Meu Casulo de Drywall (2023)

Todas as mazelas

título original (ano)
Meu Casulo de Drywall (2023)
país
Brasil
gênero
Drama, Suspense
duração
115 minutos
direção
Caroline Fioratti
elenco
Maria Luisa Mendonça, Bella Piero, Michel Joelsas, Mari Oliveira, Daniel Botelho, Caco Ciocler, Débora Duboc, Flávia Garrafa, Marat Descartes, Lena Roque
visto em
Cinemas

Em Meu Casulo de Drywall, a diretora e roteirista Caroline Fioratti pretende discutir temas urgentes da contemporaneidade — não um, nem dois, mas uma dezena deles. Por isso, inclui em sua trama um mosaico de personagens, cada um representando dois ou três tópicos graves que a artista deseja abordar. Ao invés de se concentrar em um tema particular, decide evocá-los todos, de passagem, enquanto panorama vasto e pessimista de uma sociedade em ruínas.

Por isso, ao invés de constituírem figuras tridimensionais, os personagens se restringem a estudos de caso, ou representantes de uma causa específica a combater e/ou discutir. A protagonista Virgínia (Bella Piero) evoca o suicídio e a negligência paterna. Luana (Mari Oliveira) representa o racismo, a dependência das redes sociais, a hipersexualização na juventude. Nicollas (Michel Joelsas) serve como porta-voz para a homossexualidade reprimida, a violência doméstica, a falta de amor familiar. Cristina (Débora Duboc) expressa a depressão. Patricia (Maria Luisa Mendonça) representa as vítimas de abuso doméstico e conjugal. E assim por diante.

O longa-metragem oferece um verdadeiro catálogo de adversidades, sem sutileza, nem tempo para aprofundamento e análise. Isso significa que, para ilustrar a necessidade de acolhimento após a perda da filha, Patricia deita em posição fetal na cama, antes de deitar em posição fetal nas costas do sofá, e deitar em posição fetal na piscina do prédio. O juiz Roberto (Caco Ciocler) é um sujeito poderoso e violento, por isso, na única cena em que aparece, comunica-se aos gritos e tapas. Antonio (Marat Descartes), militar homofóbico, resume-se às marcas roxas deixadas no filho. 

Meu Casulo de Drywall se enfraquece pela confusão de tons, pela dificuldade de escolher uma abordagem, um ponto de vista, uma linguagem. Como é possível criar uma adolescente definhando durante uma única noite, apenas para deixá-la na posição de coadjuvante da própria trama?

Por um lado, compreende-se que estas questões estejam conectadas, e que seja possível, mesmo desejável, enxergá-las em rede. Afinal, o mesmo machismo que produz os feminicídios será aquele responsável por condenar a orientação sexual do filho adolescente. No entanto, o drama com toques de suspense carece de foco ou, pelo menos, de um fio condutor. Virgínia aparenta ser a protagonista, embora, duas horas depois, ainda se conheça pouco dela. A narrativa tampouco é contada pela perspectiva de cada uma das pessoas afetadas: ao final, ainda descobrimos informações insuficientes sobre a mãe, a melhor amiga, o rapaz em quem deu o primeiro beijo.

O tom gravíssimo também impede a produção de enxergar a fronteira próxima do absurdo. Impressionam os encontros sucessivos de moradores por acaso no pátio de entrada, assim como o acesso privilegiado às câmeras de segurança, a facilidade na manipulação de uma cena do crime, ou a ausência de demais condôminos deste edifício-escândalo. Fioratti poderia associar o painel de atrocidades especificamente à classe privilegiadíssima dos protagonistas. Entretanto, evita associar a renda a estas questões, claramente derivadas de desigualdades sistêmicas. Talvez o sinal mais evidente do baixo aprofundamento político decorra da função praticamente nula das empregadas domésticas na trama.

O aspecto mais interessante viria do flerte com o cinema fantástico. Em sua festa de 17 anos, Virgínia começa a manifestar, ao longo da noite, feridas profundas no ombro e nos braços. Vista a intensidade da maquiagem, a garota parece se encontrar no estágio final de transformação em zumbi em alguma trama pós-apocalíptica. No entanto, ninguém a enxerga seu sofrimento, porque estão preocupados demais com suas próprias dores. Seriam, portanto, condenáveis por sua negligência. A garota está praticamente coberta de sangue. Ao redor, as pessoas dançam.

A metáfora, de uma obviedade atroz, poderia ser interessante caso inserida em um contexto propício ao cinema de gênero. Todas as pessoas machucadas internamente transbordam sua angústia no corpo? De que maneira a pele de Virgínia a corrói? Em Sua Pele (2002), de Marina de Van, elevava um princípio semelhante à enésima potência, investigando a relação de admiração, repulsa e prazer da heroína em relação ao corpo ferido. Ora, no filme brasileiro, a adolescente parece esquecer, ou não sentir, as marcas profundas que se multiplicam em tempo recorde. Se nem ela, nem os amigos se importam com tanto sangue, por que o espectador deveria se importar?

O cinema nacional tem conquistado suas melhores metáforas políticas a partir da utilização do terror — vide As Boas Maneiras, Medusa, Bacurau. Aqui, em contrapartida, o corpo em decomposição soa como um detalhe perdido em meio a tantas imagens, personagens e dilemas disputando nossa atenção. Como é possível criar uma adolescente definhando durante uma única noite, apenas para deixá-la na posição de coadjuvante da própria trama? Por que inventar uma simbologia ao mesmo tempo tão explícita e tão insignificante aos rumos da trama? 

Ao final, Meu Casulo de Drywall se enfraquece pela confusão de tons, pela dificuldade de escolher uma abordagem, um ponto de vista, uma linguagem. Adota o discurso típico do realismo social, porém insere metáforas de horror. Lamenta a morte da heroína, ainda que dedique tempo insuficiente a ela. Volta-se à realidade de jovens menores de idade, apesar de escolher um elenco próximo dos 30 anos para o papel de estudantes. Aproxima-se dos super ricos sem entender de que maneira esta vida diferiria das mazelas de adolescentes periféricos, por exemplo. Por fim, abraça mais do que consegue representar. O essencial escapa pelas amplas frestas deste abraço tão bem-intencionado quanto desajeitado. 

Meu Casulo de Drywall (2023)
4
Nota 4/10

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