La Pampa (2023)

Quem precisa de heróis?

título original (ano)
La Pampa (2023)
país
Peru, Chile, Espanha
gênero
Drama, Suspense, Policial
duração
106 minutos
direção
Dorian Fernández Moris
elenco
Fernando Bacilio, Luz Pinedo, Mayella Lloclla, Pamela Lloclla, Oscar Carrillo, Alain Salinas, Sylvia Majo, Gonzalo Molina
visto em
1º Bonito Cine Sur (2023)

Pedro (Fernando Bacilio) perdeu a filha pequena. Desde a tragédia, o empresário se tornou recluso, mudou de nome, e decidiu viver numa nova cidade, onde assumiu a função de reparador de brinquedos infantis. Até o dia em que uma garota bate à sua porta, debilitada, afirmando que Pedro seria o seu pai. Trata-se de um engano que representa, no entanto, a oportunidade perfeita para Pedro salvar a menina, vítima de exploração sexual num centro de prostituição conhecido como La Pampa.

Logo, o projeto peruano visa denunciar as redes de exploração no país, associadas à atividade mineradora. Espere na conclusão os famosos letreiros explicativos (“São 30.700 pessoas exploradas…”), cenas de ação, perseguição, tiros, e um medo generalizado de cada personagem cada vez que “La Pampa” é citada nos diálogos. Não resta dúvida, pela abordagem do diretor Dorian Fernández Moris, que a jovem escapou de um inferno.

Em contrapartida, o tema da opressão feminina interessa aos criadores contanto que se adote a perspectiva do homem protetor. É um tanto óbvio que o sujeito em mal de paternidade se reinsira na sociedade por meio do restauro de carrinhos para crianças. É conveniente que a menina bata na porta de Pedro, oferecendo a chance perfeita de redenção ao pai deprimido. Através deste golpe do destino, o roteiro promove um empoderamento masculino graças à oportunidade de se provar forte, viril e protetor.

Na pretensão de defender as mulheres, Moris propõe de fato uma homenagem aos homens. O longa-metragem prefere manter a ex-prostituta na condição de vítima.

Isso significa que Reina (Luz Pinedo) existe para ele, em função dele. A menina magra, com olheiras profundas e expressão debilitada possui uma função narrativa única e acessória: ajudar o protagonista a reencontrar seu ethos. Todas as atrocidades narradas contra ela (que acaba de sofrer um estupro coletivo) servem tão somente a aumentar o valor da recompensa emocional para Pedro. Quanto mais dependente ela for, mais a presença do pai simbólico se faz necessária.

A ex-prostituta praticamente não fala. Desconhecemos seus interesses, objetivos, e mesmo a sua força. Ela nunca resistiu ou tentou fugir antes? O que ela pensa da situação em que se encontra? Que afetos tece com as outras mulheres da Pampa, para além de Susy (Mayella Lloclla)? O longa-metragem prefere mantê-la na condição de vítima, infantilizada diante das violências e, portanto, incapaz de se defender sozinha — algo que reforça a importância do homem forte ao seu lado. 

Na pretensão de defender as mulheres, Moris propõe de fato uma homenagem aos homens. Quando o pai aceita pegar em armas, enfrentar as autoridades e se colocar em perigo, passa a ser admirado novamente pelo olhar da direção. Felizmente, Fernando Bacilio propõe uma atuação contida, com poucos arroubos virtuosos. Torna-se uma figura taciturna, mesmo quando o filme lhe propõe cenas de catarse bastante artificiais (o “delírio” do sujeito apontando uma arma ao próprio reflexo no espelho).

A obra ostenta outras qualidades memoráveis. Em especial, o trabalho com cenas de multidão e coletividade. Cada vez que passeia pelas noites no Pampa, pela feira na mineradora e pelo centro da cidade, a câmera se permite deslizar em longos planos, exibindo dezenas de carros, transeuntes, comerciantes. Há uma notável vitalidade nestas sequências, graças à disposição a abraçar os ruídos, as conversas. Assim, sugere a existência de uma grande sociedade em torno do centro de prostituição, capaz de fechar os olhos aos horrores passados lá dentro.

Em contrapartida, alguns vícios e tiques do cinema de sensações (hollywoodiano, sobretudo) prejudica o resultado. Em virtude do olhar que se pretende abrangente e panorâmico, a direção abusa dos stablishing shots com drones (ou seja, as imagens aéreas para situar onde os personagens se encontram). O flashback da tragédia de Pedro retorna com insistência, em planos angulados, carregados nos flares e na saturação das cores.

Conforme a ameaça se instaura, La Pampa recorre às câmeras lentas e à trilha sonora com violinos chorosos. Nota-se a artificialidade na condução dos planos emocionais, tal qual a descoberta da morte de um amigo próximo, a explicação da médica a respeito do estupro de Reina, e a televisão que apenas se liga para fornecer informações assombrosas a respeito dos crimes na Pampa. O universo narrativo e estético soa concebido especificamente para enaltecer Pedro e informar o espectador.

Ao final, o drama peruano se filia a tantas histórias a respeito de homens corajosos que se oferecem como justiceiros para donzelas indefesas. O Protetor, com Denzel Washingtoh vem à mente tanto quanto a sobrecarga estética de Som da Liberdade. Nos dois casos, o importante tema social constitui uma oportunidade perfeita para a resolução via heroísmo individual — nunca medidas sociais, ou práticas políticas. O otimismo final, numa solução mágica oferecida às mulheres, apenas escancara o abismo que separa a denúncia de um problema e a capacidade de refletir acerca de medidas para solucioná-lo.

La Pampa (2023)
5
Nota 5/10

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