arregalados e boca entreaberta, enquanto todo o mundo ao redor parece estar cinco passos à sua frente em termos de malícia e independência (mesmo aqueles de sua idade). 

Para representar sua homossexualidade, o roteiro recorre a símbolos desgastados: a capa cor de rosa colocada sobre a camisa azul-clara (“Essa capa vai me fazer voar?”), a maquiagem, as roupas apertadas rumo ao final. Para o cineasta, aceitar-se gay equivale a aceitar-se feminino, algo que poderia plenamente ser o caso do protagonista, caso o filme fornecesse qualquer indício desta identificação com a feminilidade por parte do garoto. Já a resolução envolvendo o tio, e a cena final de um filme-dentro-do-filme, impressionam pela sobrecarga simbólica aplicada a ações de ética e moral duvidosas.

Huling Palabas constitui um projeto saudoso da linguagem de antigamente, dos dramas inocentes de três décadas atrás, ilustrando a sexualidade por meio da autodescoberta e do coming out otimistas. É claro que, na conclusão, os problemas crônicos são resolvidos de maneira acessória e abrupta — alguns planos são concretizados mediante a simples força de vontade. Ryan Machado quer acreditar num futuro melhor para seu querido protagonista, mesmo que para isso precise abandonar progressivamente os laços com o real, o social e a política, em prol de um universo de sonhos cor de rosa.

Huling Palabas (2023)
4
Nota 4/10

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