Pedro (Fernando Bacilio) perdeu a filha pequena. Desde a tragédia, o empresário se tornou recluso, mudou de nome, e decidiu viver numa nova cidade, onde assumiu a função de reparador de brinquedos infantis. Até o dia em que uma garota bate à sua porta, debilitada, afirmando que Pedro seria o seu pai. Trata-se de um engano que representa, no entanto, a oportunidade perfeita para Pedro salvar a menina, vítima de exploração sexual num centro de prostituição conhecido como La Pampa.
Logo, o projeto peruano visa denunciar as redes de exploração no país, associadas à atividade mineradora. Espere na conclusão os famosos letreiros explicativos (“São 30.700 pessoas exploradas…”), cenas de ação, perseguição, tiros, e um medo generalizado de cada personagem cada vez que “La Pampa” é citada nos diálogos. Não resta dúvida, pela abordagem do diretor Dorian Fernández Moris, que a jovem escapou de um inferno.
Em contrapartida, o tema da opressão feminina interessa aos criadores contanto que se adote a perspectiva do homem protetor. É um tanto óbvio que o sujeito em mal de paternidade se reinsira na sociedade por meio do restauro de carrinhos para crianças. É conveniente que a menina bata na porta de Pedro, oferecendo a chance perfeita de redenção ao pai deprimido. Através deste golpe do destino, o roteiro promove um empoderamento masculino graças à oportunidade de se provar forte, viril e protetor.
Na pretensão de defender as mulheres, Moris propõe de fato uma homenagem aos homens. O longa-metragem prefere manter a ex-prostituta na condição de vítima.
Isso significa que Reina (Luz Pinedo) existe para ele, em função dele. A menina magra, com olheiras profundas e expressão debilitada possui uma função narrativa única e acessória: ajudar o protagonista a reencontrar seu ethos. Todas as atrocidades narradas contra ela (que acaba de sofrer um estupro coletivo) servem tão somente a aumentar o valor da recompensa emocional para Pedro. Quanto mais dependente ela for, mais a presença do pai simbólico se faz necessária.
A ex-prostituta praticamente não fala. Desconhecemos seus interesses, objetivos, e mesmo a sua força. Ela nunca resistiu ou tentou fugir antes? O que ela pensa da situação em que se encontra? Que afetos tece com as outras mulheres da Pampa, para além de Susy (Mayella Lloclla)? O longa-metragem prefere mantê-la na condição de vítima, infantilizada diante das violências e, portanto, incapaz de se defender sozinha — algo que reforça a importância do homem forte ao seu lado.
Na pretensão de defender as mulheres, Moris propõe de fato uma homenagem aos homens. Quando o pai aceita pegar em armas, enfrentar as autoridades e se colocar em perigo, passa a ser admirado novamente pelo olhar da direção. Felizmente, Fernando Bacilio propõe uma atuação contida, com poucos arroubos virtuosos. Torna-se uma figura taciturna, mesmo quando o filme lhe propõe cenas de catarse bastante artificiais (o “delírio” do sujeito apontando uma arma ao próprio reflexo no espelho).
A obra ostenta outras qualidades memoráveis. Em especial, o trabalho com cenas de multidão e coletividade. Cada vez que passeia pelas noites no Pampa, pela feira na mineradora e pelo centro da cidade, a câmera se permite deslizar em longos planos, exibindo dezenas de carros, transeuntes, comerciantes. Há uma notável vitalidade nestas sequências, graças à disposição a abraçar os ruídos, as conversas. Assim, sugere a existência de uma grande sociedade em torno do centro de prostituição, capaz de fechar os olhos aos horrores passados lá dentro.
Em contrapartida, alguns vícios e tiques do cinema de sensações (hollywoodiano, sobretudo) prejudica o resultado. Em virtude do olhar que se pretende abrangente e panorâmico, a direção abusa dos stablishing shots com drones (ou seja, as imagens aéreas para situar onde os personagens se encontram). O flashback da tragédia de Pedro retorna com insistência, em planos angulados, carregados nos flares e na saturação das cores.
Conforme a ameaça se instaura, La Pampa recorre às câmeras lentas e à trilha sonora com violinos chorosos. Nota-se a artificialidade na condução dos planos emocionais, tal qual a descoberta da morte de um amigo próximo, a explicação da médica a respeito do estupro de Reina, e a televisão que apenas se liga para fornecer informações assombrosas a respeito dos crimes na Pampa. O universo narrativo e estético soa concebido especificamente para enaltecer Pedro e informar o espectador.
Ao final, o drama peruano se filia a tantas histórias a respeito de homens corajosos que se oferecem como justiceiros para donzelas indefesas. O Protetor, com Denzel Washingtoh vem à mente tanto quanto a sobrecarga estética de Som da Liberdade. Nos dois casos, o importante tema social constitui uma oportunidade perfeita para a resolução via heroísmo individual — nunca medidas sociais, ou práticas políticas. O otimismo final, numa solução mágica oferecida às mulheres, apenas escancara o abismo que separa a denúncia de um problema e a capacidade de refletir acerca de medidas para solucioná-lo.