As quatro personagens principais de Loucas em Apuros sentem que não pertencem a lugar nenhum. Americanas de origem chinesa, são tratadas como estrangeiras em seu país de nascimento, por causa dos traços orientais, mas nunca são consideradas chinesas de fato na terra de origem dos pais, cuja língua nem sequer dominam. Por isso, lidam com este sentimento de inadequação através da arte (uma dela faz obras eróticas), do culto à performance (a funcionária padrão, que trabalha arduamente na empresa) ou da tentativa de assimilação (a atriz se passando por chinesa de fato).
O roteiro constrói com calma as origens do conflito. De maneira tão determinista quanto freudiana, estima que seria impossível compreender o quarteto sem conhecer detalhes sobre a infância e os pais de cada uma delas. Por isso, descobrimos as raízes diferentes — a menina adotada por brancos; a outra, filha de chineses-americanos —, os primeiros traumas, o bullying sofrido durante o amadurecimento. Praticamente todas as piadas relacionadas a asiáticos estão dispersas no texto: a dificuldade de distinguir chineses e coreanos; a paixão pressuposta por K-pop; a moral familiar rígida; a preocupação com a honra, etc.
Felizmente, existem precauções fundamentais no que diz respeito ao ponto de vista. A diretora Adele Lim, que co-escreve o roteiro com Cherry Chevapravatdumrong e Teresa Hsao (três jovens asiáticas-americanas especializadas em comédia provocadora), insiste em seguir o olhar das garotas, conforme viajam à China para lidar com questões empresariais e com a busca pela mãe biológica. Rimos sempre com elas, ao invés delas. A narrativa jamais ridiculariza as meninas atrapalhadas, sedentas por sexo e, muitas vezes, irresponsáveis. Pelo contrário, demonstra uma ternura incondicional pelo quarteto.
Rimos sempre com as personagens, ao invés delas. A narrativa jamais ridiculariza as meninas atrapalhadas, sedentas por sexo e, muitas vezes, irresponsáveis. Pelo contrário, demonstra uma ternura incondicional pelo quarteto.
Em contrapartida, as figuras realmente patéticas, aos olhos da direção, correspondem ao típico norte-americano branco e ignorante. A sátira nasce da burrice do opressor, ao invés dos traumas do oprimido. Por isso, não existe piedade em filmar um garotinho racista levando um soco na cara, ou um chefe preconceituoso recebendo uma “recompensa” pelo comportamento passivo-agressivo com as minorias. Até os pais carinhosos da garota adotada tornam-se alvos de chacota por serem brancos, agindo de maneira incompreensível à família apegada à cultura chinesa.
A inversão se estende às relações de gênero. Após tantas comédias focadas em homens infantilizados e transbordando de hormônios, nos moldes de American Pie, Porky’s, e, mais recentemente, Se Beber, Não Case e É o Fim, chega a vez das mulheres. Elas falam de maneira escancarada sobre seus corpos, sua vontade incontrolável de sexo, seus desejos e fetiches pouco aceitos socialmente. Existe uma infinidade de piadas de vaginas, ânus, seios, orgasmo, cocaína enfiada no ânus, drogas enfiadas na vagina, vagina exposta na televisão, vaginas tatuadas com a imagem do demônio e afins.
Já os homens são objetificados, como as mulheres sempre foram, nestas tramas movidas pelo olhar masculino. Longe de um referencial realista, exagera-se ao limite assumido do absurdo. É sintomático que, após uma noite de sexo intenso, os homens fortes e atléticos estejam literalmente “quebrados” pelas garotas, impossibilitados de praticar o esporte com o qual ganham a vida, e que representa um símbolo de virilidade. Se alguém “comeu” o outro nessa relação casual e extrema, certamente não foram os homens.
Tamanhas liberdades quase levam a trama para fora dos trilhos. Apesar da crítica social ácida e alegremente vulgar (o quarteto de orgasmos simultâneos representa algo ousado para os padrões norte-americanos), o tema se esforça tanto para ser cada vez mais libertário e libertino que recorre a situações extravagantes até para uma comédia de grande abertura ao nonsense. A sequência no aeroporto incorpora acontecimentos mal filmados e editados, como se faltassem (ou tivessem sido retiradas na edição) imagens fundamentais ao quiproquó da nudez em rede nacional.
No entanto, chegada a hora de resolver pendências narrativas (de trabalho, familiares, e no que diz respeito à animosidade entre duas das meninas), Loucas em Apuros logo retorna ao drama — ou, melhor dizendo, ao melodrama. Entram em cena as lágrimas, a música triste, o tom pesado, numa guinada brusca em relação ao teor corrosivo adotado até então. Paira a ideia de que a comédia serve para ironizar, porém, na hora de retratar aprendizados (a respeito da maternidade, do pertencimento, das origens, da autodescoberta) é preciso recorrer ao formato padronizado do drama em moldes televisivos.
Assim, pessoas importantes simplesmente cruzam o seu caminho, e vídeos gravados anos atrás, com mensagens para o futuro, surgem para garantir um alívio às protagonistas. Talvez esta resolução terapêutica e exagerada soe ainda menos provável do que todo o imbróglio cômico da viagem recheada a sexo e drogas. Por sorte, o talentoso quarteto de atrizes, todas muito confortáveis neste tipo de humor físico do desconforto, transita com facilidade entre os registros. As autoras se mostram mais confortáveis na ousadia do humor do que na previsibilidade do melodrama, embora consigam atar as pontas soltas para Audrey (Ashley Park), Kat (Stephanie Hsu), Lolo (Sherry Cola) e Olho de Peixe Morto (Sabrina Wu).
Mesmo assim, fica um questionamento ao se deparar com criadores de comédia ainda crentes que, na hora de “falar sério”, a comédia política não sirva mais ao propósito de catarse e recompensa emocional. O resultado seria ainda mais pertinente caso sustentasse seu discurso de amizade e empoderamento feminino através da comédia, e não apesar dela. Para um filme tão corajoso, falta a firmeza de apostar neste registro até o final, ou se combinar formas mistas de comédia dramática, sem enveredar por um jogo de conveniências e resoluções mágicas na cena final.
Estes revezes não apagam as notáveis qualidade de uma comédia inteligente, capaz de observar a vida, os amores, trabalhos e famílias das mulheres asiáticas-americanas com evidente conhecimento de causa. Há um caráter de crônica rebelde e juvenil neste aceno a tantos gestos do cotidiano, gíria e trejeitos específicos deste grupo social. O vigor se transmite no comportamento adolescente e imaturo das jovens adultas (como já era o caso de American Pie e outros equivalentes masculinos). Acostumadas a criações rígidas e morais vigiadas, estas mulheres podem se soltar, até demais, na busca por uma terra que possam chamar de sua.
Em paralelo, o longa-metragem oferece uma visão positiva da China e da Coreia do Sul, sem anular seus problemas nem efetuar um panfleto turístico de cada um. Foge-se do exotismo do lugar distante para compreender como estes países podem representar um lar aos norte-americanos de ascendência estrangeira. Abraça-se o outro e a diferença com carinho e boa vontade, ao invés de prejulgamentos morais. Neste sentido, por trás da aparência grosseira, transmite um humanismo comovente.