Em Infinity Pool, o diretor e roteirista Brandon Cronenberg possui menos um tema a discutir do que uma lista de reclamações. Ele sugere que a sociedade está em colapso; as pessoas são individualistas e perversas; as instituições se corromperam; os ricos dominam o mundo em jogos aleatórios; e não adianta reclamar ou protestar, porque o sistema sempre vence. Logo, elabora uma longa obra malvada e obscura para sugerir, enfim… que existem muitos problemas por aí.
Longe de um niilismo fundamentado, esta seria uma reclamação genérica e vaga, uma filosofia de bar para tempos de embriaguez: “Ninguém mais presta! Tudo está perdido”. Tal qual um profeta do apocalipse, o autor conduz seu personagem principal numa descida ao inferno, onde cada cena será mais humilhante e violenta do que a anterior. No caso, ele imagina as férias do escritor James Foster (Alexander Skarsgard) a um resort paradisíaco no país fictício Li Tolqa. Após acidentalmente atropelar um homem na estrada, o (anti-)herói é conduzido a um mundo de perversidades.
O desenvolvimento do roteiro nunca complica esta premissa absurda, espécie de Alice no País das Maravilhas às avessas. Uma vez preso, começam explicações insanas a respeito de clonagem, execução, orgias, sacrifícios de clones e outros procedimentos. O artista fracassado jamais terá escolha em nenhuma destas circunstâncias: atônito, ele se deixa levar, seja por inércia, seja por ameaça de balas e facadas. Nos cem minutos seguintes, Skarsgard baba, sangra, trepa, goza, vomita e ingere secreções misteriosas de seios desconhecidos. Quando se recupera de uma armadilha dos “amigos” de hotel, é arrastado para a noite seguinte.
Não há nenhuma lógica no encadeamento entre estas sequências, razão pela qual a atriz Gabi Bauer (Mia Goth), na condição de mestre de cerimônias do submundo, passa a integralidade de sua existência explicando as regras do ambiente: “Tem uma festa hoje à noite, e você precisa comparecer”. “Todos aqui também já foram duplicados”. “Agora atire”. “Você e seu duplo podem me comer”. As cenas remetem a um videogame de fases, ou um jogo de tabuleiro em etapas. “É apenas uma brincadeira!”, alegam os alegres companheiros, após uma nova noite de tortura. Zumbificado, o prisioneiro vai.
O público não é levado a questionar esta violência, mas desfrutar dela. Propõe-se uma identificação com os psicopatas sádicos, ao invés da vítima dos abusos.
Cronenberg evita imprimir o mínimo distanciamento destes jogos, muito menos um olhar crítico ou analítico. Pelo contrário, ele aposta na imersão, tentando produzir no espectador a sensação de estar lá, sendo agredido como o protagonista, experimentando as traquitanas colocadas na boca e os líquidos passados no corpo. Por isso, o som grita alto, a trilha sonora aumenta o volume, as luzes piscas, as cores se intensificam e se multiplicam, e a montagem fragmenta ao máximo qualquer plano. Flashes estroboscópicos retornam com alguma frequência.
Logo, o público não é levado a questionar esta violência, mas desfrutar dela. Propõe-se uma identificação com os psicopatas sádicos, ao invés da vítima dos abusos. O diretor utiliza os truques mais famosos da linguagem dos videoclipes e comerciais, no sentido de sedução ou ao mesmo espanto provocado pela aceleração, pela dispersão de sentido e foco. As luzes, movimentos e ações se agitam sem sentido, implorando por nossa atenção. Funcionam como uma queima acelerada de fogos, ou uma sucessão interminável e veloz de fotografias de mortes e sexo na Internet. Produzem impacto, mas também anestesia.
No percurso, poucos elementos possuem sentido ou lógica (Por que gastar com a clonagem para executar o sósia em seguida? O que ganham os corruptos e gananciosos com isso?). Entretanto, Cronenberg estima que a alucinação constitua um fim em si própria, razão pela qual enfia o pé no acelerador e prolonga sua avalanche de mortes, umas mais grotescas do que as outras. Falta trabalhar o ritmo (a desaceleração após cada impacto), os personagens (todos rasos e caricatos), o espaço (a geografia do hotel se torna inócua), e o tempo (quantos dias passam ali? Quais são os efeitos a longo prazo destes procedimentos fantásticos?).
Além disso, Infinity Pool soa bastante preconceituoso com os povos do sudeste asiático e do leste europeu, nos quais claramente foi inspirado o país Li Tolqa — vide o alfabeto, os costumes, roupas e decoração. “Eles são selvagens, não tem regras aqui!”, afirmam os viajantes. “Eles são como babuínos”, reclama Gabi. O racismo poderia partir apenas de uma personagem psicótica, no entanto, o filme não se esforça para fugir a este raciocínio. Os habitantes locais são desprovidos de voz, e as instituições se limitam à selvageria. A invenção de um nome fictício não isenta os criadores de responsabilidade em relação à sua visão de mundo.
Esta chuva de preconceitos contra o outro (o estrangeiro, o pobre, o indivíduo de outra cor da pele e linguagem) aproxima a obra de uma espécie de pesadelo da burguesia norte-americana: ser presa num local onde seu dinheiro e influência não valham nada; onde não possam se impor militarmente, sexualmente nem financeiramente. O filme procura dizer que “o homem é o lobo do homem” através dos sucessivos encontros de James com suas cópias. Entretanto, apenas demonstra desprezo e desinteresse por tudo que não se pareça com este homem e seu modo de vida. A chantagem e a ameaça emocional (“Vão pegar sua família, sua namorada, roubar seu dinheiro”) imperam nesta jornada de fundo direitista.
Resta o desconforto de testemunhar atores talentosos como Alexander Skarsgard e Mia Goth numa catástrofe de tamanhas proporções. Ele se entrega sem medo nem vaidades, humilhando-se em nome da arte. Ela aumenta a histeria, deixando a voz soar ainda mais estridente e anasalada — até porque Cronenberg opera apenas na chave da intensidade, em detrimento de nuances e variações. Assim, chega ao mesmo lugar de onde tinha saído: na percepção de que estamos perdidos, ninguém presta de verdade, somos todos corruptos, etc. Foram precisos milhões de dólares de produção, inúmeras cenas e litros de sangue cenográfico para se atingir uma conclusão desta superficialidade.