Infinity Pool (2022)

A festa da podridão humana

título original (ano)
Infinity Pool (2022)
país
Canadá, Croácia, Hungria
gênero
Terror, Ficção Científica
duração
118 minutos
direção
Brandon Cronenberg
elenco
Alexander Skarsgård, Mia Goth, Cleopatra Coleman, Jalil Lespert, Thomas Kretschmann, Jeffrey Ricketts, John Ralston,
Amanda Brugel, Caroline Boulton
visto em
73º Festival de Cinema de Berlim

Em Infinity Pool, o diretor e roteirista Brandon Cronenberg possui menos um tema a discutir do que uma lista de reclamações. Ele sugere que a sociedade está em colapso; as pessoas são individualistas e perversas; as instituições se corromperam; os ricos dominam o mundo em jogos aleatórios; e não adianta reclamar ou protestar, porque o sistema sempre vence. Logo, elabora uma longa obra malvada e obscura para sugerir, enfim… que existem muitos problemas por aí. 

Longe de um niilismo fundamentado, esta seria uma reclamação genérica e vaga, uma filosofia de bar para tempos de embriaguez: “Ninguém mais presta! Tudo está perdido”. Tal qual um profeta do apocalipse, o autor conduz seu personagem principal numa descida ao inferno, onde cada cena será mais humilhante e violenta do que a anterior. No caso, ele imagina as férias do escritor James Foster (Alexander Skarsgard) a um resort paradisíaco no país fictício Li Tolqa. Após acidentalmente atropelar um homem na estrada, o (anti-)herói é conduzido a um mundo de perversidades.

O desenvolvimento do roteiro nunca complica esta premissa absurda, espécie de Alice no País das Maravilhas às avessas. Uma vez preso, começam explicações insanas a respeito de clonagem, execução, orgias, sacrifícios de clones e outros procedimentos. O artista fracassado jamais terá escolha em nenhuma destas circunstâncias: atônito, ele se deixa levar, seja por inércia, seja por ameaça de balas e facadas. Nos cem minutos seguintes, Skarsgard baba, sangra, trepa, goza, vomita e ingere secreções misteriosas de seios desconhecidos. Quando se recupera de uma armadilha dos “amigos” de hotel, é arrastado para a noite seguinte.

Não há nenhuma lógica no encadeamento entre estas sequências, razão pela qual a atriz Gabi Bauer (Mia Goth), na condição de mestre de cerimônias do submundo, passa a integralidade de sua existência explicando as regras do ambiente: “Tem uma festa hoje à noite, e você precisa comparecer”. “Todos aqui também já foram duplicados”. “Agora atire”. “Você e seu duplo podem me comer”. As cenas remetem a um videogame de fases, ou um jogo de tabuleiro em etapas. “É apenas uma brincadeira!”, alegam os alegres companheiros, após uma nova noite de tortura. Zumbificado, o prisioneiro vai.

O público não é levado a questionar esta violência, mas desfrutar dela. Propõe-se uma identificação com os psicopatas sádicos, ao invés da vítima dos abusos.

Cronenberg evita imprimir o mínimo distanciamento destes jogos, muito menos um olhar crítico ou analítico. Pelo contrário, ele aposta na imersão, tentando produzir no espectador a sensação de estar lá, sendo agredido como o protagonista, experimentando as traquitanas colocadas na boca e os líquidos passados no corpo. Por isso, o som grita alto, a trilha sonora aumenta o volume, as luzes piscas, as cores se intensificam e se multiplicam, e a montagem fragmenta ao máximo qualquer plano. Flashes estroboscópicos retornam com alguma frequência. 

Logo, o público não é levado a questionar esta violência, mas desfrutar dela. Propõe-se uma identificação com os psicopatas sádicos, ao invés da vítima dos abusos. O diretor utiliza os truques mais famosos da linguagem dos videoclipes e comerciais, no sentido de sedução ou ao mesmo espanto provocado pela aceleração, pela dispersão de sentido e foco. As luzes, movimentos e ações se agitam sem sentido, implorando por nossa atenção. Funcionam como uma queima acelerada de fogos, ou uma sucessão interminável e veloz de fotografias de mortes e sexo na Internet. Produzem impacto, mas também anestesia. 

No percurso, poucos elementos possuem sentido ou lógica (Por que gastar com a clonagem para executar o sósia em seguida? O que ganham os corruptos e gananciosos com isso?). Entretanto, Cronenberg estima que a alucinação constitua um fim em si própria, razão pela qual enfia o pé no acelerador e prolonga sua avalanche de mortes, umas mais grotescas do que as outras. Falta trabalhar o ritmo (a desaceleração após cada impacto), os personagens (todos rasos e caricatos), o espaço (a geografia do hotel se torna inócua), e o tempo (quantos dias passam ali? Quais são os efeitos a longo prazo destes procedimentos fantásticos?).

Além disso, Infinity Pool soa bastante preconceituoso com os povos do sudeste asiático e do leste europeu, nos quais claramente foi inspirado o país Li Tolqa — vide o alfabeto, os costumes, roupas e decoração. “Eles são selvagens, não tem regras aqui!”, afirmam os viajantes. “Eles são como babuínos”, reclama Gabi. O racismo poderia partir apenas de uma personagem psicótica, no entanto, o filme não se esforça para fugir a este raciocínio. Os habitantes locais são desprovidos de voz, e as instituições se limitam à selvageria. A invenção de um nome fictício não isenta os criadores de responsabilidade em relação à sua visão de mundo.

Esta chuva de preconceitos contra o outro (o estrangeiro, o pobre, o indivíduo de outra cor da pele e linguagem) aproxima a obra de uma espécie de pesadelo da burguesia norte-americana: ser presa num local onde seu dinheiro e influência não valham nada; onde não possam se impor militarmente, sexualmente nem financeiramente. O filme procura dizer que “o homem é o lobo do homem” através dos sucessivos encontros de James com suas cópias. Entretanto, apenas demonstra desprezo e desinteresse por tudo que não se pareça com este homem e seu modo de vida. A chantagem e a ameaça emocional (“Vão pegar sua família, sua namorada, roubar seu dinheiro”) imperam nesta jornada de fundo direitista.

Resta o desconforto de testemunhar atores talentosos como Alexander Skarsgard e Mia Goth numa catástrofe de tamanhas proporções. Ele se entrega sem medo nem vaidades, humilhando-se em nome da arte. Ela aumenta a histeria, deixando a voz soar ainda mais estridente e anasalada — até porque Cronenberg opera apenas na chave da intensidade, em detrimento de nuances e variações. Assim, chega ao mesmo lugar de onde tinha saído: na percepção de que estamos perdidos, ninguém presta de verdade, somos todos corruptos, etc. Foram precisos milhões de dólares de produção, inúmeras cenas e litros de sangue cenográfico para se atingir uma conclusão desta superficialidade.

Infinity Pool (2022)
1
Nota 1/10
  1. Nota 1 para sua resenha. Inverteu totalmente o sentido do filme e viu preconceito onde havia crítica. Talvez o preconceito não esteja no filme, mas em quem viu preconceito nele…Se os ricaços que nadam na impunidade e tratam outros povos como inferiores não soou como uma crítica a quem tem esse tipo de atitude pra você, sugiro que reveja a produção. Quanto a embarcar na viagem do protagonista, sim é ÓBVIO que o filme faz isso, para logo depois te puxar o tapete e te fazer refletir sobre as escolhas (ou falta delas) do protagonista. E se aquele final incômodo não te causou nada, nem fez pensar sobre a miséria moral humana (cerne da mensagem do filme) então, realmente, o problema não me parece ser com o filme…

  2. ”Por que gastar com a clonagem para executar o sósia em seguida? O que ganham os corruptos e gananciosos com isso?” …Dinheiro?
    Bruno, você deveria entender como algumas críticas não precisam soar mastigadas para o espectador, apontando o que o mesmo deveria pensar sobre o que é visto na tela. E, nesse caso, nem dá pra falar que bastaria apresentar tais situações imorais para a crítica já ser explícita, porque o próprio filme cria um mal estar moral no personagem do Stellan que claramente problematiza o que foi apresentado.

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