Má Reputação (2024)

Sexo é trabalho

título original (ano)
Mala Reputación (2024)
país
Uruguai, Argentina
linguagem
Documentário
duração
78 minutos
direção
Marta García, Sol Infante
com
Karina Núñez
visto em
18º CineBH (2024)

Plano próximo nos fartos seios de uma mulher. Ela os ajeita no sutiã, expostos num decote generoso da blusa. Em seguida, Karina Núñez dança, canta, balança o corpo para os motoristas que passam pelo cruzamento da autoestrada onde ela se encontra. Muitos a conhecem pelo nome, e prometem que, na próxima vez, terão tempo para um programa com ela. A protagonista deste documentário se prostitui desde os 12 anos de idade e, três décadas depois, ainda exerce o ofício. No entanto, recusa-se a ser chamada de prostituta. Afinal, segundo a lei uruguaia, ela é uma trabalhadora do sexo.

Karina representa uma destas personalidades raras, cujas qualidades devem ter despertado nas cineastas Marta García e Sol Infante a vontade de realizar um longa-metragem inteiramente focado nela. A mulher é espirituosa, espontânea, profundamente articulada e politizada. Defende a sua profissão e conhece seus direitos, assumindo como objetivo a formação de jovens profissionais da área para nunca se submeterem aos abusos do sistema. Depois de ter sido recusada num concurso para faxineira de banheiros públicos, ela desiste: “Dane-se. Prefiro continuar chupando pau”

A narrativa, tão agradável quanto ligeira, alterna instantes mais graves com outros de descontração, garantindo que a proposta nunca fuja ao escopo do feel good movie. Evitam-se polêmicas, questões chocantes ou controversas a partir do histórico da protagonista. Isso significa que, em primeira lugar, nunca se explora a nudez, muito menos o sexo. Karina expõe rapidamente os seis enquanto toma banho, porém, a cena adquire contornos humorísticos visto que ela faz uma reunião em vídeo com as colegas enquanto toma sua ducha. 

Má Reputação foge ao discurso miserabilista ou piedoso no que diz respeito à prostituição. O fato de ter levado o público às gargalhadas diz muito sobre sua capacidade excepcional de comunicação.

Em segundo lugar, os episódios de violência ou abuso que ela possa ter experimentado estão ausentes da narrativa. Má Reputação foge ao discurso miserabilista ou piedoso no que diz respeito à prostituição. As mulheres desta trama mencionam, sem detalhes, pequenas experiências de furtos com clientes. De resto, nenhuma menção a abusos sexuais e outras formas de agressão (física e psicológica) atravessa a fala da heroína, mais preocupada em distribuir panfletos e fazer reuniões da OTRAS (Organização de Trabalhadoras do Sexo).

Este constitui um dos posicionamentos políticos determinantes do projeto: a vontade de se focar unicamente em pessoas para quem a temática do comércio sexual esteja longe de representar um tabu. Entre as participantes da instituição, discussões a respeito do sexo são obviamente corriqueiras. Karina possui um grande amigo com quem compartilha o preço de seus programas. Os netos dela também conhecem a profissão da avó, e demonstram perfeita tranquilidade quanto ao tema.

Logo, García e Infante dedicam-se a um discurso de afeto envolvendo trabalhadoras do sexo. Preferem compreender como este ofício pode transmitir o mesmo grau de companheirismo, solidariedade e organização política que qualquer outro. Começam, portanto, a equilibrar a narrativa face a tantas reportagens moralistas, que desqualificam a profissão enquanto algo sujo, imoral, perverso. Nada parece mais familiar, amigável e limpo (visto o número de vezes que a higiene é debatida entre as personagens) do que a prostituição das amigas uruguaias.

Esteticamente, as autoras se dedicam a uma cartilha simples, de ordem observacional. Aproximam-se da meia-dúzia de figuras recorrentes com tal intimidade que a presença da câmera não parece incomodá-las, nem alterar a dinâmica reinante. Em cada reunião da OTRAS, o ponto de vista se situa na posição fraterna de um membro suplementar. Ao invés de realizarem um longa-metragem sobre profissionais do sexo, vistas enquanto objetos de estudo distantes, preferem fazer um filme com elas, acompanhando-as onde querem, e conferindo a cada uma bastante autonomia para determinarem o modo como desejam ser vistas.

Isso implica em composições sóbrias, acadêmicas — tão corretas quanto modestas. Raríssimos instantes de poesia irrompem o cotidiano, caso da sequência de Karina nadando nas águas, à noite, ao lado de uma vela acesa que boia nas ondas. Trata-se de raras delicadezas e lirismos, incapazes de alterar significativamente a experiência cronológica, linear, e bastante clássica do longa-metragem. Ao invés de representar metaforicamente este universo de trabalho sexual, as diretoras buscam apreendê-lo da maneira mais fiel e próxima possível.

Restam, ao final, as brincadeiras, provocações e piadas destas mulheres, entrecortadas por depoimentos bastante sóbrios a jornalistas, contra a exploração de menores e contra os cafetões, por exemplo. A obra se arrasta um pouco na conclusão, porque talvez tenha enxertado algumas cenas para atingir a duração mínima de um longa-metragem. Mesmo assim, conquista o objetivo de oferecer ao espectador um retrato tão respeitoso quanto naturalista de Karina e outras mulheres. O fato de ter levado o público do CineBH às gargalhadas diz muito sobre a capacidade excepcional de comunicação deste projeto, munido de tema tão sensível.

Má Reputação (2024)
7
Nota 7/10

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